País vive inflação na casa dos dois dígitos e alta dos juros. Além disso, crise energética poderá encolher economia até em 2022. E governo não parece disposto a conter essa espiral negativa, escreve Alexander Busch.
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Em março, escrevi nesta coluna que o Brasil caminhava para a estagflação – estagnação econômica e inflação em alta. Desde então, a probabilidade de um cenário sem crescimento econômico e com uma grande desvalorização do real aumentou.
Os principais bancos de investimento acabaram de reduzir suas previsões de crescimento para 2022 para menos de 1%. Se de fato ocorrer uma crise energética – o que ainda não é certo –, o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil poderá até mesmo encolher no ano que vem.
Uma economia estagnada é sempre um problema. Mas, quando a inflação aumenta ao mesmo tempo, como acontece agora, isso se torna ainda mais preocupante. A inflação dos últimos 12 meses chega a quase 10%, e a inflação em agosto (0,87%) registrou o maior valor para o mês desde 2000.
O Banco Central anunciou que aumentará as taxas de juros o quanto for necessário para conter a inflação e colocá-la abaixo do teto da meta (5,25%). Portanto, é provável que a instituição aumente a taxa Selic para mais de 8% até o final do ano.
A taxa de juros no Brasil já está sendo negociada ainda mais alta nos mercados futuros. Além disso, o real não está se recuperando e continua fraco, e os custos das importações em alta também elevam os preços dos produtos nas prateleiras.
Infelizmente, o Brasil não aproveitou o vento favorável da economia global nos últimos 12 meses. O ciclo de alta dos preços das matérias-primas e energia já parece estar desacelerando novamente. Além disso, a seca e as geadas reduziram drasticamente as colheitas e as previsões de safra, especialmente de culturas como café, açúcar ou milho.
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Governo não parece disposto a conter espiral negativa
Infelizmente, o governo não parece mais disposto a conter essa espiral negativa: a retórica do presidente Jair Bolsonaro contra o Poder Judiciário no Dia da Independência causou danos permanentes à economia. "Foi mal, tava doidão" – isso não é uma explicação suficiente para tranquilizar investidores e consumidores.
Um sinal da crescente percepção de insegurança: a taxa de poupança (relação entre poupança acumulada e o PIB), que atingiu 20,9% no segundo trimestre de 2021, não é tão alta há anos. Isso significa que aqueles que têm dinheiro, como consumidores ou investidores, não o gastam porque o futuro parece incerto.
E como a campanha eleitoral já começou, o presidente tem responsabilidade sobre esse ambiente econômico incerto. Sua única preocupação agora é sua reeleição, e ele subordina tudo a esse objetivo.
Mas a cada tentativa do governo de burlar o teto de gastos em 2022, os investidores "mandarão a conta" e cobrarão taxas de juros mais altas para financiar a dívida do governo. Como o país vai sobreviver a um ano de campanha eleitoral?
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Há mais de 25 anos, o jornalista Alexander Busch é correspondente de América do Sul do grupo editorial Handelsblatt (que publica o semanário Wirtschaftswoche e o diário Handelsblatt) e do jornal Neue Zürcher Zeitung. Nascido em 1963, cresceu na Venezuela e estudou economia e política em Colônia e em Buenos Aires. Busch vive e trabalha em São Paulo e Salvador. É autor de vários livros sobre o Brasil. Cliqueaquipara ler suas colunas.
O texto reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.
Vírus verbal: frases de Bolsonaro sobre a pandemia
"E daí?", "gripezinha", "não sou coveiro", "país de maricas": desde que o coronavírus chegou ao Brasil, presidente tratou publicamente com desdenho a crise. Enquanto a epidemia avança, suas falas causam ultraje.
Foto: Andre Borges/dpa/picture-alliance
"Superdimensionado"
Em 9 de março, em evento durante visita aos EUA, Bolsonaro disse que o "poder destruidor" do coronavírus estava sendo "superdimensionado". Até então, a epidemia havia matado mais de 3 mil pessoas no mundo. Após o retorno ao Brasil, mais de 20 membros de sua comitiva testaram positivo para covid-19.
Foto: Reuters/T. Brenner
"Europa vai ser mais atingida que nós"
A declaração foi dada em 15 de março. Precisamente, ele afirmou: "A população da Europa é mais velha do que a nossa. Então mais gente vai ser atingida pelo vírus do que nós." Segundo a OMS, grupos de risco, como idosos, têm a mesma chance de contrair a doença que jovens. A diferença está na gravidade dos sintomas. O Brasil é hoje o segundo país mais atingido pela pandemia.
