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Brasil não é maduro para copiar Uruguai sobre maconha, dizem especialistas

Fernando Caulyt12 de dezembro de 2013

Antes de discutir legalização da compra e venda da droga, país ainda tem debates mais urgentes em aberto, como a ambígua lei de descriminalização do usuário. Perto de eleições, tema deve ser evitado por políticos.

Foto: Getty Images/Afp/Pablo Porciuncula

A decisão histórica do Uruguai de legalizar a compra, venda e cultivo da maconha, tomada na última terça-feira (10/12), reacendeu o debate sobre o tema também no Brasil. Especialistas ouvidos pela DW, no entanto, dizem que o país ainda não está maduro o suficiente para seguir os passos do vizinho e apontam questões mais básicas a serem discutidas.

Já existente há quatro décadas no Uruguai, a descriminalização do uso de drogas, uma das primeiras etapas até a legalização total, ainda não é sequer bem definida no Brasil. Apesar de aprovada em 2006, a atual lei sobre drogas brasileira é tida como ambígua por não fazer uma diferenciação clara entre usuário e traficante.

“O que o Uruguai está fazendo, com muita maturidade, é avançar na regulamentação da maconha. O Brasil, infelizmente, não tem ainda maturidade para isso. Estamos trabalhando com esse objetivo, mas encontramos muita dificuldade e preconceito”, diz Tião Santos, coordenador da ONG Viva Rio.

Outros desafios

A lista de obstáculos para que esse passo seja dado é longa. O governo uruguaio diz que um dos objetivos da legalização é combater o tráfico. Mas no Brasil, segundo maior consumidor mundial de crack e cocaína, tornar legal a venda apenas da maconha não significaria o mesmo. Além disso, lembram especialistas, o Uruguai leva vantagem por seu menor tamanho, ter uma sociedade mais estável e uma menor desigualdade social.

“Somente flexibilizar a política de consumo de drogas não gera nenhum impacto positivo, pois outro cerne principal é a produção e comercialização da droga. E o Uruguai, exatamente com a lei aprovada nesta semana, está enfrentando o ponto crítico da questão – que é o controle da produção, compra e venda da maconha”, afirma o cientista político Valeriano Costa, da Unicamp.

No Brasil, lei de descriminalização é considerada ambígua por especialistasFoto: Getty Images/Afp/Pablo Porciuncula

Para Tião Santos, a coragem do Uruguai está estimulando positivamente um debate em nível mundial. Segundo ele, até a reformulação da legislação sobre drogas de 2006, votada em maio deste ano pela Câmara dos Deputados, mostra que o Brasil não está preparado, do ponto de vista cultural, para uma discussão do tipo.

“Estamos lutando hoje para descriminalizar o uso, não lutamos para regulamentar a venda, o plantio e a distribuição [como no Uruguai]. Se estamos enfrentando dificuldades para descriminalizar, imagina então para regulamentar”, diz Santos. “Ainda não cabe na pauta nacional uma proposta como a do Uruguai. Acho que é a hora de abrir a discussão e de a sociedade tentar ver os benefícios da descriminalização.”

Legislação confusa

Mesmo sendo mais permissiva quanto ao usuário de drogas, a legislação brasileira em vigor – Lei 11.343, de 2006 – deixou uma lacuna por não estipular critérios objetivos para definir quando se trata de uso ou tráfico de drogas. Dessa forma, segundo especialistas, fica a cargo do policial definir se o autuado é um usuário ou traficante.

“Na prática, essa lei de 2006, mesmo tendo a intenção de melhorar a relação dos usuários de drogas, causou uma grande confusão, porque ela não separa o que é uso e o que é tráfico”, afirma Santos. “E dessa forma, o garoto pobre e negro, de periferia, é preso como traficante, mesmo sendo usuário. Já o jovem de classe média, branco, é tido como usuário.”

De acordo com a Lei 11.343/2006, quem porta uma substância entorpecente para uso próprio não deve cumprir pena de detenção ou reclusão, sendo que são aplicadas somente sanções de cunho sócio-educativo. Já para quem é enquadrado como traficante a pena pode variar de cinco a 15 anos de prisão.

Um dos sintomas da ambiguidade da lei, segundo Santos, é o aumento do número de usuários presos. Antes da aprovação, em 2006, eram 60 mil em cadeias. Hoje, são cerca de 140 mil.

O presidente uruguaio, José Mujica, principal promotor da legalização da maconhaFoto: picture-alliance/dpa

“Um preso custa, em média, 3.500 reais por mês. Nós pagamos um valor absurdo para manter jovens confinados, sendo que eles deveriam estar sendo cuidados e não presos para virar bandidos profissionais dentro das prisões brasileiras, que são consideradas verdadeiras escolas do crime”, afirma Santos.

Um projeto do deputado federal Osmar Terra (PMDB-RS), aprovado em maio deste ano na Câmara dos Deputados, pretende deixar a Lei 11.343/2006 mais severa. Ele permitiria, entre outras coisas, a internação involuntária de dependentes químicos com autorização da família. Além disso, aumenta de cinco para oito anos a pena mínima para os traficantes – a pena máxima continua sendo 15 anos.

Analistas não descartam que o projeto de Terra, que chegou a discursar no Congresso uruguaio contra a legalização, só venha a ser debatido no Senado em 2015. Segundo eles, uma discussão polêmica como essa pode acarretar um risco político que parlamentares não estão dispostos a correr em ano de eleição.

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