Temer e Macri buscam impulsionar relações econômicas marcadas por desencontros nos últimos anos. Entre os dois governos, há terreno comum para melhoras, mas também razão para ceticismo.
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Durante a campanha eleitoral e depois de ser eleito, o presidente da Argentina, Mauricio Macri, deixou claro que faria profundas mudanças na linha econômica e política seguida por sua antecessora Cristina Kirchner. Entre as principais inflexões estavam o reforço do intercâmbio comercial entre Brasília e Buenos Aires, que vem perdendo força ano a ano.
Pouco antes de tomar posse, no final de 2015, Macri visitou a então presidente Dilma Rousseff em Brasília. Já Buenos Aires foi o destino das primeiras visitas bilaterais de Michel Temer e do chanceler José Serra. O Brasil é o principal destino das exportações argentinas, e a Argentina, o terceiro maior parceiro comercial dos brasileiros.
Em 2006, o comércio bilateral era de 19,7 bilhões de dólares, e chegou a atingir o pico de 39,6 bilhões em 2011. Mas, desde então, ele vem caindo e, em 2016, fechou em 22,5 bilhões. Segundo especialistas, entre os motivos da queda estão o protecionismo argentino durante o governo Cristina Kirchner (2007-2015), o acordo automotivo negociado com o Brasil e a crise econômica nos dois países.
Há cerca de seis meses os dois países têm líderes considerados liberais. Macri tomou posse em 10 de dezembro de 2015, e Temer assumiu em 31 de agosto de 2016, após a cassação do mandato de Dilma Rousseff pelo Senado. Mas, mesmo a entrada de dois presidentes pró-mercado ainda não refletiu em um aumento do comércio entre Brasil e Argentina em comparação com o período Kirchner-Rousseff.
“Apesar da mudança de governo nos dois países, tendo agora governos um pouco mais abertos e um pouco mais 'business friendly', nós não tivemos uma mudança tão radical assim porque há fortes grupos de interesse nas duas nações que também influenciam bastante o processo”, explica Oliver Stuenkel, professor de relações internacionais da FGV.
Stuenkel afirma que a relação econômica dos dois países, quando Dilma e Crisina estavam no poder, era ruim. “Esse ciclo, sobretudo no acordo automotivo, aconteceu nessa época e essa situação mostra que o alinhamento ideológico não ajuda, necessariamente, na relação econômica”, opina Stuenkel.
Para o especialista, apesar da retórica pró-comércio, as perspectivas para grandes avanços no comércio não são tão boas. Em primeiro lugar, porque os grupos que são contra a abertura continuam tendo a mesma posição, e a crise econômica nos dois países reduz o espaço de manobra que os presidentes têm para pressionar as indústrias para aceitarem uma abertura maior.
“A Argentina realizará eleições legislativas em outubro, e me parece pouco provável que Macri faça grandes ofertas que possam afetar negativamente grupos importantes no país antes do pleito”, comenta Stuenkel. “Então não acho que é um bom momento para grandes avanços.”
Já Belisario de Azevedo, especialista em comércio e política internacional da consultoria argentina Abeceb, destaca que há um intercâmbio quase permanente entre os governos brasileiro e argentino. “E, como Buenos Aires e Brasília serão os presidentes do Mercosul neste ano, deverá haver um aumento do comércio”, aposta.
Ecos da crise
A crise econômica argentina refletiu na postura comercial do país. Em 2011, Buenos Aires criou o chamado “cepo cambiário”, que era uma série de restrições no mercado de divisas que controlava a compra de moedas estrangeiras para qualquer uso, inclusive comércio. Em janeiro do ano seguinte, foi implantado um sistema de restrições de importações chamado Declaración Jurada Anticipada de Importación (DJAI).
“Por causa do DJAI, a Argentina chegou a ser levada à Organização Mundial do Comércio (OMC). Em grande parte por causa da decisão da entidade no início de 2015, ele foi eliminado em janeiro de 2016 pelo governo Macri”, afirma Azevedo, da consultoria argentina Abeceb. “Esse sistema impactou fortemente não só o comércio bilateral com o Brasil, mas em todo comércio do país com o mundo.”
