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Brasil avança, mas violência contra a mulher segue alarmante

Nathalia Tavolieri
25 de novembro de 2016

País é o quinto onde mais se mata mulheres no mundo, e apenas 10% das vítimas de violência sexual denunciam os crimes. Pesquisas e ativistas reiteram que cultura machista perpetua a violência contra a mulher.

Protesto contra estupro em maio deste ano, no Rio de JaneiroFoto: DW/D. Bowater

O Brasil tem poucos avanços para celebrar nesta sexta-feira (25/11), Dia Internacional da Eliminação da Violência contra a Mulher. Embora movimentos feministas tenham ganhado voz como nunca no país, principalmente via redes sociais, as estatísticas mostram que o Brasil ainda está longe de conseguir proteger suas mulheres.

É difícil estabelecer números exatos para mensurar a violência, mas as estimativas disponíveis ajudam a elucidar, ainda que de forma imprecisa, o perigo que é ser mulher no Brasil.

De acordo com os dados mais recentes da Organização Mundial da Saúde, o Brasil é o quinto país com a maior taxa de mortes de mulheres no mundo, atrás apenas de El Salvador, Colômbia, Guatemala e Rússia. Nesse ranking, que reúne dados de 83 países, a Alemanha ocupa a 55ª posição.

Ainda em âmbito internacional, uma pesquisa elaborada pelo instituto britânico YouGov mostrou que 86% das brasileiras adota medidas de precaução para não sofrer assédio sexual, por exemplo não usar o transporte público ou evitar circular em certas regiões. Na Índia, considerado um dos países mais perigosos para mulheres, o percentual é de 82%.

Para muitos brasileiros, a vítima tem culpa

Se na comparação com os demais países do mundo o Brasil se sai mal, uma leitura interna traz resultados não menos preocupantes. De acordo com a edição mais recente do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, foram registrados 47.646 estupros em 2015 no Brasil. As projeções, contudo, indicam que o número é muito mais elevado.

O estudo Estupro no Brasil: uma radiografia segundo os dados da Saúde, produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), estima que apenas 10% das vítimas de violência sexual denunciam os crimes. O levantamento fala em mais de 527 mil estupros por ano no país.

Outra pesquisa, encomendada pelo Instituto Avon ao Datafolha, abordou a violência contra a mulher em ambientes universitários. Quase 70% das estudantes brasileiras disse já ter sido vítima de agressão física ou psicológica. Entre os homens, 38% admitiu já ter praticado atos violentos contra mulheres nos espaços acadêmicos.

Entre as diversas estatísticas sobre o tema, não apenas os números de crimes chamam a atenção, mas também o que a população brasileira pensa deles. Em setembro, uma pesquisa encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública ao Datafolha revelou um cenário assustador. 

Segundo o levantamento, mais de um terço dos brasileiros – incluindo as próprias mulheres – culpa a vítima pela violência sexual. Entre os entrevistados, 42% dos homens e 32% das mulheres concordaram com a frase: "Mulheres que se dão ao respeito não são estupradas". Para 30% dos entrevistados, é correto afirmar que "mulher que usa roupas provocativas não pode reclamar se for estuprada".

"Esse pensamento vem de um discurso socialmente construído, o qual considera que, se a mulher é vítima de alguma agressão sexual, é porque de alguma forma provocou essa situação", afirma o estudo. "A perpetuação da ideia de controle do comportamento e do corpo das mulheres faz com que a violência sexual possa ser tolerada."

Para a representante da ONU Mulheres Brasil, Nadine Gasman, os números refletem a estagnação brasileira em questões de gênero. "É uma sociedade que ainda não acredita que mulheres e homens são iguais", declarou Nadine, na época da divulgação da pesquisa.

Dez anos depois da Lei Maria da Penha

"Acordei de repente com um forte estampido dentro do quarto. Abri os olhos. Não vi ninguém. Tentei mexer-me, mas não consegui. Imediatamente fechei os olhos e um só pensamento me ocorreu: 'Meu Deus, o Marco me matou com um tiro'".

Nesse trecho do livro Sobrevivi, posso contar..., escrito em 1994, a cearense Maria da Penha relata o momento em que seu ex-marido lhe deu o tiro que a deixou paraplégica, em maio de 1983. A história de Maria da Penha ficou conhecida mundialmente e deu nome à mais importante lei de proteção contra a violência doméstica no país.

Maria da Penha deu nome à lei mais importante de proteção a vítimas da violência doméstica no paísFoto: Alberto Coutinho/AGECOM

Durante todo o casamento, a cearense sofreu inúmeras agressões físicas e psicológicas. Por estar desamparada pela lei brasileira, teve medo de sair de casa e denunciar o então marido. Ele não aceitava o divórcio.

Após a tentativa de assassinato, o ex-marido chegou a ser condenado, mas devido a recursos apresentados pela defesa, foi presenteado com a liberdade.

O caso de impunidade chamou a atenção do mundo, e o Brasil foi condenado, em 2001, pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), por negligência, omissão e tolerância sistemáticas em casos de violência doméstica. Como consequência, o Brasil foi obrigado a adotar uma legislação específica para a proteção da mulher.

A Lei Maria da Penha foi aprovada em 2006. Em 2015, a causa ganhou reforço com a aprovação da Lei do Feminicídio, que tipificou o crime de homicídio cometido com requintes de crueldade contra mulheres por motivações de gênero. Mas como mostram os números anteriormente mencionados, apesar dos avanços na legislação, o Brasil continua atrasado.

Segundo a pesquisa do Datafolha, mais da metade dos entrevistados (53%) acredita que a legislação brasileira ainda é fraca no que diz respeito à punição dos agressores de violência sexual. No Brasil, o estupro é considerado crime hediondo, e a pena varia de 6 a 12 anos de prisão. Se a agressão resultar em morte, a reclusão é de 12 a 30 anos.

A mesma pesquisa que revelou dados chocantes sobre como pensam os brasileiros sobre a violência contra a mulher também traz uma ponta de esperança. Para 91% dos brasileiros, é necessário educar melhor os meninos e ensiná-los a não estuprar. "Uma educação sobre igualdade tem potencial para alterar a cultura machista que perpetua a violência contra a mulher", conclui o estudo.

 

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