"Brasil S/A" analisa conceito de progresso no país
10 de fevereiro de 2015
Filme de Marcelo Pedroso, que faz parte da mostra Forum da Berlinale, usa formato inusitado para abordar com ironia desdobramentos do crescimento econômico no Brasil.
Anúncio
"Brasil S/A" ironiza desenvolvimento
02:18
O que se esconde por trás do "Ordem e Progresso" da bandeira parece ser o ponto de inquietação que levou o pernambucano Marcelo Pedroso a realizar Brasil S/A, seu primeiro longa de ficção e que faz parte da mostra Forum, da Berlinale 2015.
"No Nordeste estamos vivendo intensamente essa fase que vive Brasil. Esse boom começou a gerar imagens na minha cabeça, que tentavam se apoiar num ideário nacional associado a uma ideia de progresso, mas ao mesmo tempo queria introduzir uma linha de conflito nesse discurso oficial", disse Pedroso à DW Brasil em Berlim.
Entre o arcaico e o moderno, o futuro e o presente, Pedroso constrói uma divertida colcha de retalhos, na qual diversos núcleos independentes brincam com a imagem que os brasileiros têm do país e de si mesmos.
As máquinas do progresso
Na construção de episódios, que vão ironicamente brincando com esse novo status do brasileiro, Pedroso começa a construir uma imagética e sonora narrativa de associação livre e sem a utilização da palavra. O filme não tem diálogos nem legendas.
A verticalização do Recife gerou uma das imagens que pontua o filme: uma grua no alto de um prédio, com uma bandeira incompleta, tremulando sobre o mar de prédios que se tornou a capital pernambucana. "Essas imagens são uma leitura da realidade. O filme traz algumas narrativas que vão tentando refletir e embaralhar um pouco esses sentidos. Pensar um pouco essa ideia de progresso", afirma Pedroso.
Outra fascinação do diretor são as máquinas, que estão presentes em quase todos os núcleos do filme. Do caminhão-cegonha que carrega carros como se fosse um ônibus no começo do filme até um divertido balé de escavadeiras.
"Essas máquinas estão muito associadas a essa ideia de progresso, mas essas são imagens defasadas do progresso. Esse modelo de desenvolvimento, pautado pela indústria e pela produção, já está em desuso. Pensar que temos que chegar a um certo estado de desenvolvimento caminhando em direção a um ideal me deixa um pouco em crise", confessa o diretor.
Discurso oficial
O filme também tematiza a vida dos cortadores de cana, associados a um ciclo importante na história do Brasil e que ainda tem peso na economia brasileira.
"É uma leitura muito alegórica do pais. A cana foi a primeira atividade econômica, que ainda persiste e se transforma no filme na mesma dimensão que a sociedade brasileira, que deixa de ser rural para se tornar metropolitana, assim como a base econômica deixa de ser agrícola para se tornar industrial. Várias alegorias que dizem respeito a um certo historicismo brasileiro", diz Pedroso.
O diretor também brinca com a maneira que o governo vende o país para a população, através da máquina publicitária e dos chamados filmes institucionais. "Queria dialogar com o discurso oficial do país. Essas macronarrativas são uma tentativa de se apropriar desses signos e de confrontá-los. O país do futuro virou o país do presente. O filme tenta repercutir essas matrizes do discurso", completa.
Filmes brasileiros na Berlinale 2015
Apesar de estar fora da competitiva, o Brasil está representado em outras mostras do festival de cinema em Berlim. "Sangue Azul" e "Ausência", estrelados por Daniel de Oliveira e Regina Casé, são destaques.
Foto: Frederico Benvenides
Sangue Azul
Estrelado por Daniel de Oliveira, o filme de Lírio Ferreira abre a mostra Panorama, a segunda mais importante da Berlinale. Com um ilusionista e um homem-bala como personagens, o longa lança um olhar poético sobre a colisão de dois microcosmos, mostrando que o mundo que escolhemos longe de casa pode não ser tão distante quanto imaginamos.
Foto: Berlinale 2015
Ausência
Qual a importância de um pai na vida de um filho? Qual é o peso do abandono da figura paterna sobre toda uma família? "Ausência", de Chico Teixeira, é centrado em Serginho, um menino de 15 anos que tenta lidar com as mudanças trazidas pela vida. Mas a transição entre a infância e a idade adulta não é fácil, ainda mais quando os caminhos parecem incertos e nebulosos.
Foto: Berlinale 2015
Que horas ela volta?
A diretora Anna Muylaert sempre mostrou um olhar apurado para comédias de humor negro. No entanto, "Que horas ela volta?" se aproxima mais do drama familiar. Val (Regina Casé), empregada de uma família rica em São Paulo, vê sua vida virar de cabeça para baixo quando a filha (Camila Márdila) decide se mudar para a cidade.
Na Berlinale de 1998, Walter Salles e Jia Zhang-ke descobriram uma visão parecida sobre seus ofícios e sobre a maneira como apontam suas lentes para o mundo. Neste documentário, o brasileiro acompanha o colega chinês numa visita a locações de seus filmes e ao lugar onde ele cresceu.
Foto: Berlinale 2015
Beira-Mar
A estreia na direção dos jovens gaúchos Filipe Matzembacher e Marcio Reolon mostra dois melhores amigos lidando com os primeiro passos da vida adulta. Eles partem para uma viagem aparentemente banal, mas que acaba revelando mais do que os dois estão acostumados a compartilhar na vida cotidiana.
Foto: Berlinale 2015
Brasil S/A
Da vulgaridade às belezas, naturais e artificiais, o primeiro longa de Marcelo Pedroso reforça a boa safra de filmes de Pernambuco. "Brasil S/A" é uma parábola alegórica de um país cheio de progresso, mas que ainda corre atrás da ordem e, ao mesmo tempo, molda a própria identidade.
Foto: Berlinale 2015
Mar de Fogo
O diretor Joel Pizzini faz uma homenagem ao clássico do cinema brasileiro "Limite" e ao seu criador, Mario Peixoto. Usando imagens do filme e entrevistas feitas com Peixoto nos anos 1970 e 1980, Pizzini constrói um pequeno filme-ensaio e um curta-metragem arrebatador.
Foto: Berlinale 2015
Fuga dos meus olhos
Após o diálogo imaginário entre Brasil e Portugal, apresentado na Berlinale do ano passado no curta "Fernando que ganhou um pássaro do mar", Felipe Bragança continua trabalhando nas linhas tênues do cinema, misturando poesia com ficção e realidade. Seu novo filme gira em torno de fábulas oriundas de três países africanos – Mali, Gana e Burkina Faso.
Foto: Felipe Bragança
Além das telas
A Forum Expanded mostra outra forma de ver o cinema. Além de filmes, a mostra traz a exposição "Doors Open", em que performances e instalações – incluindo "Viventes" e "Je proclame la destruição", dos brasileiros Frederico Benevides e Arthur Tuoto – questionam o cinema como uma forma de arte mutante.
Foto: Frederico Benvenides
Olhar indígena
A mostra NATIVe se dedica neste ano às comunidades indígenas na América Latina e a sua difícil sobrevivência. O Brasil marca presença com os documentários "O Mestre e o divino", de Tiago Campos Tôrres, "As hiper mulheres", de Carlos Fausto, Leonardo Sette e Takumã Kuikuro, e "Ma ê dami xina", de Zezinho Yube.