Brasil estuda descriminalização do porte de drogas
5 de junho de 2012 "Estamos muito distantes de uma descriminalização das drogas no Brasil", afirma Theodomiro Dias, professor de Direito da Fundação Getúlio Vargas. Para o advogado, a proposta de descriminalizar o uso de drogas no país aprovada na semana passada (28/05) pela comissão de juristas do Senado encarregada de elaborar o novo Código Penal é apenas um primeiro passo nesse sentido.
A comissão tem até 25 de junho para entregar a proposta para discussão no Senado. Se aprovado, o texto ainda terá de passar pela Câmara dos Deputados e pelo Congresso Nacional. "Isso pode levar anos. Ainda há preconceito e resistência de bancadas do Congresso. Acho difícil que a proposta seja aprovada", avalia Dias.
A atual Lei de Drogas (de 2006) já não prevê prisão para quem consome drogas. De acordo com o artigo 28, o usuário está sujeito a advertência, prestação de serviços à comunidade, programa ou curso educativo.
O novo anteprojeto vai mais longe: não seria acusado de crime quem for flagrado com quantidade de entorpecentes para consumo individual de até cinco dias, ao contrário do que estipula a lei atual. O cultivo e a compra de drogas para consumo próprio também seriam descriminalizados.
Pela nova proposta, classificar a droga apreendida como para consumo ou tráfico dependerá não apenas da quantidade, mas também da natureza da substância, segundo o Senado. Atualmente, cabe ao juiz definir se a quantidade de droga apreendida é para uso pessoal. Não há previsão sobre limite em termos de dias de consumo, o que pode gerar confusão.
Desde 2006, aumentou o número de prisões de usuários no Brasil. Segundo informações do Departamento Penitenciário (Depen), o tráfico de drogas foi motivo de 24% das prisões no país em 2011. Em 2005, este índice foi de 11%.
"Com a perspectiva de que só pelo consumo não se possa prender, os juízes têm sido mais duros em interpretar a questão do tráfico. Situações que normalmente seriam classificadas como consumo têm sido consideradas tráfico", afirma Dias. Para o advogado, os custos sociais disso são enormes, envolvendo o trauma da experiência no cárcere e a superpopulação das prisões.
Efeitos positivos
Segundo Dias, os custos da criminalização do uso não compensam, haveria alternativas mais eficazes. Ele ressalta que descriminalizar não é o mesmo que desregulamentar. O álcool e o cigarro não são criminalizados, mas são regulamentados, ressalta. Descriminalizar significa regulamentar a conduta por caminhos fora do direito penal, tratando-a como uma questão de saúde, por exemplo.
Dias não acredita que a descriminalização do uso aumentaria o consumo de drogas. "A droga está disponível. Quem quer, consome, e quem não quer não vai passar a consumir porque deixa de ser crime." O advogado considera que, com o consumo descriminalizado, seriam reduzidos os efeitos colaterais da droga, como a violência e as contaminações por HIV e hepatite.
Já os efeitos sobre o tráfico são difíceis de prever. "Mesmo que permitido pela nova proposta, não acredito que as pessoas passarão a produzir suas próprias maconhas. A medida diminuiria o impacto sobre o usuário, mas o tráfico continuaria."
Dias reconhece que "é contraditório descriminalizar o consumo da droga e criminalizar aquele que vende para o consumo", mas acredita que seria muito ousado deixar de considerar o tráfico um crime.
Exemplos europeus
A Europa tem exemplos positivos de alternativas para a questão drogas. "Países como Suíça, Alemanha e Inglaterra adotaram políticas de redução de danos extremamente bem sucedidas", aponta Dias.
Portugal, que descriminalizou o porte de todo tipo de drogas em 2001, serviu de inspiração para a proposta do Código Penal brasileiro. No país ibérico, foi descriminalizado o porte que indique limite para dez dias de consumo. No Brasil, a comissão optou por reduzir o limite para cinco dias.
O presidente do serviço português que lida com dependências de drogas, João Goulão, reconhece que a descriminalização das drogas em Portugal não foi uma "solução mágica". Segundo ele, o problema ainda é visível no país.
No entanto, não se verificou o que muitos temiam, destaca Artur Domosławski no relatório "Política da Droga em Portugal", do Programa Global sobre Políticas de Drogas da fundação Open Society. Não houve um aumento abrupto do consumo de drogas no país depois da descriminalização.
Além disso, o combate ao tráfico tornou-se mais eficaz, segundo Goulão. "As forças policiais deixaram de gastar energia e recursos na perseguição aos consumidores e puderam concentrar seus esforços no combate às grandes organizações criminosas", diz.
Quem usa drogas passou a receber tratamento diferente do Estado. Os consumidores deixaram de serem vistos como criminosos, para serem considerados alguém que precisa de ajuda. Desde 2001, aumentou o número de pacientes que faz terapia. Hoje, cerca de 40 mil pessoas estão em tratamento por abuso de droga em Portugal, salienta Goulão.
Adoção do modelo português
Regular e não criminalizar,é esse o princípio português. Kasia Malinowska, diretora do Programa Global sobre Políticas de Drogas, não vê outra opção viável.
"Qual a alternativa? Olhe para um país grande como os Estados Unidos, em que meio milhão de pessoas está atrás das grades por crimes de droga não violentos", comenta. "Lá, nunca as drogas foram tão baratas, nunca estiveram tão disponíveis e o consumo aumenta. Obviamente, as políticas protecionistas não funcionaram".
Goulão também acredita que legislação semelhante à portuguesa possa trazer bons resultados para o Brasil. Mas ressalva que, até ser aprovada, será preciso trabalhar mais na área do tratamento das dependências e da reinserção social. "Tem sido feito um esforço importante nos últimos tempos, mas é necessário desenvolver uma maior e mais diversificada rede de ajuda para a população dependente".
Goulão visitou várias vezes o Brasil e acompanhou de perto a realidade brasileira. Segundo ele, ainda não é possível chegar a todos os dependentes que precisam de ajuda com os recursos que existem atualmente.
Autores: Luisa Frey / Guilherme Correia da Silva
Revisão: Roselaine Wandscheer