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Bolsonaro usa bicentenário para mobilizar base radical

7 de setembro de 2022

Com risco de ser derrotado na corrida ao Planalto, presidente transforma 7 de Setembro em comício, instrumentaliza militares para campanha e usa palcos em Brasília e no Rio para inflamar mais uma vez sua base extremista.

Jair Bolsonaro
Foto: Evaristo Sa/AFP/Getty Images

O objetivo de Jair Bolsonaro de fundir a comemoração cívico-militar da Independência com seus objetivos político-eleitorais, perseguido desde que ele tomou posse como presidente, atingiu o ápice nesta quarta-feira, bicentenário do 7 de Setembro, a menos de um mês da eleição.

No Rio de Janeiro, palco principal escolhido pelo presidente, distinguir o que era comício e o que era uma celebração de Estado tornou-se impossível.

Parte de Copacabana foi tomada por bolsonaristas, entretidos e animados por voos rasantes de helicópteros militares levando a bandeira do Brasil e de aviões da esquadrilha da fumaça. A cada sobrevoo, locutores de carros de som gritavam "mito" ou "Bolsonaro", para júbilo da base radical do presidente.

Paraquedistas militares levando bandeiras do país e uma do bicentenário fizeram manobras em frente à orla – mas um eventual apoiador do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva teria dificuldade para acompanhar a apresentação incólume. Enquanto os paraquedistas desciam, o locutor do principal carro de som questionava, com um tom entre a ameaça e o deboche, se havia "infiltrados" da "esquerdalha" no público presente.

Mais cedo, em Brasília, um cenário parecido se desenhou na Esplanada dos Ministérios, com apoiadores exibindo cartazes com mensagens anticonstitucionais pedindo um golpe militar e a dissolução do Supremo Tribunal Federal (STF).

Em desvantagem nas pesquisas e com risco de não conseguir ser reeleito – o último Datafolha aponta que Bolsonaro está 13 pontos atrás de Lula –, o presidente acabou usando os eventos na capital e no Rio de Janeiro para repetir ataques contra adversários políticos e os poderes Judiciário e Legislativo e criar imagens de força ao lado de apoiadores, numa tentativa de demonstrar que ainda não está liquidado na disputa presidencial.

"Isso é o Datapovo. O resto é conversa fiada", disse no evento o pastor fundamentalista Silas Malafaia, aliado do presidente, atacando as pesquisas eleitorais que apontam que Bolsonaro sofre com alta rejeição e ainda corre o risco de ser derrotado no primeiro turno.

Apoiadores de Bolsonaro em Copacabana. Ato de campanha e festa cívica de 7 de Setembro se fundiramFoto: REUTERS

No Rio, Bolsonaro repetiu o roteiro de vários outros atos com sua base radical. Após liderar uma "motociata", ele afirmou, em discurso, que a esquerda precisa ser "extirpada da vida pública". Também dirigiu ataques diretos a Lula, chamando o petista de "quadrilheiro de nove dedos". 

"Compare o Brasil com os países da América do Sul, compare com a Venezuela, compare com o que está acontecendo na Argentina, e compare com a Nicarágua. Em comum esses países têm nomes que são amigos entre si. Todos (...) são amigos do quadrilheiro de nove dedos que disputa a eleição no Brasil. Não é voltar apenas à cena do crime... Esse tipo de gente tem que ser extirpada da vida pública."

Repetindo o teor do seu discurso mais cedo em Brasília, Bolsonaro também se referiu em tom de ameaça ao Judiciário, afirmando que, se reeleito, fará todos respeitarem "as quatro linhas" da Constituição e que agora todos sabem "como funciona" o STF. Assim como ocorreu em Brasília, Bolsonaro fez no Rio uma pausa estratégica após mencionar a Corte, incentivando vaias entre seus apoiadores.

Na tribuna das autoridades em Copacabana, membros da cúpula das Forças Armadas se misturaram a membros da base política do bolsonarismo.

