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"Brasil precisa se associar ao Cern", diz pesquisador

Karina Gomes30 de setembro de 2014

Participante da descoberta do bóson de Higgs, físico brasileiro Sérgio Novaes defende que o país conclua o processo de admissão ao centro europeu de pesquisas nucleares. Medida ainda precisa de aval do Congresso.

Detector de partículas ATLAS, no Centro Europeu de Pesquisa Nuclear (Cern)Foto: Lashkar Kashif

Um dos poucos brasileiros a participar da descoberta do bóson de Higgs, o professor Sérgio Novaes, do Instituto de Física Teórica da Unesp em São Paulo, continua a busca por partículas que expliquem do que é feito o Universo e como ele funciona.

O físico é um dos cerca de três mil pesquisadores do Cern, o centro europeu de pesquisas nucleares, que se dedicam a fazer experimentos com o maior acelerador de partículas do mundo – o Grande Colisor de Hádrons (LHC), instalado em Genebra, na Suíça.

Além de Novaes, outros 115 pesquisadores brasileiros atuam em quatro diferentes experimentos com o LHC. Em São Paulo, o físico coordena o Sprace (Centro Regional de Análises de São Paulo), projeto de computação de alto desempenho que faz o processamento e a simulação dos dados gerados pelo detector de partículas CMS (Solenoide de Múon Compacto), instalado no acelerador.

Em entrevista à DW, ele ressalta a importância de o governo concluir o processo de admissão do Brasil ao Cern, para se tornar o primeiro país latino-americano membro do centro internacional de pesquisas, que completou 60 anos na segunda-feira (29/09).

A entrada no Cern, que não é unanimidade entre a comunidade científica brasileira, ainda precisa ser aprovada pelo Congresso Nacional.

Deutsche Welle: Desde a descoberta do bóson de Higgs, em 2012, quais pesquisas sua equipe tem desenvolvido?

Sérgio Novaes :Nosso pessoal trabalha em duas áreas, principalmente. Chamamos de “pesquisa além do modelo padrão”. Tentamos verificar se há indícios de alguma física além daquela que já é conhecida. Outra área em que temos trabalhado é na colisão de heavy ions para reproduzir o que seriam as partículas do início do Universo.

Qual é o nível de complexidade desses experimentos?

Lidamos com eventos muito raros num mar de coisas que não nos interessa. Extrair um sinal desse fundo é algo muito complicado. A quantidade de dados é enorme, e as técnicas de análise dos dados são muito complexas. Para lidar com eles é necessário montar uma estrutura computacional que abarca cerca de 200 centros em todo o mundo. Operamos um desses centros em São Paulo [Centro Regional de Análise de São Paulo, Sprace]. Para se ter ideia, a cada um trilhão de eventos que realizávamos aparecia um bóson de Higgs em meio a todas as outras partículas. E na parte de instrumentação, trabalhamos num, digamos, estado da arte, com alta tecnologia de pixels.

O físico Sérgio Novaes estudou o bóson de Higgs por cerca de 30 anosFoto: Assessoria de Comunicacao e Imprensa/Unesp

E qual é a importância do bóson de Higgs para as pesquisas que estão sendo desenvolvidas no momento?

De alguma forma, ele fecha um ciclo muito importante, que era o do modelo padrão. O bóson de Higgs foi colocado como uma proposta teórica aventada na década de 1960. Durante 40 anos, tentou-se buscar um mecanismo distinto para dar massa às partículas, mas com a descoberta do bóson de Higgs esse modelo se fecha. O fato de homem ter sido capaz de aventar matematicamente um mecanismo para dar massa às partículas é um grande exemplo da capacidade humana de interpretar a natureza com teoria e cálculo. No início, não havia nenhuma evidência da existência dessa partícula e, hoje, temos uma teoria bastante consistente. Continuamos a buscar evidências de que exista algo além da Física tradicional.

E de que forma isso ajudaria a explicar a origem do Universo?

O pessoal vende “um pouco demais” essa ideia. Passar da realidade para a ficção é muito fácil.

Que outras partículas são analisadas?

Temos trabalhado na investigação de possíveis partículas pesadas que se manifestam no acelerador. Também é necessário mostrar como o bóson de Higgs se acopla às outras partículas. Isso ainda vai durar muito tempo. No ano que vem, a energia do acelerador será dobrada, o que irá ampliar a possibilidade de explorar a produção de partículas mais pesadas, que até agora não foram descobertas.

Qual a relevância desse trabalho no momento em que o Cern comemora 60 anos de atividades?

O Brasil colabora com o Cern há muitos anos. Um dos primeiros professores efetivamente contratados foi o físico exilado Roberto Salmeron, que liderou o grupo da Escola Politécnica de Paris no Cern. Houve interações entre teóricos, e o Brasil participou dos experimentos com o LEP [Grande Colisor de Elétrons e Prótons], o acelerador que antecedeu o LHC. A associação do Brasil com o Cern é duradoura e esperamos que ela se intensifique ainda mais. Discute-se há algum tempo a possibilidade de o Brasil se tornar um membro associado do Cern, o que pode revigorar essa interação. Depende do Brasil dar o próximo passo e encaminhar essa proposta ao Congresso Nacional.

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