1. Pular para o conteúdo
  2. Pular para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW
PolíticaNicarágua

Brasil externa preocupação com direitos humanos na Nicarágua

7 de março de 2023

Embaixador brasileiro mencionou relatos de violações em sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU. Na semana passada, país foi criticado por não assinar declaração crítica ao regime de Ortega.

Daniel Ortega falando em microfone
Crise na Nicarágua se acentuou nas eleições de novembro de 2021, quando Ortega foi reeleito para um quinto mandatoFoto: CANAL 6 NICARAGUA/AFP

O Brasil manifestou nesta terça-feira (07/03) preocupação com relatos de violações de direitos humanos na Nicarágua. A declaração ocorreu em uma reunião do Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, na Suíça, e vem após críticas ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva por não se posicionar sobre a deterioração da democracia no país da América Central. 

"O governo do Brasil acompanha os eventos na Nicarágua com a maior atenção e está preocupado com relatos de sérias violações de direitos humanos e restrições ao espaço democrático naquele país, particularmente execuções sumárias, detenções arbitrárias e tortura contra dissidentes políticos", disse Tovar da Silva Nunes, embaixador brasileiro na ONU.

O diplomata reforçou que o Brasil é favorável ao diálogo com o governo da Nicarágua e está "extremamente preocupado" com a decisão das autoridades nicaraguenses de "tirar a nacionalidade de mais de 300 cidadãos".

"Reafirmando seu compromisso humanitário com a proteção dos apátridas e com a redução da apatridia, o governo brasileiro se coloca à disposição para acolher as pessoas afetadas por esta decisão, nos termos do estatuto especial previsto na Lei de Migração brasileira", disse Silva Nunes, na sua breve intervenção na 52ª sessão ordinária do Conselho de Direitos Humanos.

Apesar da declaração, o diplomata evitou citar o nome do autoritário presidente da Nicarágua, Daniel Ortega.

Brasil não adere à declaração conjunta

Na semana passada, o Brasil foi criticado por não assinar uma declaração conjunta de um bloco de 55 países criticando o regime de Ortega.

De acordo com o portal UOL, o Brasil teria sugerido um tom mais moderado, que não teria sido aceito pelas demais nações – e, por isso, decidiu ficar de fora.

Outros países com governos de esquerda, como Chile e Colômbia, por outro lado, cobraram da Nicarágua que cumpra os direitos humanos. Em fevereiro, o presidente chileno, Gabriel Boric, chegou a classificar Ortega como ditador.

O que dizem os peritos

Na segunda-feira, um grupo de peritos em direitos humanos da ONU apresentou um relatório apontando que crimes contra a humanidade são cometidos pelo governo da Nicarágua "como parte de uma linha de conduta generalizada e sistemática" contra parte da população do país por motivos políticos.

O relatório, que investigou 159 casos e entrevistou 291 vítimas e testemunhas, documenta violações como execuções extrajudiciais, detenções arbitrárias, tortura que incluiu violência sexual ou privação arbitrária de nacionalidade, entre outros abusos.

Entre os que apoiaram o trabalho dos peritos estava um bloco de países latino-americanos – sem o Brasil –, a União Europeia, a Austrália e os Estados Unidos.

Por outro lado, Venezuela, Cuba, Irã e Coreia do Norte relativizaram as conclusões e tomaram partido a favor de Ortega.

Daniel Ortega está em seu quarto mandato consecutivo, o segundo tendo como vice sua esposa, Rosario MurilloFoto: Xin Yuewei/XinHua/dpa/picture alliance

Diante das violações contra pessoas que se opõem ao governo da Nicarágua "ou assim percebidas", o grupo de especialistas instou o regime de Ortega a pôr fim imediatamente aos abusos e a responsabilizar os autores das violações, garantindo justiça às vítimas.

O relatório conclui que por trás desses crimes contra a humanidade estão Ortega e sua mulher e vice-presidente, Rosario Murillo, e altos funcionários da Polícia Nacional e outras entidades estatais.

O grupo de especialistas foi criado a partir de uma resolução aprovada em março de 2022 pelo próprio Conselho de Direitos Humanos da ONU para investigar e reunir evidências sobre a crise na Nicarágua.

