Brasil abre mostra na Berlinale com poético "Sangue Azul"
Marco Sanchez, de Berlim5 de fevereiro de 2015
Uma das principais seções do festival, a Panorama, inicia programação com o novo filme do cineasta pernambucano Lírio Ferreira, um drama que mistura os mistérios de Fernando de Noronha com o imaginário do circo.
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Brasil abre mostra na Berlinale com poético "Sangue Azul"
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Há algo de surreal na premissa de Sangue Azul, novo filme do pernambucano Lírio Ferreira, que abriu nesta quinta-feira (05/02) a mostra Panorama, a segunda de maior visibilidade dentro do Festival de Berlim. O filme gira em torno de um circo que visita Fernando de Noronha.
Logo em suas primeiras imagens em preto e branco, fica claro que aquele mundo de magia e fantasia esconde segredos. A passagem da trupe pelo remoto paraíso insular pode abrir portas para sentimentos sombrios que foram enterrados no passado.
"A ideia síntese do filme era de uma ilha dentro de uma ilha: uma estática, e o circo sendo uma ilha itinerante", explica Ferreira à DW Brasil.
A princípio poderia ser uma ilha qualquer, mas isso mudou durante a pesquisa do roteiro, quando o diretor visitou Fernando de Noronha.
"Foi a primeira ilha que me veio à cabeça. Além de ser um lugar remoto, Noronha também é uma ilha vulcânica. Aquele paraíso é o topo de um vulcão e isso tem muita conexão com o filme. A relação dos personagens é quase uma panela de pressão", diz.
Fantasmas do passado
O preto e branco das imagens funciona como prólogo. Assim que o homem-bala Zolah (Daniel de Oliveira) é arremessado do canhão, o paraíso se torna colorido. O animado público da ilha recebe de volta seu filho pródigo, que deixou a família e percorreu os quatro cantos do mundo com o circo.
"Estamos passando um momento de transição muito forte no cinema, onde nem a película existe mais. Não sabemos como vai ser o cinema em cinco anos. Queria falar desse momento, mas com uma arte que não fosse o cinema. Uma arte que sempre esteve perto de morrer, mas ressurge. Essa arte é o circo", revela diretor.
Filmes brasileiros na Berlinale 2015
Apesar de estar fora da competitiva, o Brasil está representado em outras mostras do festival de cinema em Berlim. "Sangue Azul" e "Ausência", estrelados por Daniel de Oliveira e Regina Casé, são destaques.
Foto: Frederico Benvenides
Sangue Azul
Estrelado por Daniel de Oliveira, o filme de Lírio Ferreira abre a mostra Panorama, a segunda mais importante da Berlinale. Com um ilusionista e um homem-bala como personagens, o longa lança um olhar poético sobre a colisão de dois microcosmos, mostrando que o mundo que escolhemos longe de casa pode não ser tão distante quanto imaginamos.
Foto: Berlinale 2015
Ausência
Qual a importância de um pai na vida de um filho? Qual é o peso do abandono da figura paterna sobre toda uma família? "Ausência", de Chico Teixeira, é centrado em Serginho, um menino de 15 anos que tenta lidar com as mudanças trazidas pela vida. Mas a transição entre a infância e a idade adulta não é fácil, ainda mais quando os caminhos parecem incertos e nebulosos.
Foto: Berlinale 2015
Que horas ela volta?
A diretora Anna Muylaert sempre mostrou um olhar apurado para comédias de humor negro. No entanto, "Que horas ela volta?" se aproxima mais do drama familiar. Val (Regina Casé), empregada de uma família rica em São Paulo, vê sua vida virar de cabeça para baixo quando a filha (Camila Márdila) decide se mudar para a cidade.
Na Berlinale de 1998, Walter Salles e Jia Zhang-ke descobriram uma visão parecida sobre seus ofícios e sobre a maneira como apontam suas lentes para o mundo. Neste documentário, o brasileiro acompanha o colega chinês numa visita a locações de seus filmes e ao lugar onde ele cresceu.
Foto: Berlinale 2015
Beira-Mar
A estreia na direção dos jovens gaúchos Filipe Matzembacher e Marcio Reolon mostra dois melhores amigos lidando com os primeiro passos da vida adulta. Eles partem para uma viagem aparentemente banal, mas que acaba revelando mais do que os dois estão acostumados a compartilhar na vida cotidiana.
Foto: Berlinale 2015
Brasil S/A
Da vulgaridade às belezas, naturais e artificiais, o primeiro longa de Marcelo Pedroso reforça a boa safra de filmes de Pernambuco. "Brasil S/A" é uma parábola alegórica de um país cheio de progresso, mas que ainda corre atrás da ordem e, ao mesmo tempo, molda a própria identidade.