Em outro recado nada discreto ao Supremo, o deputado Daniel Silveira (PTB-RJ) pôde ser visto circulando na tribuna das autoridades em Copacabana. Em 2021, o extremista Silveira chegou a ser preso por ameaçar ministros da Corte e recentemente teve sua candidatura ao Senado barrada pela Justiça Eleitoral. Já em Brasília, Bolsonaro esnobou o presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, e fez questão de ficar ao lado do bilionário de extrema direita Luciano Hang, outro alvo do STF, que é investigado por suspeita de financiar redes de fake news e defender, junto com outros empresários, um golpe militar

No Rio, Bolsonaro também citou as medidas tomadas pelo STF para investigar o grupo de empresários que conta com Hang. "Hoje estive com os empresários acusados de golpistas. Pelo amor de Deus. Eles tiveram a privacidade violada. Queremos que os empresários e que vocês tenham liberdade para decidir o seu futuro. Somos escravos das nossas decisões. Veja a vida pregressa, principalmente para tomar as suas decisões. Tenho certeza que vocês sabem o que fazer para se manter no caminho certo", disse o presidente.

Reduto bolsonarista

Neste ano, o desfile de 7 de Setembro no Rio de Janeiro, que tradicionalmente ocorria no centro da cidade, foi transferido de maneira inédita para o bairro de Copacabana, na Zona Sul.

Copacabana, um dos principais cartões-postais do Brasil, é um reduto do bolsonarismo. Na zona eleitoral que abrange o bairro, Bolsonaro obteve 61,43% dos votos válidos no segundo turno da eleição presidencial de 2018, contra 38,57% do petista Fernando Haddad. O presidente também liderou a votação no estado do Rio de Janeiro na eleição passada, conquistando 59,79% dos votos válidos no primeiro turno. Em 2022, pesquisas indicam que sua vantagem deve ser menor. Segundo levantamento do Ipec, o presidente aparece com 39% das intenções.

A transferência do evento para Copacabana levantou preocupações sobre a segurança do evento e até alimentou especulações que bolsonaristas poderiam usar a concentração para encenar algum tipo de incidente ao lado dos militares. No entanto, não houve registro de qualquer tipo de incidente.

Por ordem de Bolsonaro, tradicional desfile de 7 de Setembro no Rio foi transferido do centro para Copacabana, um reduto bolsonaristaFoto: IVAN PACHECO/AFP

Apesar da produção de imagens para agitar a base bolsonarista, cálculos indicam que os atos desta quarta reuniram menos pessoas do que os organizadores esperavam . O governo de São Paulo estimou que 50 mil pessoas foram à avenida Paulista, na capital do estado, manifestar apoio ao presidente, contra 125 mil no mesmo feriado de 2021. Já um cálculo elaborado por pesquisadores da USP estimou que cerca de 64 mil pessoas participaram do ato em Copacabana e 32 mil tomaram parte na manifestação da Paulista. Nas redes sociais, bolsonaristas ignoraram os cálculos e propagandearam números superiores a 1 milhão em alguns dos atos.

Em Brasília, Bolsonaro pediu votos e voltou a repetir ameaças

Mais cedo, em Brasília, Bolsonaro já havia usado o feriado que marca o bicentenário da Independência do Brasil para fazer campanha e incitar apoiadores contra o Judiciário e o Legislativo.

Diante de milhares de apoiadores reunidos na Esplanada dos Ministérios, Bolsonaro fez elogios ao seu governo, afirmou que o Brasil tem pela frente "uma luta do bem contra o mal" e pediu a seus eleitores que convençam "quem pensa diferente" sobre "o que é melhor para o Brasil".

Durante café da manhã no Palácio da Alvorada, Bolsonaro já tinha citado episódios históricos de tensão política e ruptura democrática no Brasil, incluindo o golpe militar de 1964, e disse que a "a história pode se repetir". "Quero dizer que o brasileiro passou por momentos difíceis, a história nos mostra. 22, 65, 64, 16, 18 e, agora, 22. A história pode repetir. O bem sempre venceu o mal", disse.

Em Brasília, Bolsonaro participou de dois eventos. Um desfile militar para marcar o 7 de Setembro e um evento com apoiadores. Neste ano, ao contrário de desfiles anteriores, os chefes dos poderes Legislativo e Judiciário não compareceram. Apesar de serem aliados do presidente, os presidentes da Câmara, Arthur Lira, e do Senado, Rodrigo Pacheco, têm evitado abraçar a pregação golpista de Bolsonaro.

