Brasil pode enfrentar novo surto de zika, alerta ONG
13 de julho de 2017
Human Rights Watch afirma que condições precárias de saneamento persistem e deixam país vulnerável a uma nova epidemia do vírus. Relatório acusa governo brasileiro de há anos adotar políticas negligentes.
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Em relatório divulgado nesta quinta-feira (13/07), a organização de direitos humanos Human Rights Watch (HRW) afirmou que as condições precárias de saneamento e água que contribuíram para um surto do vírus zika persistem no Brasil e deixam o país vulnerável a uma nova epidemia do vírus.
O documento, intitulado "Desprezadas e desprotegidas: o impacto do surto do vírus zika em mulheres e meninas no Nordeste do Brasil", apresenta lacunas nas respostas dadas pelas autoridades brasileiras perante a proliferação da doença.
Segundo a ONG, apesar de o governo brasileiro ter declarado o fim do estado de emergência nacional de saúde pública em maio de 2017, 18 meses após a declaração de emergência nacional, a infecção ainda ameaça o país.
"Os brasileiros podem ver a declaração do Ministério da Saúde sobre o fim da emergência de zika como uma vitória, mas riscos significativos permanecem, assim como as questões de direitos humanos subjacentes que foram expostas", disse Amanda Klasing, investigadora dos direitos das mulheres da HRW.
"Os direitos básicos dos brasileiros estão em risco se o governo não reduzir a infestação do mosquito [Aedes aegypti] no longo prazo, garantindo o acesso aos direitos reprodutivos e apoio às famílias que criam crianças afetadas pelo zika", salientou.
A HRW avaliou que doença não foi contida no curto prazo e ainda é um risco porque o Brasil adota políticas negligentes há anos em relação à oferta de saneamento básico, fator que permitiu a proliferação e a rápida disseminação da doença.
"As autoridades brasileiras devem fazer investimentos há muito atrasados em infraestruturas de água e saneamento para controlar a reprodução dos mosquitos e, assim, melhorar as condições de saúde pública", considera a HRW.
Mais de um terço dos 206 milhões de habitantes no Brasil não têm acesso a um abastecimento contínuo de água, obrigando os residentes com poucas opções senão encher recipientes para uso doméstico. Sem cobri-los, esses recipientes podem se tornar locais de reprodução para o Aedes aegypti. No nordeste, menos de 25% da população estava conectada a sistemas de águas residuais em 2015, segundo a HRW.
Desde que a doença foi detectada no Brasil em 2015, mais de 2.600 crianças nasceram com microcefalia e outros problemas neurológicos causados pela infecção. Em 2017, o número de casos de vírus zika e de bebês nascidos com deficiências ligadas à doença caiu drasticamente em relação a 2016, mas as autoridades brasileiras não conseguiram identificar a causa exata dessa redução.
Atendimento a mulheres e aborto
Para fazer o relatório, a HRW entrevistou 183 pessoas em Pernambuco e Paraíba, os dois estados brasileiros mais atingidos pela doença, incluindo 98 mulheres e meninas com idades entre 15 e 63 anos. A ONG também falou com homens e meninos das comunidades afetadas, prestadores de serviços, especialistas e autoridades governamentais.
Nessas entrevistas, os investigadores da HRW constataram que muitas mulheres grávidas e meninas não receberam informações abrangentes sobre a prevenção da transmissão do vírus durante as consultas pré-natais.
"Muitos [profissionais de saúde] não informaram que o vírus zika pode ser transmitido sexualmente, em parte devido a informações contraditórias ou inconsistentes que receberam das autoridades. Como resultado, poucas [mulheres] utilizavam consistentemente preservativos para proteger o feto da transmissão da doença", destacou o relatório.
A ONG recomendou que o Brasil reforce os serviços de saúde voltados para atender mulheres e meninas, descriminalize o aborto e garanta que crianças afetadas pelo zika tenham acesso a serviços especializados de saúde que lhes garantam maior qualidade de vida.
PV/lusa/rtr/ap
O vírus zika e sua trajetória
O zika contaminou centenas de milhares de pessoas no Brasil e numa série de países a partir de meados de 2015. Conhecido desde 1947, o vírus nunca tinha feito um estrago tão grande.
Foto: picture-alliance/dpa/O. Rivera
Origem na floresta
O vírus zika foi identificado pela primeira vez em 1947, isolado no sangue de um macaco na floresta de Zika (foto), em Uganda.
Foto: DW/S. Schlindwein
Primeiro paciente na Tanzânia
Em 1952 o zika foi diagnosticado pela primeira vez num paciente da Tanzânia. Acredita-se que o vírus tenha se espalhado pelos países vizinhos nos anos seguintes. Nesse processo, surgiram três cepas diferentes: duas identificadas na África e uma, na Ásia.
