1. Pular para o conteúdo
  2. Pular para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW

Brasil retorna à normalidade democrática com vitória de Lula

Philipp Lichterbeck
Philipp Lichterbeck
31 de outubro de 2022

Mensagem mais importante de Lula em primeiro discurso foi apelo à reconciliação e união do Brasil. Resta saber como será diálogo com uma oposição que glorifica violência e alimenta ódio ao PT.

Lula venceu eleição mais disputada desde a redemocratizaçãoFoto: Roberto Casimiro/Fotoarena/IMAGO

"Não existem dois Brasis. Somos um único país, um único povo, uma grande nação." A mensagem do vencedor da eleição foi conciliatória e uma mão estendida em uma nação profundamente dividida. Luiz Inácio Lula da Silva será novamente presidente da República a partir de 1º de janeiro, depois de ter governado o Brasil entre 2003 e 2011. Lula, de 77 anos, ganhou o segundo turno contra o atual presidente Jair Bolsonaro no pleito mais disputado desde a redemocratização. Ele obteve 50,9% dos votos, e Bolsonaro, 49,1%. A diferença ficou em pouco mais de 2 milhões de votos.

Em seu primeiro discurso, Lula anunciou a retomada de uma agenda basicamente social-democrata: a luta contra a pobreza, a construção de mais moradias populares, o apoio a grupos sub-representados, como negros e mulheres, e investimentos em educação e saúde. Ele prometeu ainda reduzir o desmatamento na Amazônia e tornar o Brasil um parceiro internacional confiável novamente, depois de o ultradireitista Bolsonaro ter isolado o país.

A mensagem mais importante de Lula foi o apelo à paz e à reconciliação. Ele afirmou que a bandeira verde e amarela do país é de todos os brasileiros e que o ódio e a divisão precisam acabar. Os olhos de muitos dos apoiadores de Lula, que acompanharam a contagem dos votos em bares, restaurantes e locais públicos, se encheram de lágrimas ao ouvir essas palavras. No centro de São Paulo, dezenas de milhares se reuniram para festejar freneticamente a vitória; no Rio de Janeiro, blocos de carnaval desfilaram espontaneamente nas ruas e houve fogos de artificio. Sobretudo, um grande alívio estava no ar. "O fim de um pesadelo" era uma frase ouvida constantemente.

Os quatro anos sob Bolsonaro foram de fato marcados por tumultos contínuos, provocações, mentiras, destruição do meio ambiente, insultos aos opositores, além de enfraquecimento das instituições democráticas e das boas práticas. Muitos brasileiros realmente sofreram ao verem seu país ser apresentado de uma maneira tão feia. Para eles, apesar dos escândalos de corrupção durante seu governo, Lula se tornou a esperança de um Brasil civilizado e humano. É também, ao mesmo tempo, um atestado de pobreza para o Brasil progressista não haver ninguém que sequer se aproxime do carisma, da vontade de poder e da eloquência de Lula.

O maior desafio para Lula será agora reestabelecer as boas práticas democráticas para sobretudo poder governar. Deputados federais e senadores da direita moderada e da extrema direita estão fortemente representados no Congresso. Os três estados mais importantes do país – São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais – serão governados por bolsonaristas. Lula já anunciou que irá conversar com todos. Durante a campanha, ele provou que sabe forjar alianças e trazer a bordo antigos adversários, entre eles seu futuro vice, Geraldo Alckmin, e sua ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva.

Resta saber como será um diálogo com uma oposição fundamentalista cristã, que glorifica a violência e as armas e possuiu um profundo ódio ao "comunista", "ladrão" e "diabo" Lula. Apenas algumas poucas horas antes do segundo turno, uma deputada bolsonarista branca sacou uma arma, apontou para um negro e o caçou pelas ruas de São Paulo, porque ele supostamente a teria xingado. Na noite da eleição, caminhoneiros bolsonaristas montaram barricadas em chamas no interior dominado pelo agronegócio e ameaçaram não reconhecer a vitória de Lula.

Antes da eleição, havia o temor de que Bolsonaro não reconhecesse o resultado caso fosse derrotado e estimulasse seus apoiadores a resistir – como Donald Trump faz até hoje nos Estados Unidos. Frequentemente, Bolsonaro questionou a lisura do processo eleitoral e anunciou que apenas Deus iria tirá-lo do Palácio do Planalto. No dia da eleição, houve um grande número de relatos de controles policiais ilegais e tentativas de intimidação aos eleitores pobres do Nordeste, onde Lula tem muitos votos.

No entanto, quando a vitória de Lula foi confirmada, os bolsonaristas ficaram surpreendentemente em silêncio. Nada saiu do Palácio do Planalto. Bolsonaro estaria amargurado. Não quis falar com ninguém e foi dormir cedo. Ao se recusar a parabenizar Lula pela eleição, ele quebrou uma outra tradição democrática. Por outro lado, as forças de segurança, cuja proximidade com Bolsonaro não é segredo, se mantiveram quietas, o que causou um alívio.

De qualquer maneira, a segunda maior democracia da América se mostrou estável. Com urnas eletrônicas, o processo eleitoral no Brasil é considerado um dos mais rápidos e confiáveis do mundo – nem se compara, por exemplo, ao sistema eleitoral caótico e antidemocrático dos Estados Unidos. O resultado foi confirmado quatro horas após o fim da votação. O TSE, a imprensa e também os presidentes do Congresso reconheceram a vitória de Lula de imediato e não deixaram espaço para dúvidas sobre a correção do resultado. A vitória significa o retorno do Brasil à normalidade democrática e é uma derrota para a nova extrema direita mundial, que causa retrocesso e preocupação em todo o mundo.

--

Philipp Lichterbeck queria abrir um novo capítulo em sua vida quando se mudou de Berlim para o Rio, em 2012. Desde então, colabora com reportagens sobre o Brasil e demais países da América Latina para jornais da Alemanha,Suíça e Áustria  Ele viaja frequentemente entre Alemanha, Brasil e outros países do continente americano. Siga-o no Twitter em @Lichterbeck_Rio.

O texto reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.

Pular a seção Mais sobre este assunto
Pular a seção Mais dessa coluna

Mais dessa coluna

Mostrar mais conteúdo
Pular a seção Sobre esta coluna

Sobre esta coluna

Cartas do Rio

Philipp Lichterbeck queria abrir um novo capítulo em sua vida quando se mudou de Berlim para o Rio de Janeiro, em 2012. Na coluna Cartas do Rio, ele faz reflexões sobre os rumos da sociedade brasileira.