Após a intervenção dos peritos, a procuradora-geral da Nicarágua, Wendy Morales, rejeitou as conclusões dos especialistas numa mensagem de vídeo, segundo disse preparadas com informações "de setores da oposição que divulgam situações subjetivas e factos, distorcidos e falsos".

Tema de debate eleitoral entre Lula e Bolsonaro

A deterioração da situação política da Nicarágua foi tema da campanha eleitoral presidencial no ano passado. O ex-presidente Jair Bolsonaro tentou ligar a imagem de Lula à de Ortega, incluindo a perseguição a membros da Igreja Católica e o fechamento de veículos de comunicação na Nicarágua.

Em setembro de 2022, Bolsonaro condenou a retirada do ar do sinal da CNN em Espanhol pelo governo nicaraguense e aproveitou para alfinetar Lula.

"Nada começa de uma hora para a outra. As coisas vêm acontecendo. Primero, ele prendeu todos os opositores que iriam disputar as eleições com ele. Ele concorreu sozinho. Apoiado pelo Lula. Depois, ele prosseguiu na sanha ditatorial. Suprimindo direitos da população. Um dos últimos, agora, antes de fechar a CNN, ele fechou rádios e TVs católicas, prendeu padres e expulsou freiras. E a sua escalada agora, quando fecha [o sinal] da CNN, mostra realmente a que veio", disse Bolsonaro em entrevista à CNN Brasil.

Lula e Ortega, de fato, são conhecidos de longa data e o petista vem evitando criticar o nicaraguense. Em 2021, em entrevista ao jornal El País, Lula comparou o tempo de governo de Ortega ao da ex-chanceler federal da Alemanha Angela Merkel e ao do ex-presidente da Espanha Felipe González. 

"Por que Angela Merkel pode ficar 16 anos no poder e Daniel Ortega não? Por que Felipe González pode ficar 14 anos no poder? Qual a lógica?" disse.

Em um debate entre Lula e Bolsonaro no ano passado, o petista chegou a dizer que "se o Daniel Ortega está errando, o povo da Nicarágua que puna o Daniel Ortega. Se o Maduro está errando, o povo que puna". O presidente já se manifestou em defesa da democracia na Nicarágua, mas evita criticar duramente Ortega.

Em 2021, o PT chegou a divulgar uma nota parabenizando a reeleição de Ortega, mas deletou a mensagem logo em seguida.

Crise na Nicarágua começou após protestos sociais em 2018Foto: Esteban Biba/Agencia EFE/imago

Crise política

A Nicarágua vive cinco anos de uma crise sociopolítica que, segundo a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), deixou pelo menos 355 mortos, dos quais Ortega reconhece 200, e levou mais de 100 mil nicaraguenses ao exílio, além do fechamento da maior parte da imprensa independente e de mais de 400 ONGs.

A crise se acentuou nas eleições de novembro de 2021, quando Ortega foi reeleito para um quinto mandato, o quarto consecutivo e o segundo tendo sua esposa como vice-presidente. Sete eventuais adversários que poderiam ter representado um sério desafio à reeleição de Ortega foram presos, juntamente com 32 opositores. 

O presidente dos EUA, Joe Biden, chamou o pleito de "farsa". Na ocasião, as eleições na Nicarágua foram duramente criticadas pela comunidade internacional, inclusive pela União Europeia e por grupos internacionais de defesa dos direitos humanos, que descreveram o pleito como uma votação de fachada.

No dia da eleição, observadores da UE e da Organização dos Estados Americanos (OEA) foram proibidos de acompanhar o processo eleitoral. Jornalistas estrangeiros também não puderam entrar na Nicarágua.

Ortega, que está no poder desde janeiro de 2007, foi empossado em janeiro de 2022 para governar até 2027. O ex-guerrilheiro sandinista de 76 anos, que governa a Nicarágua sem contrapesos desde 2012, completa 15 anos consecutivos no poder, depois de liderar uma junta governamental de 1979 a 1985 e de presidir pela primeira vez o país de 1985 a 1990.

Entre os nicaraguenses que perderam a cidadania estão antigos aliados de Ortega que lutaram na Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN) contra a ditadura de Anastasio Somoza Debayle, na década de 1970, como o escritor Sergio Ramírez, que chegou a ser vice de Ortega na década de 1980.

le/bl (EFE, AP, AFP, Lusa, ots)

Pular a seção Manchete

Manchete

Pular a seção Outros temas em destaque