"Brasil é uma terra de atletas órfãos", diz pesquisadora
Marina Estarque22 de agosto de 2016
Katia Rubio, autora de 24 livros sobre psicologia do esporte e estudos olímpicos, teme pelo futuro dos atletas com a retirada de apoio após a Rio 2016. Ela defende investimentos na educação esportiva escolar.
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O objetivo de ficar entre os dez primeiros colocados no ranking de medalhas nos Jogos do Rio foi uma "promessa irreal", segundo a pesquisadora Katia Rubio, autora de 24 livros sobre psicologia do esporte e estudos olímpicos.
A meta foi estabelecida pelo Comitê Olímpico Brasileiro e o Plano Brasil Medalhas, lançado em 2012 pelo governo de Dilma Rousseff. Ao final dos Jogos, o Brasil conquistou 19 medalhas, mas acabou em 13º lugar.
Em entrevista à DW Brasil, Rubio afirma que o acesso ao esporte no Brasil é elitista e muito dependente dos clubes privados. Ela defende mais investimentos de base e na educação esportiva escolar.
Professora da Escola de Educação Física e Esporte da USP, Rubio já entrevistou mais de 1.300 atletas olímpicos brasileiros. Para ela, a CBF sabota o futebol feminino, e o apoio das Forças Armadas aos atletas brasileiros, tão polêmico nessas Olimpíadas, é bem-vindo em uma "terra de atletas órfãos".
O Brasil não atingiu a meta de medalhas na Rio 2016. Como a senhora avalia a participação brasileira nos Jogos?
Nós terminamos com 19 medalhas, é o melhor resultado da história olímpica do Brasil. Mas ele não corresponde às expectativas de dirigentes, que fizeram uma promessa irreal. Não dá para culpar os atletas porque não ganhamos algumas medalhas que eram consideradas certas. Os atletas são apenas a parte visível de um processo maior. O público não enxerga os bastidores.
Antes das Olimpíadas, a senhora já havia comentado que a meta era ambiciosa demais e que não se forma um atleta em quatro anos...
Pois é. Primeiro, é preciso uma política de Estado, o que a gente tem é uma política de governo. A cada mudança de governo, a política de esporte muda. Essa falta de continuidade acaba com a carreira de qualquer atleta. É preciso uma política de longo prazo, que fomente a base da pirâmide esportiva. O atleta olímpico é só a ponta do iceberg. E esse trabalho no Brasil não existe, porque não há o esporte escolar. A base da estrutura do esporte é de clubes privados. Então as crianças e jovens habilidosos de baixa renda são encaminhados a esses clubes. Só que lá, muitas vezes, eles não são bem recebidos, porque não podem pagar a mensalidade. É uma questão social séria de discriminação, que atinge vários atletas olímpicos.
O Plano Brasil Medalhas então foi emergencial...
Sim, porque o objetivo era fomentar atletas para os Jogos do Rio em 2016. Minha maior preocupação agora é como será o esporte no Brasil daqui para frente. Várias empresas já anunciaram que não vão continuar patrocinando o esporte. Então tudo aquilo que foi feito de forma emergencial, visando exclusivamente a conquista de medalhas no Rio, pode se perder.
Foi veiculado na imprensa que a CBF estuda desfazer o time permanente de futebol feminino. O que a senhora acha dessa atitude?
Só mostra o tipo de gente à frente do esporte no Brasil. Por isso eu defendo que o futebol masculino saia das Olimpíadas e fique só o feminino. Porque elas, com toda a falta de estrutura, chegam a disputar uma medalha de bronze. Elas ficam na Vila Olímpica e criam uma relação com o movimento olímpico, algo que o futebol masculino não faz. Até quando as mulheres brasileiras vão ter que mendigar respeito e espaço no futebol? Isso tudo porque temos uma confederação que deliberadamente impede o desenvolvimento do futebol feminino no Brasil.
Por que é importante ter uma seleção permanente para as mulheres?
