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Bolsonaro perdeu "compasso moral", diz revista "The Lancet"

8 de maio de 2020

Em editorial, publicação científica afirma que presidente talvez seja a maior ameaça à resposta do país à covid-19. Após demissão de Mandetta e Moro, Bolsonaro "precisa mudar de curso ou terá de ser próximo a sair", diz.

O presidente brasileiro Jair Bolsonaro em visita a Porto Alegre para nomeação de novo chefe de QG na cidade. À frente da foto, bandeiras do Brasil, ladeadas por apoiadores de Bolsonaro, que acena para eles enquanto é fotografado e filmado pelos celulares.
Para revista, Bolsonaro "semeia confusão ao desencorajar distanciamento"Foto: Imago Images/Zuma Wire/F. Alves

Num veemente editorial intitulado Covid-19 no Brasil: "E daí?", em que critica a gestão da pandemia do coronavírus Sars-Cov-2, a revista científica britânica The Lancet escreveu que "talvez a maior ameaça à resposta do país à covid-19 seja seu presidente, Jair Bolsonaro".

O título do texto, publicado nesta quinta-feira (07/05), destacou a declaração pronunciada por Bolsonaro depois que o Brasil ultrapassou 5 mil óbitos em consequência da covid-19, a doença causada pelo coronavírus. "E daí, quer que eu faça o quê? Sou Messias, não faço milagres", disse a repórteres, após ser questionado sobre o veloz aumento das mortes no país.

A publicação destaca que Bolsonaro "não só semeia confusão ao escarnecer e desencorajar medidas sensatas de distanciamento social e lockdown (bloqueio total)" adotadas por governados estaduais e cidades em todo o país, mas que também perdeu "dois importantes e influentes" ministros nas últimas três semanas: o da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, e o da Justiça e da Segurança Pública, Sergio Moro.

"Tal desordem no coração do governo é uma distração fatal em meio a uma emergência de saúde pública e também um sinal forte de que a liderança do Brasil perdeu seu compasso moral – se é que jamais teve algum", diz o texto.

A The Lancet afirmou ainda que combater a pandemia de covid-19 no Brasil já seria difícil mesmo sem "vácuo de ações políticas", devido ao fato de cerca de 13 milhões de pessoas viverem em favelas, onde a alta densidade populacional torna difícil a implementação de medidas de distanciamento.

O texto também sublinha o alto número de pessoas com ocupações informais no país e a eliminação de fontes de renda em consequência da pandemia.

"A população indígena já vivia sob severas ameaças mesmo antes do surto de covid-19, porque o governo vem ignorando ou até encorajando a mineração e o desmatamento ilegais na Floresta Amazônica", escreve a The Lancet, que alerta para o risco de madeireiros e mineiros ilegais contagiarem populações indígenas.

A revista destacou ainda que o Brasil concentra o maior número de infecções e de mortes pelo coronavírus na América Latina, afirmando que "o mais preocupante é que estima-se que a taxa de mortalidade dobre em apenas cinco dias", e que um estudo recente do Imperial College de Londres, que analisou a taxa de transmissão em 48 países, coloca o Brasil como país com a maior taxa de transmissão, de 2,81.

Isso quer dizer que uma pessoa infectada pode contaminar quase três. Na Alemanha, por exemplo, a taxa de reprodução do vírus caiu para 0,65 nesta quinta-feira, o que significa que um paciente infectado pelo vírus contagia menos de uma pessoa.

"O próximo a sair"

A publicação exemplificou ainda ações tomadas pelas comunidades científicas e de saúde e pela sociedade civil "num país conhecido por seu ativismo e sua oposição clara a injustiças e desigualdades, e onde a saúde é um direito constitucional".

O texto cita organizações como a Academia Brasileira de Ciências e a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) como oponentes de longa data de Bolsonaro "por causa de cortes drásticos no orçamento para ciência e uma demolição geral da seguridade social e dos serviços públicos".

"Há muita pesquisa acontecendo, de ciência básica a epidemiologia, e há produção rápida de equipamentos de proteção individual [EPIs], respiradores e kits de testes", elogia a The Lancet.

Por outro lado, "liderança no mais alto nível governamental é crucial para evitar rapidamente o pior desfecho desta pandemia, como ficou evidente em outros países". "Como país, o Brasil precisa se unir para dar uma resposta clara ao 'E daí?' de seu presidente. Ele precisa mudar drasticamente de curso ou terá que ser o próximo a sair."

RK/ots

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