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Brasão de cidade alemã gera debate sobre racismo

Christina Küffner cn
22 de julho de 2020

Coburgo possui como símbolo imagem de um negro. Para os defensores, é uma homenagem a um santo africano da época romana. Para outros, imagem conhecida como "Mouro de Coburgo" perpetua estereótipos racistas.

Imagem do brasão de Coburgo
Brasão de Coburgo é datado do final do século 16Foto: DW/C. Küfner

Nos dias ensolarados de julho, a praça do mercado da cidade alemã de Coburg, no norte da Baviera, parece um salão preparado para um banquete – tudo muito harmônico. De um lado, casas restauradas alinhadas e hóspedes muito bem vestidos, do outro, como dois anfitriões arrumados, as imponentes fachadas da prefeitura e da Stadhaus (um antigo edifício governamental) coroam a paisagem. Soma-se ela o calmante som de fontes espalhadas pelo local.

Poderia ser um lindo verão em Coburg, se a controvérsia sobre o brasão da cidade não tivesse perturbado sensivelmente essa atmosfera. A cidade foi confrontada com a acusação de carregar uma imagem racista em seu brasão, o chamado "Coburger Mohr" (negro de Coburg).

O brasão possui a cabeça de um negro, com características que seu criador considerou típicas da população africana: lábios grossos, cabelos encaracolados e um grande brinco crioulo. A imagem está em todos os locais da cidades, além de fachadas e placas, surge a cada poucos metros em tampas do sistema de canalização e esgoto.

Para Juliane Reuther e Alisha Archie, a ilustração com estereótipos do período colonial é discriminatória. As duas ativistas, que moram em Berlim, mas são da região de Coburg, iniciaram uma petição online em junho para mudar o brasão da cidade. 

Segundo Archie, o retrato não reconhece que negros são diferentes e sugere, em vez disso, "algo exótico, e selvagem". "É uma representação racista que hoje em dia não pode mais simplesmente ter espaço", acrescenta a ativista.

Prédio da prefeitura é uma das principais atrações da cidadeFoto: Imago Images/P. Schickert

A acusação é relevada ou, até mesmo, incompreendida por muitos moradores de Coburg. As duas moças de Berlim devem ter muito tempo, reclama uma mulher. Outra afirma que o "negro" pertence à cidade e assim deve permanecer. 

Na prefeitura, o tom é pouco diplomático. Uma discussão "sem sentido", dizem, alegando que, no caso de Coburg, não se pode realmente falar em racismo. O negro como símbolo da cidade seria muito mais um sinal de honra.

Discriminação ou honra?

O especialista em cultura Hubertus Habel, que pesquisou para o seu doutorado sobre o símbolo da cidade e sua história cultural, também fala em reverência. Segundo ele, a imagem simboliza São Maurício, um legionário cristão de pele escura que foi executado devido à sua fé. Habel avalia que a imagem do negro no brasão neste caso é "perfeitamente em ordem, porque expressa apreço e respeito a esse santo". São Mauricio é o padroeiro da cidade.

A ativista Archie, porém, contesta essa versão e diz que não se pode falar em honra, "quando uma imagem racista é utilizada para isso". 

A representação de São Maurício mudou ao longo do tempo. Provavelmente, ele não era realmente negro. O santo seria originário do Alto Egito. Foi somente na Idade Média que a representação de São Maurício negro se impôs na Europa. O brasão de Coburg aparece no final do século 16.  Na Europa Central, mesmo a imagem do São Maurício negro passou por mudancas. Ele foi retratado inicialmente como um cavaleiro negro em armadura, mas com o passar dos séculos ganhou contornos mais “exóticos” e, segundo os críticos, mais degradantes.

A petição atual não é a primeira tentativa de remover o símbolo do brasão. Em 1934, os nazistas chegaram substitui-lo pela imagem de uma adaga e uma suástica, uma imagem mais sintonizada com a ideologia do regime de Adolf Hitler. O antigo símbolo do "Mouro de Coburg" foi restaurado depois da Segunda Guerra, com um design atualizado.

A discussão sobre o antigo termo Mohr (negro) reúne história e clichês, consciência de tradição e discurso sobre racismo. Na Alemanha, ela não é um tema somente em Coburg. No contexto dos protestos mundiais antirracistas, espaços públicos e o comércio com nomes considerados racistas foram alvos de críticas, como a estação de metrô Mohrenstrasse, em Berlim, a rua Mohrenstrasse, em Colônia, o hotel Drei Mohren, em Augsburg, ou a farmácia Mohren, em Magdeburg. E esses são apenas alguns exemplos da lista.

Nem todos esses nomes remetem a uma veneração a São Maurício. Mas em todos o questionamento é o mesmo: qual o limite entre a história da cidade e o racismo estrutural? Às vezes, ele é fluente. Além disso, o debate se complica pois pesquisadores discordam das origens da palavra Mohr e de sua conotação – se é apenas descritiva ou depreciativa.

Termo Mohr também é debatido em outras cidades da Alemanha, como em BerlimFoto: picture-alliance/Geisler-Fotopress/S. Kanz

Enquanto Habel fala sobre uma denominação comum da Idade Média, que, no caso de Coburg, seria "imparcial e até estimada", a especialista em cultura e literatura da Universidade de Bayreuth Susan Arndt têm outra opinião.

"Desde o início, o termo foi usado pejorativamente e a partir de uma perspectiva cristã branca, além de ter uma intenção discriminatória", argumenta Arndt, acrescentando que o termo nunca foi usado de forma neutra.

Para a especialista, que também pesquisa sobre racismo, há paralelos entre o atual debate e o que ocorreu há alguns anos sobre o termo Neger – palavra para negro carregada de conotação racista. Segundo Arndt, na época, também foi dito que os críticos do termo discriminatório não argumentaram corretamente e que a palavra não seria pejorativa. "Assim, não é possível debater o racismo", lamenta a pesquisadora.

Petição contrária

A prefeitura de Coburg demonstra não ter vontade nenhuma de abordar o tema. O prefeito se recusa a dar entrevista e seu porta-voz respondeu à Deutsche Welle que tudo que deveria ser dito sobre o tema já foi dito.

Em reação à iniciativa das ativistas que moram em Berlim, os habitantes da cidade lançaram um petição online denominada "o negro de Coburg deve permanecer, salve o patrono da cidade no brasão". O apelo tem bem menos apoiadores do que a petição que defende a mudança.

Um debate diferenciado é urgentemente necessário, opina Tahir Della da Iniciativa Negros na Alemanha. Segundo ele, locais onde o Mohr é uma referência a São Maurício poderiam adotar o nome do santo. Para Della, o termo, no entanto, se tornou obsoleto. Não importa sua origem ou se expressa uma veneração, ressalta, ele continua sendo discriminatório para os negros.

"É como chamar alguém de idiota, e, se essa pessoa não tolera isso, tenta se explicar porque isso é possível. É exatamente isso que está acontecendo neste momento", acrescenta Della.

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