Foto: Berlinale 2015
Mar de Fogo
O diretor Joel Pizzini faz uma homenagem ao clássico do cinema brasileiro "Limite" e ao seu criador, Mario Peixoto. Usando imagens do filme e entrevistas feitas com Peixoto nos anos 1970 e 1980, Pizzini constrói um pequeno filme-ensaio e um curta-metragem arrebatador.
Foto: Berlinale 2015
Fuga dos meus olhos
Após o diálogo imaginário entre Brasil e Portugal, apresentado na Berlinale do ano passado no curta "Fernando que ganhou um pássaro do mar", Felipe Bragança continua trabalhando nas linhas tênues do cinema, misturando poesia com ficção e realidade. Seu novo filme gira em torno de fábulas oriundas de três países africanos – Mali, Gana e Burkina Faso.
Foto: Felipe Bragança
Além das telas
A Forum Expanded mostra outra forma de ver o cinema. Além de filmes, a mostra traz a exposição "Doors Open", em que performances e instalações – incluindo "Viventes" e "Je proclame la destruição", dos brasileiros Frederico Benevides e Arthur Tuoto – questionam o cinema como uma forma de arte mutante.
Foto: Frederico Benvenides
Olhar indígena
A mostra NATIVe se dedica neste ano às comunidades indígenas na América Latina e a sua difícil sobrevivência. O Brasil marca presença com os documentários "O Mestre e o divino", de Tiago Campos Tôrres, "As hiper mulheres", de Carlos Fausto, Leonardo Sette e Takumã Kuikuro, e "Ma ê dami xina", de Zezinho Yube.
Foto: Takumã Kuikuro
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Assim o microcosmo do circo entra primeiro em uma combustão de alegria com esse paraíso remoto. Mas seus pontos de interseção, personificado em Zolah e Kaleb (Paulo César Peréio), ilusionista e chefe do circo que levou o jovem da ilha há quase 20 anos, vão mudar a vida daquela comunidade.
"Há uma característica muito forte nesses dois universos: as pessoas se relacionam dentro da própria família, mas por motivos opostos. A ilha não se move, apesar dos turistas, a comunidade é muito pequena. No circo, eles se casam porque se movimentam o tempo todo", diz Ferreira.
Revelando aos poucos
Esses dois universos vão criando gradativos pontos de conflito. O estranhamento do encontro de Zolah com sua família: uma mãe, que parece não saber o que fazer com um amor quase claustrofóbico, e Raquel, uma jovem recém-casada pela qual ele tem forte afeição.
Os forasteiros e sua sensualidade vão se entrosando de maneira carnal com os corpos bronzeados da ilha. O remoto e o universal, o estático e o itinerante começam a brincar e a dialogar, mas quando os segredos vão chegando à superfície e os fantasmas do passado começam a assombrar o presente.
"Como esses universos têm muita relação de sangue, o incesto foi a maneira de amarrar esses dois mundos. Assim como fui mostrando Noronha como um lugar paradisíaco de maneira homeopática, fiz a mesma coisa com a relação de Zolah e Raquel", revela o diretor.
Ao falar de cinema através do circo, Ferreira também pode se colocar na pele de seus personagens, fazendo conexões entre a magia do espetáculo circense e a natureza quase mágica do arquipélago cercado por um cristalino "sangue azul".
"O filme foi uma grande metáfora. Nós éramos o circo, uma equipe de cinema que aparece do nada e convive dois meses com aquelas pessoas. Era um filme dentro do filme. Não queríamos fazer macumba para gringo, mas mostrar a verdade daquele lugar e daquelas pessoas", afirma Ferreira.
A 65ª edição da Berlinale
A edição deste ano do Festival de Berlim terá mais de 440 estreias, uma homenagem a Wim Wenders e destacada participação brasileira.
Foto: picture-alliance/dpa/L. Schulze
441 estreias
Durante dez dias, o coração do mundo do cinema baterá novamente na Potsdamer Platz. Centenas de novos filmes vão estar disponíveis para serem vistos lá e em outros cinemas de Berlim. Ao todo, os amantes do cinema terão à disposição 1200 sessões. É provável que a 65ª Berlinale se mantenha fiel à sua reputação e continue sendo o maior festival do mundo em termos de público.
Internacionalmente gelado
O festival será aberto por uma coprodução internacional. A diretora espanhola Isabel Coixet conta com a estrela francesa Juliette Binoche para o seu novo filme “Nobody wants the night”. A história de aventura tem cenário ártico, na Groelândia, mas foi filmado na Bulgária, na Noruega e na Espanha. O ator irlandês Gabriel Byrne (na foto com a câmera) também está no filme.