Após o desfile, Bolsonaro subiu num caminhão de som pago por apoiadores para discursar. Assim como ocorreu no Rio de Janeiro, vários membros da base extremista do presidente exibiram cartazes com mensagens anticonstitucionais, pedindo uma intervenção militar e o fechamento do Judiciário e do Congresso.

O presidente também mencionou outros poderes de forma ameaçadora. "Podem ter certeza, é obrigação de todos jogarem dentro das quatro linhas da nossa Constituição. Com uma reeleição, nós traremos para dentro dessas quatro linhas todos aqueles que ousam ficar fora delas", declarou.

Michelle, Jair Bolsonaro e o presidente de Portugal, Marcelo de Sousa. Desfile em Brasília foi boicotado por chefes de outros poderesFoto: EVARISTO SA/AFP

Bolsonaro também usou o encontro com os apoiadores para pedir votos e atacar o PT. "Sabemos que temos pela frente uma luta do bem contra o mal, um mal que perdurou por 14 anos em nosso país, que quase quebrou a nossa pátria e que agora deseja voltar à cena do crime", disse o presidente.

"A vontade do povo se fará presente no próximo dia 2 de outubro, vamos todos votar, vamos convencer aquelas pessoas que pensam diferente de nós, vamos convencê-los do que é melhor para o nosso Brasil", afirmou.

Na sequência, o presidente fez uma série de declarações machistas e até mesmo fez uso indireto de preconceito religioso. Na fala, Bolsonaro exaltou sua esposa, a primeira-dama Michelle, e a comparou com a esposa do seu adversário Lula, Rosângela Silva, a Janja.

"Podemos fazer várias comparações, até entre as primeiras-damas. Não há o que discutir", disse Bolsonaro. Em seguida, ele disse que a evangélica Michelle é "uma mulher de Deus, da família". A última fala ocorre após a máquina de propaganda bolsonarista nas redes sociais ter espalhado mensagens nas últimas semanas que tentam associar de maneira preconceituosa Janja a religiões de matriz africana.

Por fim, Bolsonaro sugeriu que "homens solteiros" procurem "uma princesa" para "se casar".

Repercussão

Na imprensa brasileira, juristas e especialistas em eleições apontaram que o uso da data cívica e da máquina pública por Bolsonaro neste 7 de Setembro deve resultar em ações por abuso de poder.

Após os eventos em Brasília e no Rio de Janeiro, o candidato do PDT à Presidência, Ciro Gomes, acusou Bolsonaro de transformar as celebrações de 7 de Setembro para fazer "comício eleitoral". 

Lula, favorito para vencer o pleito de outubro, também criticou em vídeo divulgado na noite desta quarta a instrumentalização que Bolsonaro fez do 7 de Setembro e mencionou suspeitas de enriquecimento ilícito que pairam sobre o clã presidencial.

"Ao invés de discutir os problemas do Brasil, tentar falar para o povo brasileiro como ele vai responder o problema da educação, da saúde, do desemprego, do arrocho do salário mínimo, ele tenta falar de campanha política e tenta me atacar", disse Lula. "Agora, ele deveria estar explicando para o povo como é que a família juntou R$ 26 milhões de dinheiro vivo para comprar 51 imóveis. É isso que ele tem que explicar."

Já as falas machistas de Bolsonaro provocaram reação das candidatas à Presidência Simone Tebet (MDB) e Soraya Thronicke (União Brasil).

"Além de pária internacional devido à falta de segurança e de estabilidade política, agora o país também vira motivo de chacota pelas falas machistas do seu líder, que deveria dar exemplo. O Brasil não merece o governo que tem!", escreveu Tebet no Twitter.

Soraya também usou a rede social para afirmar que "o presidente insiste em propagar que é imbrochável, informação que, sinceramente, não interessa ao povo brasileiro". "O que o Brasil precisa, mesmo, é de um presidente incorruptível", escreveu a candidata do União Brasil

No momento, Bolsonaro enfrenta dificuldades para conquistar o voto feminino. Segundo o último Datafolha, Lula lidera nesse segmento com 48% das intenções de voto, contra 29% do atual ocupante do Planalto.

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