Em entrevista à DW, especialista alemã diz que governo é maior culpado pela situação indígena. Para ela, os cortes de gastos no setor público impedem que o Estado cumpra seu papel e levam a tragédias como a do Maranhão.
Anúncio
Um ataque contra integrantes do povo gamela no Maranhão é o mais recente de um problema recorrente no Brasil: os confrontos entre fazendeiros e indígenas em torno da propriedade de terras. De acordo com o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), pelo menos 13 pessoas foram feridas por homens munidos com facões e armas de fogo, em conflito ocorrido no domingo (30/04) em Viana, em região onde está localizado o Povoado das Bahias, área da etnia gamela.
Em entrevista à DW, Yvonne Bangert, especialista em povos indígenas da organização alemã Sociedade para Povos Ameaçados (GBV, na sigla em alemão), diz que o governo brasileiro é o maior culpado pela violência que afeta a população indígena no Brasil. Na opinião dela, os cortes de gastos que atingem o setor público e, especialmente, a Fundação Nacional do Índio (Funai) impedem que o Estado cumpra seu papel.
Até que ponto o governo brasileiro tem culpa neste ataque ocorrido no norte do Brasil?
Na nossa opinião, esse caso deixa explícito, mais uma vez, que o governo brasileiro não vem cumprindo sua tarefa básica, que é garantir a existência dos índios e dar proteção às terras indígenas.
Muito pelo contrário. Depois de diversos cortes de gastos, as grandes demissões realizadas dentro da Fundação Nacional do Índio (Funai), o órgão tem estado bastante limitado em cumprir suas atribuições em relação à implementação da política indigenista e à coordenação do processo de demarcação de terras. Por isso, estamos muito preocupados com o que atualmente está acontecendo.
A senhora vê diferença entre a política do governo atual e do anterior em relação aos índios?
A situação dos povos indígenas no Brasil já vinha piorando durante o governo Dilma Rousseff, mas se acirrou dramaticamente depois que Michel Temer assumiu a presidência. Basta lembrar da grande manifestação de representantes das comunidades indígenas na semana passada em Brasília, que também foi brutalmente reprimida.
Também a emenda constitucional que limita pelas próximas duas décadas o crescimento das despesas federais, promulgada durante o governo Temer, é algo que contribui muito para agravar ainda mais a situação.
A situação no Congresso, atualmente em grande parte dominado pelos lobistas do setor agrícola e dos grandes latifundiários, também colabora para dificultar o processo de demarcação de terras indígenas.
E os proprietários de terra, que supostamente teriam sido os mandantes do ataque?
Nossa opinião é que, em primeira instância, o governo brasileiro é que tem que tomar providências para esclarecer a questão das terras e intervir. Isso é dificultado com pelas limitações da Funai e também pelos obstáculos no Legislativo.
Isso que está acontecendo agora é uma coisa lamentável, ainda mais quando pensamos que a Constituição do Brasil é relativamente avançada em relação aos direitos dos povos indígenas e seria muito bom se o governo respeitasse e fizesse valer esses mecanismos.
Em relação a esse conflito com os índios gamela, há críticos que chegaram a alegar que eles não seriam índios verdadeiros, que a etnia já estaria extinta. Qual a posição da GBV quanto a isso?
De acordo com nosso conhecimento, os índios da etnia gamela tiveram suas terras tomadas durante a ditadura militar, as quais foram entregues a fazendeiros. Mas os indígenas não se renderam e, desde 2014, estão em campanha para retomar o território.
Cabe à Funai examinar e comprovar se as reivindicações estão corretas e verificar, com ajuda de etnólogos, se aquela população é realmente indígena e se tem direito à terra. O que nos preocupa é que, com todos os cortes de orçamento e de pessoal, a Funai esteja numa situação bastante limitada para agir.
Mundurukus às margens do Tapajós
Cercados pela Floresta Amazônica, índios da etnia munduruku lutam para impedir construção de hidroelétricas no rio Tapajós, no Pará.
Foto: DW/N. Pontes
Junto às margens
Os índios da etnia munduruku habitam principalmente as regiões de florestas, às margens de rios. Estão distribuídos especialmente no vale do rio Tapajós, no Pará, e nos estados do Amazonas e Mato Grosso. Atualmente, estima-se que a população de índios munduruku seja de 12 a 15 mil.