Os homens têm outro foco, que é a Copa do Mundo. As mulheres não têm isso, a única coisa que dá visibilidade para o futebol feminino brasileiro, que vive em uma eterna UTI, é a Olimpíada. Chega a Rio 2016, e a seleção feminina começa a ter mais visibilidade do que a masculina, isso é um tapa na cara dos dirigentes. Como pode uma seleção com tão pouco investimento ser tão querida pelo público?
Eu tenho a impressão que o próprio técnico da seleção feminina, seguindo instruções, trabalhou para que elas não chegassem lá. A forma como ele escalou o time, deixando de fora meninas que eram fundamentais na organização da equipe... Há coisas que estão acontecendo lá dentro que o público não sabe. E elas, por temerem perder o pouco que têm, não denunciam. Enquanto não houver um movimento de valorização do esporte feminino, a gente não vai ver essas meninas ganharem medalhas.
Vários atletas brasileiros prestaram continência durante os Jogos, despertando uma polêmica sobre o papel das Forças Armadas no esporte do país. Qual é a sua opinião sobre isso?
As Forças Armadas entraram para a vida dos atletas como mais um patrocínio. Assim como ocorre quando recebem incentivos das empresas privadas, os atletas têm algumas obrigações a cumprir. Alguns não têm obrigação por contrato, mas se sentem gratos às empresas que os ajudaram. Com as Forças Armadas é a mesma coisa. Eles veem a continência como uma obrigação moral.
A senhora considera positivo esse papel das Forças Armadas?
Isso aumentou com os Jogos Mundiais Militares. O Brasil sempre teve um resultado pífio e, desde a realização dos Jogos Mundiais Militares aqui no país, as Forças Armadas buscaram atletas com bom rendimento olímpico, para que o Brasil fosse bem. Mesmo assim, na história olímpica brasileira, quem primeiro levou pessoas de baixa renda para os Jogos Olímpicos foram as Forças Armadas. Porque o esporte no Brasil nasceu aristocrático.
Mas isso faz parte das funções das Forças Armadas?
O Brasil é uma terra de atletas órfãos, onde a sobrevivência é um gesto heroico e cotidiano. Então se o apoio vem de uma pessoa física, de uma empresa ou das Forças Armadas, que venha. Aquele gesto pode fazer a diferença na vida de alguém, que pode se tornar um multiplicador. Prefiro que as Forças Armadas gastem dinheiro com nossos atletas do que na indústria bélica, fomentando a guerra.
Os medalhistas brasileiros na Rio 2016
Vôlei, futebol, canoagem, vôlei de praia, vela, salto com vara, judô, ginástica artística, argolas, maratona aquática, boxe, taekwondo e tiro deram alegrias aos brasileiros nos Jogos do Rio.
Foto: Getty Images/AFP/P. Guyot
Tchau, fantasma!
Depois das derrotas para os Estados Unidos em Pequim 2008 e da incrível virada sofrida para a Rússia quatro anos depois, a seleção brasileira masculina de vôlei afastou de vez os fantasmas das duas últimas finais olímpicas e venceu a Itália neste por 3 sets a 0 (parciais de 25 a 22, 28 a 26 e 26 a 24) para conquistar o ouro, o terceiro da história, nos Jogos do Rio de Janeiro. (21/08)
Foto: Getty Images/T. Pennington
A medalha inesperada
Maicon Siqueira conquistou a segunda medalha do taekwondo brasileiro em Jogos Olímpicos. O lutador mineiro faturou o bronze na categoria acima de 80kg e igualou o feito de Natália Falavigna (Pequim 2008). Maicon, 51º colocado no ranking mundial do taekwondo, chegou a dividir o esporte com os empregos de pedreiro e garçom. "É um sonho. Só estando aqui dentro para entender", disse, emocionado.
Foto: Reuters/I. Kato
Fim do trauma: Brasil é ouro!
