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Brasil, o país das catástrofes anunciadas

Philipp Lichterbeck
Philipp Lichterbeck
11 de janeiro de 2022

A tragédia de Capitólio é o mais recente exemplo de um desastre que poderia ter sido evitado. No país da negligência e da impunidade, o que importa é a aparência de normalidade, escreve Philipp Lichterbeck.

Bombeiros após desastre em Capitólio. Ninguém parece ter levado alerta da Defesa Civil a sérioFoto: Minas Gerais Fire Department/AFP

Quando vi as imagens da catástrofe em Capitólio, com dez mortos, meu primeiro pensamento foi que se tratava de uma montagem bem-feita, de tão inacreditável que me pareceu que, justamente nesse lugar tão espetacular e popular entre turistas, acontecesse uma cena dessas. E me perguntei se não havia indícios de que o paredão de pedra estava instável.

Pouco depois, a Defesa Civil de Minas Gerais confirmou que tinha emitido horas antes do acidente um alerta de chuvas intensas para o município de Capitólio, com possibilidade de ocorrências graves. Mas aparentemente ninguém havia levado o alerta a sério. Além disso, imagens da catástrofe que circulam nas redes revelam que os ocupantes das embarcações foram alertados por pessoas ao redor sobre o risco de desabamento da estrutura. Ainda assim, demoraram a se afastar. Parece que as pessoas queriam aproveitar ao máximo a oportunidade de ficar perto da parede de rocha e tirar fotos.

De certa forma, pode-se falar de uma catástrofe que poderia ter sido evitada. Uma catástrofe anunciada. Algo que tenho a impressão de que acontece o tempo todo no Brasil, infelizmente. 

Aparência de normalidade

O desastre de Brumadinho foi um acontecimento do tipo. Os responsáveis sabiam há tempos que a barragem estava instável, mas deixaram que sua segurança fosse certificada, sob circunstâncias duvidosas, pela empresa TÜV Süd. Quando a barragem se rompeu, a avalanche de lama soterrou 270 pessoas e dois bebês ainda não nascidos. Assim como os responsáveis em Capitólio, em Brumadinho também não se quis intervir porque isso custaria dinheiro e atrapalharia as operações normais. Tudo deveria continuar como antes e parecer normal. E, de fora, tudo de fato parecia normal até o último segundo, tanto em Capitólio quanto em Brumadinho.

É a aparência de normalidade pela qual gostamos de nos deixar enganar e iludir. A crença de que tudo continuará como antes. Embora se saiba que a catástrofe é iminente, se é acomodado e covarde demais para fazer alguma coisa, preferindo a cegueira. É mais fácil. Acho que isso, de certa maneira, também é humano. Algo que pode ser observado até mesmo em relacionamentos amorosos. A pessoa sente que algo não anda bem, mas, por comodismo e hábito, evita o conflito e não muda nada, deixa tudo continuar como está – até que o parceiro em algum momento se vai, e o mundo se desmorona sobre quem ficou.

A impunidade fomenta a irresponsabilidade

É claro que é completamente diferente quando se trata de vidas humanas e responsabilidades políticas. Nesse quesito, observo que o Brasil se destaca por sua negligência. De certa forma, é o país das catástrofes anunciadas.

Dei-me conta disso pela primeira vez quando aconteceu o acidente com o bonde no bairro turístico carioca de Santa Teresa em 2011. O bonde amarelo e pitoresco descia uma rua, saiu dos trilhos, tombou e derrubou um poste. Seis pessoas morreram, e 57 ficaram feridas. A causa: os freios não estavam funcionando, faltava manutenção. Mas até hoje, ninguém foi preso ou nem sequer responsabilizado. A impunidade fomenta a irresponsabilidade.

Quando andei no bonde pela primeira vez, em 2006, percebi como tudo era velho, torto, improvisado, mal mantido, desde os trilhos até o próprio veículo. O bonde fazia um barulho enorme, como se estivesse gritando que algo não estava bem.

E quem se lembra de quando o Museu Nacional pegou fogo? Por causa de um aparelho de ar-condicionado velho e malcuidado, o Brasil perdeu alguns dos artefatos mais valiosos de toda a sua história. Faltou até mesmo água para os bombeiros nos hidrantes ao redor.

Para quem trabalhava no museu, provavelmente não era nenhum segredo que os ares-condicionados eram velhos e estavam com defeito. Talvez até se tenha tentado alertar os responsáveis. Mas nada aconteceu, deixou-se as coisas seguirem adiante.

Assim como toda chuva forte no centro do Rio leva ao transbordamento da canalização repleta de lixo. Há anos o problema é conhecido, mas nada acontece. A cada tempestade, a luz acaba no meu bairro, mas nada é feito para solucionar o problema no longo prazo. Os eletricistas da Light sempre têm que vir de novo, depois de os alimentos na geladeira já terem esquentado e várias horas de trabalho no computador perdidas.

Megacatástrofe anunciada

O problema mais grave do Brasil – e que recebe muito pouca atenção –, porém, é o contínuo desmatamento da Floresta Amazônica. É a megacatástrofe anunciada. O desmatamento já está levando não só a uma enorme, irrecuperável e custosa perda de espécies, mas, sobretudo, a períodos de seca em outras regiões do Brasil. O estado de São Paulo, que fica na mesma latitude da Namíbia, seria um deserto sem as nuvens que vêm do norte e fazem chover.

Cientistas alertam que o ecossistema amazônico já pode estar à beira do colapso. O que aconteceria então, é difícil de imaginar. Capitólio, Brumadinho e o Museu Nacional são sintomas de uma doença bastante disseminada no Brasil, que provavelmente ainda não mostrou toda a sua força.

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Philipp Lichterbeck queria abrir um novo capítulo em sua vida quando se mudou de Berlim para o Rio, em 2012. Desde então, colabora com reportagens sobre o Brasil e demais países da América Latina para jornais da Alemanha,Suíça e Áustria  Ele viaja frequentemente entre Alemanha, Brasil e outros países do continente americano. Siga-o no Twitter em @Lichterbeck_Rio.

O texto reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.

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Cartas do Rio

Philipp Lichterbeck queria abrir um novo capítulo em sua vida quando se mudou de Berlim para o Rio de Janeiro, em 2012. Na coluna Cartas do Rio, ele faz reflexões sobre os rumos da sociedade brasileira.