Por outro lado, os dois países renovaram, em junho de 2016, o acordo automotivo – que, agora, deverá ficar em vigor até 2020, mas deverá ser renegociado. Segundo o pacto, para cada 1 dólar vendido pela Argentina ao Brasil em autopeças e veículos, sem incidência de impostos, o vizinho sul-americano compra 1,5 dólar em produtos brasileiros. O setor representa cerca de metade do comércio bilateral.
“Em certo grau, mesmo depois de Macri, existe um protecionismo, sobretudo no setor automotivo. Mas esse é um mecanismo de proteção acordado entre os dois países”, afirma Azevedo. “Antes do atual presidente, havia mecanismos protecionistas unilaterais como o DJAI e o ‘cepo cambiário’ que eram implantados sem negociação com o Brasil. Atualmente, diria que o protecionismo unilateral por parte da Argentina acabou.”
Segundo o analista argentino, desde o início do mandato, Macri deu alguns passos importantes para abrir um pouco mais a economia argentina como, por exemplo, eliminando o ‘cepo cambiário’ e o DJAI, além de certas restrições que incidiam nas exportações argentinas. “Como resultado, houve uma abertura maior da Argentina ao comércio global. Macri iniciou uma agenda internacional muito mais aberta. E a tendência será positiva para o comércio também com o Brasil”, conclui.
Retrospectiva América Latina 2016
Acordo de paz entre governo da Colômbia e Farc, Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro, impeachment de Dilma Rousseff e o primeiro show dos Rolling Stones em Cuba foram alguns destaques do ano na região.
Foto: picture-alliance/dpa/L. Munoz
Visita histórica de Obama a Cuba
Durante sua visita histórica a Cuba em 22 de março, Barack Obama se encontrou com Rachel Robinson, viúva da lenda do beisebol Jackie Robinson, primeiro negro a jogar num time da Major League, e que se tornou símbolo do movimento pelos direitos civis. A ida de Obama à ilha – a primeira de um presidente dos EUA em 88 anos – marcou o degelo das relações entre Washington e Havana.
Foto: Reuters/C. Barria
Satisfaction!
Outro momento histórico: em 25 de março, um dia após o encerramento da visita de Obama, os Rolling Stones fizeram um grande show em Havana. Dezenas de milhares de cubanos lotaram o estádio Ciudad Deportiva para curtir a primeira apresentação da banda cult britânica em solo cubano.
Foto: picture alliance/ZUMA Press/El Universal
Evo Morales para sempre?
Cartão vermelho para Morales: num referendo constitucional em 24 de fevereiro, os eleitores bolivianos votaram claramente contra um quarto mandato presidencial. Na época, o presidente, que tem 57 anos e governa o país desde 2006, admitiu a derrota. Mas agora o líder do partido Movimiento al Socialismo (MAS) anunciou planos de concorrer novamente em 2019, apesar da proibição constitucional.
Foto: Getty Images/AFP/A. Raldes
Retorno de um banqueiro
Surpresa no Peru: com maioria apertada, o ex-chefe do Banco Central do país e economista do Banco Mundial, Pedro Pablo Kuczynski, venceu em 5 de junho as eleições presidenciais. Keiko Fujimori – filha do ex-presidente Alberto Fujimori, atualmente atrás de grades – era considerada a favorita. Mas o temor de uma guinada para a direita foi aparentemente maior do que o receio do neoliberalismo.
Foto: picture alliance/dpa/Agencia Andina
Alemanha pede desculpas ao Chile
O presidente da Alemanha, Joachim Gauck, quebrou seu silêncio durante seu encontro com a líder do Chile, Michelle Bachelet. Ele se desculpou pela má conduta da diplomacia alemã no caso da Colonia Dignidad. Durante a ditadura de Augusto Pinochet, o assentamento fundado pelo alemão Paul Schäfer serviu de centro de tortura para a polícia secreta. Contudo Gauck rechaçou uma indenização às vítimas.
Foto: picture-alliance/AP Photo/E. Felix
O mundo visita o Rio de Janeiro
Foi um festival de superlativos: os Jogos do Rio, de 5 a 21 de agosto, contaram com a participação de 10 mil atletas e um público de 500 mil espectadores. O maior evento esportivo do mundo foi poupado de ataques terroristas, mau tempo, epidemias e criminalidade. No entanto, um caso de corrupção envolvendo um dirigente do Comitê Olímpico Internacional causou, mais uma vez, repercussão negativa.