Foto: DW/N. Pontes
A cacica
Atualmente, algumas aldeias de munduruku são representadas por mulheres, conhecidas como cacicas. Maria Anicéia Akay Munduruku, da região do Alto Tapajós, faz parte do movimento pela demarcação da Terra Indígena Sawré Muybu e contra a construção de hidrelétricas. Ela não fala português: para se comunicar com os demais fora da comunidade, ela precisa da ajuda na tradução, feita pelo marido.
Foto: DW/N. Pontes
As ameaças
Os moradores da Terra Indígena Sawré Muybu aguardam a homologação do território que habitam há pelo menos três séculos. A área, de 178 mil hectares, sofre ameaça principalmente de madeireiros, garimpeiros e, agora, pode ser impactada pela construção de hidrelétricas. Como estratégia, os indígenas iniciaram a autodemarcação do território com instalação de placas que imitam as oficiais.
Foto: DW/N. Pontes
A essência da vida
Para os mundurukus, o rio Tapajós é a essência da vida indígena. Eles dependem de suas águas principalmente para se alimentar e se locomover. Estudos apontam a existência de mais de 110 espécies de peixes, além do peixe-boi e ariranha. Animais como anta e tamanduá-bandeira também vivem às margens do rio.
Foto: DW/N. Pontes
Trabalho diário
Na época de chuvas, que vai de dezembro a maio, o nível do Tapajós chega a subir sete metros. Já na estação seca, de junho a novembro, a água volta ao curso normal. Nos igarapés da aldeia Sawré Muybu, indígenas tomam banho, lavam a louça e a roupa no começo e no final do dia.
Foto: DW/N. Pontes
Professores indígenas
As crianças munduruku frequentam a escola da aldeia, sob orientação de professores indígenas. Normalmente, apenas o ensino fundamental é oferecido nas comunidades. Na foto, as meninas brincam na sala de aula compartilhada na aldeia Sawré Muybu durante o período de férias escolares. Alguns animais, como macaco, papagaio, cachorro e capivara convivem com as crianças na aldeia.
Foto: DW/N. Pontes
A bebida tradicional
Em ocasiões especiais, como visitas à comunidade, as famílias mundurukus preparam uma bebida conhecida como kaxidi. Ela é feita de batata-doce, farinha de mandioca e caldo de cana ou açúcar. Embora consumam principalmente alimentos cultivados nas roças, alguns produtos não tradicionais fazem parte da dieta há algum tempo, como açúcar, sal, café, e são comprados na cidade cerca de uma vez por mês.
Foto: DW/N. Pontes
Mandioca, batata-doce, cará e banana
A farinha é o principal alimento nas aldeias mundurukus. Ela é fabricada artesanalmente, por quase toda a família. A mandioca, plantada na roça familiar, é triturada, ralada e depois torrada num tacho aquecido com lenha. O produto é armazenado em sacos de estopa e servido praticamente em todas as refeições. Além da mandioca, os índios cultivam principalmente batata-doce, cará e banana.
Foto: DW/N. Pontes
A ameaça
Vista aérea da hidrelétrica Teles Pires, construída no leito do rio homônimo, afluente do Tapajós, localizada na divisa dos estados do Pará e Mato Grosso. Pronta desde 2015, a usina tem potência instalada de 1820 MW, mas ainda está praticamente sem produzir eletricidade devido à falta de linhas de transmissão. A cor verde mais clara indica área de floresta que foi submersa.
Foto: DW/N. Pontes
Participação chinesa
Imagem aérea mostra obras de construção da hidrelétrica São Manoel, com início de operação prevista para janeiro de 2018. Com participação da indústria chinesa, empreendimento está orçado em R$ 2,2 bilhões. A usina também está localizada no rio Teles Pires, afluente do Tapajós, e terá capacidade para gerar 700 MW.
Foto: DW/N. Pontes
Perda da terra e fim da subsistência
Se construída, a hidrelétrica São Luiz do Tapajós ficará nesse trecho do rio, que tem águas verde-azuladas, corredeiras, praias, cachoeiras e igarapés. Os reservatórios poderão inundar até 7% da Terra Indígena Sawré Muybu. Para os mundurukus, o barramento do rio significa a perda de território e dos meios de subsistência, além de piorar qualidade da água e interferir na reprodução dos peixes.