Foto: picture-alliance/ZUMA Wire/GDA/O Globo
"Gripezinha" e "histórico de atleta"
Ao menos duas vezes, Bolsonaro se referiu à covid-19 como "gripezinha". Na primeira, em 24 de março, em pronunciamento em rede nacional, ele afirmou, que, por ter "histórico de atleta", "nada sentiria" se contraísse o novo coronavírus ou teria no máximo uma “gripezinha ou resfriadinho”. Dias depois, disse: "Para 90% da população, é gripezinha ou nada."
Foto: Youtube/TV BrasilGov
"Todos nós vamos morrer um dia"
Após visitar o comércio em Brasília, contrariando recomendações deu seu próprio Ministério da Saúde e da OMS, Bolsonaro disse, em 29 de março, que era necessário enfrentar o vírus "como homem". "O emprego é essencial, essa é a realidade. Vamos enfrentar o vírus com a realidade. É a vida. Todos nós vamos morrer um dia."
Foto: Reuters/A. Machado
"A hidroxicloroquina tá dando certo"
Repetidamente, Bolsonaro defendeu a cloroquina para o tratamento de covid-19. Em 26 de março, quando disse que o medicamento para malária "está dando certo", já não havia qualquer embasamento científico para defender a substância. Em junho, a OMS interrompeu testes com a hidroxicloroquina, após evidências apontarem que o fármaco não reduz a mortalidade em pacientes internados com a doença.
Foto: picture-alliance/NurPhoto/F. Taxeira
"Vírus está indo embora"
Em 10 de abril, o Brasil ultrapassou a marca de mil mortos por coronavírus. No mundo, já eram 100 mil óbitos. Dois dias depois, Bolsonaro afirmou que "parece que está começando a ir embora essa questão do vírus". O Brasil se tornaria, meses depois, um epicentro global da pandemia, com dezenas de milhares de mortos.
Foto: Reuters/A. Machado
"Eu não sou coveiro"
Assim o presidente reagiu, em frente ao Planalto, quando um jornalista formulava uma pergunta sobre os números da covid-19 no Brasil, que já registrava mais de 2 mil mortes e 40 mil casos. “Ô, ô, ô, cara. Quem fala de... eu não sou coveiro, tá?”, afirmou Bolsonaro em 20 de abril.
Foto: picture-alliance/AP Images/A. Borges
"E daí?"
Foi uma das declarações do presidente que mais causaram ultraje. Com mais de 5 mil mortes, o Brasil havia acabado de passar a China em número de óbitos. Era 28 de abril, e o presidente estava sendo novamente indagado sobre os números do vírus. “E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagre...”
Foto: Getty Images/A. Anholete
"Vou fazer um churrasco"
Em 7 de maio, o Brasil já contava mais de 140 mil infectados e 9 mil mortes. Metrópoles como Rio e São Paulo estavam em quarentena. O presidente, então, anunciou que faria uma festinha. "Estou cometendo um crime. Vou fazer um churrasco no sábado aqui em casa. Vamos bater um papo, quem sabe uma peladinha...". Dias depois, voltou atrás, dizendo que a notícia era "fake".
Foto: Reuters/A. Machado
"Tem medo do quê? Enfrenta!"
Em julho, o presidente anunciou que estava com covid-19. Disse que estava "curado" 19 dias depois. Fora do isolamento, passou a viajar. Ao longo da pandemia, ele já havia visitado o comércio e participado de atos pró-governo. Em Bagé (RS), em 31 de julho, sugeriu que a disseminação do vírus é inevitável. "Infelizmente, acho que quase todos vocês vão pegar um dia. Tem medo do quê? Enfrenta!”
Foto: Reuters/A. Machado
"País de maricas"
Em 10 de novembro, ao celebrar como vitória política a suspensão dos estudos, pelo Instituto Butantan, da vacina do laboratório chinês Sinovac após a morte de um voluntário da vacina, Bolsonaro afirmou que o Brasil deveria "deixar de ser um país de maricas" por causa da pandemia. "Mais uma que Bolsonaro ganha", comentou.
Foto: Andre Borges/NurPhoto/picture alliance
"Chega de frescura, de mimimi"
Em 4 de março de 2021, após o país registrar um novo recorde na contagem diária de mortes diárias por covid-19, Bolsonaro afirmou que era preciso parar de "frescura" e "mimimi" em meio à pandemia, e perguntou até quando as pessoas "vão ficar chorando". Ele ainda chamou de "idiotas" as pessoas que vêm pedindo que o governo seja mais ágil na compra de vacinas.
Há mais de 25 anos, Alexander Busch é correspondente de América do Sul para jornais de língua alemã. Ele estudou economia e política e escreve, de Salvador, sobre o papel no Brasil na economia mundial.