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Brasil e Argentina, mais rivais que parceiros

Fernando Caulyt
7 de fevereiro de 2017

Temer e Macri buscam impulsionar relações econômicas marcadas por desencontros nos últimos anos. Entre os dois governos, há terreno comum para melhoras, mas também razão para ceticismo.

Brasilien | Staatsbesuch des argentinischen Präsidenten Mauricio Macri in Brasilien
Macri e Temer em Brasília: Brasil e Argentina têm líderes considerados liberaisFoto: Getty Images/AFP/A. Anholete

Durante a campanha eleitoral e depois de ser eleito, o presidente da Argentina, Mauricio Macri, deixou claro que faria profundas mudanças na linha econômica e política seguida por sua antecessora Cristina Kirchner. Entre as principais inflexões estavam o reforço do intercâmbio comercial entre Brasília e Buenos Aires, que vem perdendo força ano a ano. 

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Pouco antes de tomar posse, no final de 2015, Macri visitou a então presidente Dilma Rousseff em Brasília. Já Buenos Aires foi o destino das primeiras visitas bilaterais de Michel Temer e do chanceler José Serra. O Brasil é o principal destino das exportações argentinas, e a Argentina, o terceiro maior parceiro comercial dos brasileiros.

Em 2006, o comércio bilateral era de 19,7 bilhões de dólares, e chegou a atingir o pico de 39,6 bilhões em 2011. Mas, desde então, ele vem caindo e, em 2016, fechou em 22,5 bilhões. Segundo especialistas, entre os motivos da queda estão o protecionismo argentino durante o governo Cristina Kirchner (2007-2015), o acordo automotivo negociado com o Brasil e a crise econômica nos dois países.

Há cerca de seis meses os dois países têm líderes considerados liberais. Macri tomou posse em 10 de dezembro de 2015, e Temer assumiu em 31 de agosto de 2016, após a cassação do mandato de Dilma Rousseff pelo Senado. Mas, mesmo a entrada de dois presidentes pró-mercado ainda não refletiu em um aumento do comércio entre Brasil e Argentina em comparação com o período Kirchner-Rousseff.

“Apesar da mudança de governo nos dois países, tendo agora governos um pouco mais abertos e um pouco mais 'business friendly', nós não tivemos uma mudança tão radical assim porque há fortes grupos de interesse nas duas nações que também influenciam bastante o processo”, explica Oliver Stuenkel, professor de relações internacionais da FGV.

Stuenkel afirma que a relação econômica dos dois países, quando Dilma e Crisina estavam no poder, era ruim. “Esse ciclo, sobretudo no acordo automotivo, aconteceu nessa época e essa situação mostra que o alinhamento ideológico não ajuda, necessariamente, na relação econômica”, opina Stuenkel.

Para o especialista, apesar da retórica pró-comércio, as perspectivas para grandes avanços no comércio não são tão boas. Em primeiro lugar, porque os grupos que são contra a abertura continuam tendo a mesma posição, e a crise econômica nos dois países reduz o espaço de manobra que os presidentes têm para pressionar as indústrias para aceitarem uma abertura maior.

“A Argentina realizará eleições legislativas em outubro, e me parece pouco provável que Macri faça grandes ofertas que possam afetar negativamente grupos importantes no país antes do pleito”, comenta Stuenkel. “Então não acho que é um bom momento para grandes avanços.”

Já Belisario de Azevedo, especialista em comércio e política internacional da consultoria argentina Abeceb, destaca que há um intercâmbio quase permanente entre os governos brasileiro e argentino. “E, como Buenos Aires e Brasília serão os presidentes do Mercosul neste ano, deverá haver um aumento do comércio”, aposta.

Ecos da crise

A crise econômica argentina refletiu na postura comercial do país. Em 2011, Buenos Aires criou o chamado “cepo cambiário”, que era uma série de restrições no mercado de divisas que controlava a compra de moedas estrangeiras para qualquer uso, inclusive comércio. Em janeiro do ano seguinte, foi implantado um sistema de restrições de importações chamado Declaración Jurada Anticipada de Importación (DJAI).

“Por causa do DJAI, a Argentina chegou a ser levada à Organização Mundial do Comércio (OMC). Em grande parte por causa da decisão da entidade no início de 2015, ele foi eliminado em janeiro de 2016 pelo governo Macri”, afirma Azevedo, da consultoria argentina Abeceb. “Esse sistema impactou fortemente não só o comércio bilateral com o Brasil, mas em todo comércio do país com o mundo.”

Por outro lado, os dois países renovaram, em junho de 2016, o acordo automotivo – que, agora, deverá ficar em vigor até 2020, mas deverá ser renegociado. Segundo o pacto, para cada 1 dólar vendido pela Argentina ao Brasil em autopeças e veículos, sem incidência de impostos, o vizinho sul-americano compra 1,5 dólar em produtos brasileiros. O setor representa cerca de metade do comércio bilateral.

“Em certo grau, mesmo depois de Macri, existe um protecionismo, sobretudo no setor automotivo. Mas esse é um mecanismo de proteção acordado entre os dois países”, afirma Azevedo. “Antes do atual presidente, havia mecanismos protecionistas unilaterais como o DJAI e o ‘cepo cambiário’ que eram implantados sem negociação com o Brasil. Atualmente, diria que o protecionismo unilateral por parte da Argentina acabou.”

Segundo o analista argentino, desde o início do mandato, Macri deu alguns passos importantes para abrir um pouco mais a economia argentina como, por exemplo, eliminando o ‘cepo cambiário’ e o DJAI, além de certas restrições que incidiam nas exportações argentinas. “Como resultado, houve uma abertura maior da Argentina ao comércio global. Macri iniciou uma agenda internacional muito mais aberta. E a tendência será positiva para o comércio também com o Brasil”, conclui.

 

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