Entrevista: Fabio Feldmann
4 de junho de 2007O ambientalista Fabio Feldmann, membro do Conselho Mundial para o Futuro sediado em Hamburgo, acredita que está na hora de países como o Brasil, a China e a Índia definirem metas concretas de redução dos gases do efeito estufa. Em entrevista à DW-WORLD ele diz que Lula deveria pressionar os países-membros do G8, que se reúnem esta semana na Alemanha, a realizar uma nova cúpula mundial sobre o clima.
DW-WORLD: Como o senhor avalia a nova proposta dos EUA para a proteção do clima?
Fabio Feldmann: Os EUA continuam com uma posição muito equivocada em relação à questão do clima, contrária ao Protocolo de Kyoto. O único elemento importante na proposta do presidente Bush é o reconhecimento de que o aquecimento global existe e que ele exige medidas imediatas. Eu acho que é dentro das regras de Kyoto, que precisam ser melhoradas, que nós devemos pensar na solução para o problema do clima no planeta.
O Brasil está entre os 15 países que fariam parte do acordo proposto por Bush. O país deve apoiar esse plano?
Eu acho que não. Primeiro, porque a proposta de Bush continua recusando a idéia do Protocolo de Kyoto. Por outro lado, acredito que, dentro de Kyoto e da Convenção sobre Mudanças Climáticas, o Brasil, a China, a Índia e outros países devem também aceitar compromissos de redução de emissões.
No caso brasileiro, o principal problema continua sendo o desmatamento da Amazônia. O Brasil tem de assumir compromissos de reduzir o desmatamento, por várias razões. Primeiro, porque o desmatamento contribui para o aquecimento global, e, segundo, porque não favorece a sociedade brasileira. Os casos das China e da Índia são um pouco diferentes, porque eles têm uma matriz energética muito baseada em combustíveis fósseis. O importante é que países como esses definam metas para contribuir com o combate ao aquecimento global.
Ainda há desculpas para esses países não definirem metas concretas de redução das emissões?
Acho que não é razoável que esses países não tenham metas concretas. Primeiro, porque eles já contribuem muito com o lançamento de gases de efeito estufa na atmosfera. Segundo, à medida que eles assumirem compromissos, os países industrializados terão de intensificar seus esforços de redução das emissões. Os grandes prejudicados pela situação atual, em que principalmente a China e os EUA e China se bloqueiam, são o planeta e as futuras gerações. Precisamos de metas mais rigorosas para os países industrializados, o ingresso dos EUA no Protocolo de Kyoto e países como o Brasil, a China e a Índia assumindo a sua parte para a solução do problema.
Durante a cúpula do G8, nesta semana na Alemanha, Lula pretende falar sobre a experiência brasileira com combustíveis renováveis e energia limpa para reduzir o aquecimento global. Esse é um exemplo a ser seguido?
O Brasil, de fato, tem uma boa alternativa, que é o etanol, que pode auxiliar muito especialmente no setor de transportes. Esse setor é preocupante, principalmente no que diz respeito ao automóvel, porque aumenta proporcionalmente muito a sua contribuição à emissão de gases de efeito estufa. E a experiência brasileira pode ser replicada em outros países.
Mas não podemos imaginar que o etanol seja a solução para tudo. Ele pode ser uma parte da solução, desde que o plantio da cana-de-açúcar não signifique mais desmatamento. Porque, se com o etanol seguirmos o caminho da soja no Brasil, corremos o risco de, por um lado, diminuir o lançamento de gases do efeito estufa e, por outro lado, contribuir com as emissões pelo desmatamento para a cana-de-açúcar.
Além do uso de biocombustíveis, que outras medidas o Brasil deve tomar para reduzir suas emissões de gases do efeito estufa?
O Brasil tem um problema muito sério, que é o desmatamento. Setenta a 75% das emissões do país se devem ao desmatamento. O país precisa de medidas mais eficazes para reduzir o desmatamento, causado especialmente pela expansão da fronteira agrícola.
O senhor atuou no governo Lula como secretário-executivo do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas. Como avalia a atuação deste governo na questão ambiental?
Infelizmente, o governo Lula tem sido muito tímido em enfrentar os problemas ambientais brasileiros. Ele tem um símbolo do meio ambiente, que é a ministra Marina Silva, mas ela está isolada dentro do governo. Temos de pressionar o governo a adotar uma política ambiental mais consistente, que enfrente o problema do desmatamento da Amazônia, mas que também entenda que os problemas ambientais do país não se reduzem à questão amazônica.
O que Lula deveria propor ao G8 na questão ambiental?
Eu defendo que o Brasil lidere um movimento para realizarmos uma cúpula mundial sobre o clima. Este ano nós completamos 15 anos desde a realização da Conferência do Rio, a chamada Eco 92. Desde então, o Brasil tem perdido liderança e protagonismo na questão ambiental. Defendo que o país adote uma postura mais ofensiva no cenário internacional, especialmente na proteção do clima. Que o governo Lula proponha a realização dessa cúpula mundial sobre clima e que o Brasil possa sediá-la.
Temos de colocar essa discussão em outro patamar. E isso significaria a realização de uma grande conferência de chefes de Estado em que a agenda fosse efetivamente a definição de compromissos por parte dos países e de mecanismos de monitoramento. Até agora o Brasil tem sido muito defensivo nessa questão. Espero que o presidente Lula compreenda a importância histórica deste momento e pressione pela realização dessa conferência.
A que o senhor atribui essa postura defensiva do governo brasileiro? É o temor de frear o crescimento econômico?
O grande problema da timidez do Brasil no campo internacional é que o Ministério das Relações Exteriores, como protagonista principal, não tem saído da defensiva. Primeiro, em função do próprio desmatamento e do medo da cobrança internacional sobre o Brasil por causa do desmatamento, nós estamos sempre refratários a qualquer mudança significativa.
Segundo, acho que Lula pessoalmente não é um homem sensível ao tema ambiental. Ele não compreendeu que o mundo contemporâneo passa pela questão ambiental e do desenvolvimento sustentado. Nos últimos anos, o Brasil tem sido palco de uma discussão que é meio ambiente versus desenvolvimento e crescimento econômico. Penso que essa posição foi superada em 1992, mas na prática a postura do governo brasileiro continua retrógrada. Penso que o Brasil tem condições de definir e implementar estratégias de sustentabilidade e nesse sentido ser um bom exemplo para o mundo.
O senhor acredita que os 13 países participantes da cúpula de Heiligendamm conseguirão abrir caminho para o que virá depois do Protocolo de Kyoto?
Não estou extremamente otimista em relação a essa reunião do G8. Porque acho que há necessidade de uma postura mais agressiva em relação aos problemas do aquecimento global. A reunião do G8 com mais alguns países – Brasil, China, Índia, México e África do Sul – que são players globais é importante, mas sua circunscrição a esse grupo é perigosa porque não engaja os outros países. Pode, no entanto, ser um ponto de partida para uma proposta mais arrojada que seria tratar a questão do clima numa cúpula especial.