Foi sofrido, mas foi! Após empate em 1 a 1, o Brasil derrotou a Alemanha apenas nos pênaltis e conquistou a tão sonhada medalha de ouro. O ciclo está completo: o Brasil possui agora todos os títulos do futebol masculino. Os heróis diretos no Maracanã foram o goleiro Wéverton, que defendeu a única cobrança desperdiçada, e Neymar, autor de um golaço de falta e que converteu o pênalti decisivo.
Foto: Getty Images/AFP/L. Griffiths
Isaquias Queiroz, o maior brasileiro
Ao lado de Erlon de Souza, Isaquias Queiroz conquistou a prata na canoa dupla 1000m. Desta forma, o canoista de Ubaitaba se tornou o 1º brasileiro com três medalhas numa edição de Jogos Olímpicos, superando César Cielo (ouro e bronze em Pequim 2008), Gustavo Borges (prata e bronze em Atlanta 1996) e Afrânio da Costa (prata e bronze) e Guilherme Paraense (ouro e bronze), ambos na Antuérpia 1920).
Foto: Getty Images/R. Pierse
Ouro nas areias de Copabacana
A dupla de vôlei de praia Alison e Bruno conquistou o ouro na Arena de Copacabana, após derrotar os italianos Paolo Nicolai e Daniele Lupo por 2 sets a 0 em 45 minutos de jogo. Alison tinha sido prata ao lado de Emanuel, em Londres. Bruno é sobrinho do ex-jogador de basquete Oscar Schmidt. Este foi a quinta medalha de ouro do Brasil na Rio 2016, igualando o recorde de Atenas 2004.
Foto: Getty Images/R.Carr
Filhas de peixe, peixinhos dourados são!
Martine Grael e Kahena Kunze venceram a regata final e conquistaram a medalha de ouro na classe 49er FX. Elas são as primeiras velejadoras brasileiras medalhistas de ouro em Jogos Olímpicos. Além disso, confirmaram a tradição de suas famílias na vela: elas são filhas de Torben Grael, maior medalhista olímpico brasileiro, e Claudio Kunze, campeão mundial de 1973 da classe Pungüim.
Foto: Getty Images/AFP/W. West
Isaquias entra para grupo seleto
Com o bronze na canoa individual (C1) 1000m, Isaquias Queiroz entrou para um seleto grupo de brasileiros que conquistaram duas medalhas em uma edição de Jogos Olímpicos. Além dele, conseguiram César Cielo (ouro e bronze em Londres 2012), Gustavo Borges (prata e bronze em Atlanta 1996), Afrânio da Costa (prata e bronze) e Guilherme Paraense (ouro e bronze), ambos na Antuérpia 1920.
Foto: Getty Images/P. Walter
Ágatha e Bárbara ficam com a prata
Não deu para as campeãs mundiais de 2015. A dupla Ágatha e Bárbara Seixas perdeu para as alemãs Laura Ludwig e Kira Walkenhorst por 2 sets a 0 e ficou com a prata no vôlei de praia. É a sétima medalha olímpica do vôlei de praia feminino. O ouro, porém, não vem desde os Jogos de Atlanta, em 1996, quando Jaqueline Silva e Sandra Pires venceram o duelo brasileiro contra a dupla Adriana e Mônica.
Foto: picture-alliance/dpa/S. Stache
Baiano porreta!
Nascido em Salvador, Robson Conceição tem uma vida recheada de quedas e superações, de lutas de rua e empregos de vendedor de picolé ou como ajudante de pedreiro. Depois de insucessos nos Jogos de Pequim e Londres, o pugilista deu a volta por cima e conquistou – na frente da torcida brasileira – o primeiro ouro olímpico do boxe brasileiro. Histórico!
Foto: Getty Images/C. Petersen
Canoísta de nascimento
Nascido em Ubaitaba (BA), que em tupi-guarani significa "Cidade das Canoas", Isaquias Queiroz entrou para a história do esporte nacional como o primeiro canoísta brasileiro a conquistar uma medalha em Jogos Olímpicos. A prata veio na categoria C1 1000m. Isaquias já ganhou o Mundial de canoagem em provas individuais, mas nas duas vezes foi na categoria C1 500m, que não é mais olímpica.