Foto: DW/M. Bello
Casos isolados
Entre o primeiro caso e 2007, só foram identificados 14 contágios pelo vírus zika. Não é fácil diagnosticar a doença: até 80% dos contaminados não desenvolvem qualquer sintoma, e os que se manifestam podem ser confundidos com gripe ou dengue. Entre os anos 1970 e 2000, observatórios médicos isolaram o vírus em cinco países da África, quatro da Ásia e um na Oceânia.
Foto: Reuters/I. Alvarado
Primeiro surto
Em 2007 um surto de zika alcançou grandes proporções, pela primeira vez. Na Micronésia, arquipélago com centenas de pequenas ilhas, 5 mil foram infectados pela doença. Por desconhecimento, muitos casos foram confundidos com episódios de dengue ou chikungunya, igualmente transmitidas por mosquitos do gênero Aedes e com sintomas semelhantes.
Foto: picture-alliance/dpa/O. Rivera
Surto no Pacífico
Um surto de zika entre 2013 e 2014 em ilhas do Pacífico fez 55 mil vítimas – 11 vezes mais do na Micronésia. A Polinésia Francesa foi a mais afetada. As ilhas Cook, Nova Caledônia e a da Páscoa (pertencente ao Chile) também tiveram casos confirmados.
Foto: Michael Marek
Sinal vermelho
Os primeiros casos de zika no Brasil foram detectados em abril de 2015. O número de infectados cresceu rapidamente, em pleno outono. Até então, os surtos de dengue, também transmitida pelo Aedes aegypti, costumavam ocorrer somente durante o verão.
Foto: EBC
Emergência no Brasil
Médicos brasileiros identificaram um aumento no número de casos de microcefalia congênita em áreas do Nordeste, que associaram à epidemia de zika. Em outubro de 2015, outros nove países da América do Sul e Central registram transmissão local do vírus.
Foto: picture-alliance/dpa/R. Fabres
Alerta da OMS
A rápida difusão do vírus levou a Organização Mundial de Saúde (OMS) a decretar estado de emergência para os casos de microcefalia em fevereiro de 2016. Um mês depois era confirmada a conexão entre a doença e os bebês nascidos com microcefalia.
Foto: Reuters/Centers for Disease Control
Proteção é melhor defesa
Não há vacina, só tratamento dos sintomas, sendo os mais comuns febre, dor de cabeça, coceira, cansaço e dor muscular e nas juntas. O mosquito costuma picar no começo da manhã e da noite. A recomendação da OMS é usar repelente e cobrir pernas, pés e braços. Ambientes refrigerados também são pouco atraentes para o mosquito. Preservativos previnem o contágio sexual.
Foto: Bayer CropScience
Expansão continua
No primeiro semestre de 2016, foram anotados na Europa cerca de 600 casos de zika em 18 países, todos em indivíduos que visitaram locais com surto da doença. Com a chegada do verão, porém, há risco de aumento de incidência. Desde setembro de 2015, 46 países no mundo registraram surtos de zika pela primeira vez. Só nos Estados Unidos havia 2.200 casos até o fim de junho de 2016.
Foto: picture-alliance/dpa
Polêmica sobre Jogos 2016
Mais de 100 cientistas divulgaram carta aberta pedindo o adiamento ou mudança de local dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro. Eles consideraram arriscada a exposição ao vírus e a possibilidade de que fosse levado a outros países. No dia seguinte, a OMS descartou a mudança de planos. O governo brasileiro prometeu aumentar o efetivo de médicos nos hospitais e de agentes de saúde durante os Jogos.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Sayao
Risco no Rio
Por precaução, diversos esportistas desistiram de participar dos Jogos Olímpicos no Rio. Entre eles, os americanos Jordan Spieth, John Isner e Sam Querrey, e os australianos Bernard Tomic, Nick Kyrgios e Marc Leishman. Já Hope Solo, goleira da seleção americana de futebol, participará, mas publicou no Twitter seu "kit de proteção": um grande frasco de repelente e chapéu de apicultor.
Foto: https://twitter.com/hopesolo
Novas descobertas
O vírus está sendo intensamente estudado por equipes internacionais. Dez países registraram indícios de transmissão da doença de pessoa a pessoa, sem intervenção do inseto e, provavelmente, por via sexual. Disseminado normalmente por mosquitos do gênero Aedes, o zika foi também associado a um aumento dos casos da síndrome Guillain-Barré, que afeta o sistema neurológico.