Foto: Getty Images/AFP/Y. Chiba
Favorito da multidão na Rio 2016
O nove vezes medalhista de ouro Usain Bolt foi o queridinho do público e ídolo no país anfitrião dos Jogos. No Rio, o velocista jamaicano de 1,95 metro de altura quebrou seus próprios recordes. Ele concluiu a prova de 100 metros em 9,81 segundos, tornando-se assim o primeiro atleta a vencer pela terceira vez consecutiva essa modalidade nos Jogos Olímpicos.
Foto: Getty Images/P. Gilham
Impeachment controverso
Ela não foi somente a primeira mulher presidente do Brasil, mas também a primeira líder do país a ser afastada do cargo – já que Fernando Collor anunciou a renúncia antes de seu julgamento no Senado. Em 31 de agosto, os senadores aprovaram com os dois terços necessários a destituição da chefe de governo, de 70 anos. Até hoje o impeachment divide a sociedade brasileira.
Foto: picture-alliance/AP Photo/E. Peres
Colômbia tenta alcançar paz
Um milagre acontece: após 50 anos de guerra civil, o presidente colombiano, Juan Manuel Santos, e o chefe das Forças Armardas Revolucionárias da Colômbia (Farc), Rodrigo Londoño, assinaram em 26 de setembro, em Havana, um acordo de paz histórico. A guerra civil causou o deslocamento de 7 milhões de habitantes e a morte de mais de 200 mil no país.
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Colombianos dizem "não"
Apesar da assinatura, no referendo de 2 de outubro os colombianos rejeitaram, por margem estreita, o acordo de paz entre o governo e as Farc. O presidente Juan Manuel Santos renegociou e apresentou um novo acordo, aprovado pelo Congresso em 1º de dezembro. Por seus esforços, ele foi agraciado com o Prêmio Nobel da Paz.
Foto: picture alliance/AP Photo/I. Valencia
População venezuelana sofre
A Venezuela à beira do abismo: fome, pobreza e medo se alastram no país que possui as maiores reservas de petróleo do mundo. A má gestão e a queda do preço do barril de petróleo levaram a uma grave crise econômica. Faltam gêneros básicos, remédios e energia elétrica. A inflação já ultrapassou 700% em 2016. Quem tem condições, abandona o país.
Foto: Reuters/I. Alvarado
Trump? Nem pensar!
A eleição de Donald Trump como presidente dos EUA assombra as relações dos países latino-americanos com seu vizinho localizado no norte. Na cidade fronteiriça mexicana Ciudad Juarez, um artista de rua desenhou uma caricatura de 9 metros do magnata no canal fechado com concreto às margens do Rio Bravo.
Foto: picture-alliance/dpa/S. Aguilar
Tragédia na Colômbia
Ao se aproximar do aeroporto de Medellín, um avião da companhia aérea boliviana LaMia caiu em 28 de novembro, por falta de combustível. Dos 71 mortos, 19 eram jogadores do time de futebol Chapecoense, que jogaria na final da Copa Sul-Americana contra o Atlético Nacional da Colômbia. O acidente provocou consternação em todo mundo; o time brasileiro foi declarado vencedor do torneio.
Foto: picture-alliance/AP Photo/L. Benavides
Haitianos vão às urnas
Após várias tentativas fracassadas, dessa vez as eleições levara a um resultado no Haiti. Em 20 de novembro, uma maioria de 55,7% escolheu como chefe de Estado o dono de plantações de banana Jovenel Moise, de 48 anos. O índice de abstenções, porém, foi enorme: dos 6,2 milhões de eleitores, apenas 1,3 milhão compareceram às urnas.
Foto: picture-alliance/AP Photo/R. Arduengo
Despedida de Fidel Castro
Cuba perde seu "Comandante": com a morte de Fidel Castro, em 25 de novembro, chega ao fim uma era política no país insular. O revolucionário, chefe de governo, presidente e líder do Partido Comunista cubano foi a figura de proa da esquerda mundial. Sua oposição aos EUA e o embargo imposto por Washington transformaram Cuba num símbolo da Guerra Fria.