Foto: Leandro Betancor
Forte presença alemã
Como há muito tempo não se via, estarão em competição e em outras seções da Berlinale uma série de celebridades do cinema alemão. Entre os pesos pesados, marcarão presença o diretor do festival, Dieter Kosslick, assim como Wim Wenders (foto), Werner Herzog e Margarethe von Trotta. A geração mais nova é composta, entre outros nomes, por Andreas Dresen e Oliver Hirshbiegel.
Foto: picture-alliance/dpa
Cinema globalizado
O mundialmente famoso diretor Werner Herzog apresenta o seu mais novo filme “Queen of the desert”. Herzog, que filmou principalmente nos Estados Unidos nos últimos anos, integra a tendência mundial de crescente globalização do cinema. O filme do diretor bávaro é de produção americana e conta com estrelas internacionais como Nicole Kidman, James Franco, Damian Lewis e Robert Pattinson.
Foto: 2013 QOTD Film Investment Ltd. All Rights Reserved
Nova produção de Malick
O consagrado diretor americano Terrence Malick também vai estar em Berlim. Ele participa da disputa pelo Urso de Ouro com “Knight of Cups”. O ator Christian Bale interpreta um homem que busca o sentido da vida. Ele segue o seu caminho entre luxo, sexo e ironia. Ao seu lado no elenco estão Cate Blanchett e Natalie Portman.
O diretor iraniano Jafar Panahi teve pouco dinheiro disponível para concluir o seu projeto. O filme “Taxi” foi produzido em condições difíceis. Panahi não pode trabalhar em Teerã devido a sua postura crítica ao governo. A mídia iraniana já critica o filme que será apresentado na Berlinale.
Foto: Jafar Panahi
Conto de fadas hollywoodiano
O conto de fadas “Cinderela”, do britânico Kenneth Branagh, promete muita música, estrelas e intenso apelo visual. O direitor trabalhou com a Wald Disney uma versão pop e colorida do clássico. Um grupo de renomadas estrelas internacionais deve causar furor no tapete vermelho da Potsdamer Platz. No entanto, Cinderela não vai concorrer ao Urso de Ouro.
À parte da competição, existem diversos filmes de todo o mundo que devem chamar a atenção do público. É o momento em que a Berlinale se torna um legítimo fórum - a mostra de mesmo nome terá 43 filmes. Uma das atrações mais esperadas é "Histoire de Judas", da França, que foi filmado no deserto da Argélia e discute as origens do cristianismo e do judaísmo.
Foto: Sarrazink Productions - Arte France Cinéma
Brasil em panorama
Junto às mostras Competição e Fórum, a Panorama é uma das mais abrangentes da Berlinale. Os filmes que são exibidos nela refletem as tendências da arte no cinema mundial. O Brasil está representado por quatro longas. Um deles, "Sangue Azul", do pernambucano Lírio Ferreira, abrirá a seção.
Foto: Berlinale 2015
A cor em retrospectiva
A exposição anual sobre a história do cinema na Berlinale é dedicada nesta edição ao processo da Technicolor para dar cor aos filmes. A técnica foi desenvolvida na década de 1930 nos Estados Unidos e deu um brilho particularmente intenso a inúmeros clássicos. “E o vento levou” foi um dos filmes nos quais a tecnologia foi aplicada.
Foto: picture-alliance/dpa
Clássicos revitalizados
Há dois anos, filmes submetidos à restauração são exibidos com o título Berlinale Classics. Alternativas modernas de processamento digital de imagens foram aplicadas para que clássicos pudessem ser apresentados novamente. O filme mudo alemão “Varieté”, dos anos 1920, com a dançarina e atriz húngara Lya de Putti, é um dos que serão exibidos.
Foto: Deutsche Kinemathek, Berlin Friedrich-Wilhelm-Murnau-Stiftung
Homenagem a Wim Wenders
Nastassja Kinski estará mais uma vez nas telas da Berlinale, com “Paris, Texas” (1984), de Wim Wenders. A 65ª edição do festival será especial para o diretor alemão, que vai receber um Urso de Ouro honorário, pelo conjunto de sua obra. Seu filme mais recente, “Everything will be fine”, estará concorrendo no festival.
Foto: Wim Wenders Stiftung 2014
“50 tons de cinza”
Cinema costuma ser uma mistura entre arte e negócio. Produções artísticas especialmente bem-sucedidas têm um preço às vezes alto. Como a adaptação do best-seller “50 tons de cinza”, que terá sua estreia na Alemanha durante a Berlinale e depois passará a ser exibida nos cinemas.
Foto: Universal Pictures
A disputa pelo Urso de Ouro
O domingo, 15 de fevereiro, será o último dia da Berlinale. Um dia antes haverá a entrega dos Ursos de Ouro e Prata. A expectativa é grande para os 19 filmes que concorrem. O júri que tomará a decisão é presidido pelo diretor americano Darren Aronofsky e tem entre os integrantes o alemão Daniel Brühl.