Foto: Reuters/D. Sagolj
Ouro e recorde
Thiago Braz fez história e se sagrou campeão olímpico do salto com vara, superando o recordista mundial e vencedor da prova em Londres 2012, o francês Renaud Lavillenie, para delírio do público presente no Estádio Olímpico Nílton Santos, o Engenhão. O paulista da cidade de Marília, de apenas 22 anos, alcançou 6m03, o que representa o novo recorde olímpico.
Foto: Getty Images/S. Botterill
Zanetti não quebra jejum histórico
Arthur Zanetti é superado pelo seu principal rival, o grego Eleftherios Petrounis, e fica com a medalha de prata na final das argolas. O ginasta paulista tinha a chance de se tornar o primeiro bicampeão olímpico consecutivo em competições individuais desde 1956, quando Adhemar Ferreira da Silva conquistou seu segundo ouro no salto triplo nos Jogos de Melbourne.
Foto: Reuters/M. Blake
A pioneira das águas
Após desqualificação de rival, a paulistana Poliana Okimoto conquistou a medalha de bronze na maratona aquática de 10 quilômetros. A conquista é histórica para a natação brasileira: é a primeira medalha feminina na natação olímpica do Brasil. Uma marca perdurava desde 1932, em Los Angeles, quando Maria Lenk foi a primeira nadadora brasileira em Jogos Olímpicos.
Foto: Getty Images/A. Pretty
Diego Hypólito e Arthur Nory
Diego Hypólito e Arthur Nory mostram as medalhas, de prata e bronze, que receberam após desempenho surpreendente na final individual do solo na ginástica artística masculina. Os dois choraram muito após a confirmação de que subiriam ao pódio, emocionando também os torcedores presentes na Arena Olímpica. Pela primeira vez, o Brasil conquista duas medalhas individuais numa mesma prova.
Foto: Getty Images/AFP/B. Stansall
Baby, baby, baby...
O judoca paranaense Rafael Silva, o "Baby", desbancou o uzbeque Abdullo Tangriev, prata em Pequim 2008, e conquistou a medalha de bronze na categoria pesado (mais de 100kg), repetindo o feito de Londres 2012. "Baby" entra assim para um seleto grupo de judocas brasileiros que chegaram ao pódio olímpico em duas oportunidades: Aurélio Miguel, Tiago Camilo, Leandro Guilheiro e Mayra Aguiar. (12/08)
Foto: Reuters/M. Sezer
Mayra Aguiar repete Londres 2012
A judoca gaúcha Mayra Aguiar, de 25 anos, conquistou a medalha de bronze na categoria meio-pesado (até 78kg) nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, repetindo o resultado alcançado em Londres, em 2012. "É uma satisfação para o atleta conquistar uma medalha olímpica. Agora tem Tóquio 2020", vibrou a campeão mundial de 2014.
Foto: Reuters/S. Nenov
Da Cidade de Deus para o mundo
A judoca Rafaela Silva superou na final a mongolesa Sumiya Dorjsuren por um wazari e se tornou campeão olímpica da categoria até 57kg. Nascida e criada na Cidade de Deus, a apenas oito quilômetros do local de disputa na Rio 2016, Rafaela superou eliminação polêmica nos Jogos de Londres e até racismo para se tornar a segunda brasileira campeã olímpica no judô.
Foto: Getty Images/AFP/T. Kitamura
Felipe Wu encerra jejum de 96 anos
O paulistano Felipe Wu conquistou a prata na prova de pistola de ar 10 metros e encerrou um jejum de 96 anos sem medalhas para o Brasil no tiro esportivo. A última havia sido nos Jogos da Antuérpia, em 1920, quando Guilherme Paraense conquistou o primeiro ouro brasileiro. Wu finalizou a competição com 202,1 pontos, apenas 0,4 pontos atrás do campeão olímpico, o vietnamita Xuan Vinh Hoang.