Imagine o seguinte cenário na Alemanha: uma vez por ano, um juiz do Tribunal Constitucional Federal organiza um grande encontro de juristas numa ilha do Caribe. Na lista de convidados, não só a elite da área, mas também influentes deputados, governadores e senadores.
O evento de vários dias de duração, num resort de luxo, é patrocinado por empresas que ou são clientes dos juristas, ou que no momento têm um processo em curso num dos tribunais superiores. Ou seja: os juízes e promotores públicos são convidados justamente por quem estão acusando ou julgando.
É o que acontece todo ano quando Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), realiza o Fórum Jurídico de Lisboa – que a imprensa apelidou sarcasticamente de "Gilmarpalooza", evocando o festival de música Lollapalooza.
Dignos de nota no evento não são apenas os questionáveis entrelaçamentos de interesses, que seriam impensáveis no Judiciário alemão, mas também o fato de a projeção externa do evento ser praticamente nula.
Nem a mídia da Europa noticia grande coisa sobre o "fórum do direito" brasileiro, nem ele desempenha qualquer papel na Justiça portuguesa – e muito menos na europeia. Para Conrado Hübner, professor de Direito Público da Universidade de São Paulo, o evento em Portugal não passa de "um grande encontro de lobistas".
Quem quer saber do Brasil?
Acontecimentos internacionais, como conferências, encontros de juristas e feiras, são cada vez mais apreciados no Brasil: realizam-se praticamente todo mês, parece que há um verdadeiro mercado para isso. O que me espanta é a dimensão: para o próximo "Gilmarpalooza" há mais de 2 mil inscritos, e nas Conferências da ONU sobre o Clima (COP), as delegações brasileiras costumam ser as maiores. Que legal – poderia se pensar –, os brasileiros querem se divulgar no mundo e convencê-lo de sua importância.
Mas acho que essa avaliação é equivocada. Seja em conferências climáticas ou jurídicas, feiras ou premiações, sempre me chama a atenção que os participantes ficam mais entre si. É comum que se convidem também famosos apresentadores ou estrelas midiáticas nacionais – cujo humor verbal, afinal de contas, só mesmo os brasileiros entendem.
No fundo, ninguém se interessa pelo que o mundo pensa sobre o Brasil, ou sequer em fazer publicidade para o país, em ajudar a compreendê-lo – enfim, em colocá-lo na vitrine.
Esses eventos parecem servir sobretudo ao consumo interno: governadores, senadores, deputados e prefeitos querem se promover, da mesma forma que ministros e secretários de Estado. Mas muitas vezes parece que o suvenir mais importante são mesmo as selfies da ocasião.
Trata-se de uma chance desperdiçada. Pois vejo que está cada vez mais difícil para o Brasil se "vender" no mundo, se fazer compreender. Minha impressão é de que esse desconhecimento sobre o país está aumentando. A recíproca, aliás, é verdadeira: no Brasil cada vez menos gente sabe, por exemplo, o que a Europa pensa sobre ele.
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Há mais de 30 anos o jornalista Alexander Busch é correspondente de América do Sul. Ele trabalha para o Handelsblatt e o jornal Neue Zürcher Zeitung. Nascido em 1963, cresceu na Venezuela e estudou economia e política em Colônia e em Buenos Aires. Busch vive e trabalha em Salvador. É autor de vários livros sobre o Brasil.
O texto reflete a opinião pessoal do autor, não necessariamente da DW.