Brasil é contra investigar violência policial nos EUA
18 de junho de 2020
Durante reunião do Conselho de Direitos Humanos convocada após a morte de George Floyd, país se alinha aos EUA contra criação de comissão de inquérito internacional sobre violência contra população negra americana.
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O Brasil se posicionou nesta quarta-feira (17/06) contra a criação de uma comissão de inquérito internacional para investigar abusos e violência policial contra a população negra nos Estados Unidos, durante uma reunião extraordinária do Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra.
A reunião extraordinária foi convocada por 54 nações africanas para debater a discriminação e o "racismo sistêmico" nos Estados Unidos, motivadas pelo homicídio de George Floyd, homem negro morto em Minneapolis em 25 de maio, após ser pressionado contra o chão pelo joelho de um policial durante vários minutos
Ao se posicionar contra, a representante da missão permanente do Brasil junto à ONU em Genebra, Maria Nazareth Farani Azevêdo, argumentou que o problema do racismo não é exclusivo de uma região específica.
"É um flagelo profundamente enraizado em muitas partes do mundo, afetando grande parte da humanidade", afirmou, acrescentando que também é importante reconhecer o "papel indispensável" das forças policiais para garantir a segurança pública.
As nações africanas se uniram para apresentar um projeto de resolução que pedia uma comissão de inquérito internacional (o termo é usado para graves crises de direitos humanos num país, como o conflito sírio) para investigar os acontecimentos nos EUA e em outros países em situação semelhante.
Os Estados Unidos, que se retiraram do Conselho de Direitos Humanos há dois anos, pressionaram por meio de aliados pela exclusão do termo. Com a falta de apoio de países de fora da África, as nações africanas acabaram convencidas por outros países a rebaixarem suas expectativas para poderem levar a proposta adiante.
A decisão sobre a investigação deveria ser tomada já nesta quarta, mas um grande número de países solicitou intervenções no debate, o que prolongou a sessão e obrigou a presidência a estendê-la para esta quinta, quando a proposta dos africanos será votada.
Com a revisão do texto, o projeto já não pede mais uma comissão de inquérito internacional para a situação nos EUA nem mesmo menciona os Estados Unidos.
Em termos gerais, o projeto pede agora que a alta comissária de Direitos Humanos, Michelle Bachelet, realize uma apuração para "estabelecer os fatos e circunstâncias relacionados ao racismo sistêmico, as supostas violações do direito internacional em matéria de direitos humanos e ao mau-trato de africanos e pessoas de origem africana".
Na abertura do debate, nesta quarta, Bachelet denunciou, sem mencionar os EUA, a "violência racial, o racismo sistêmico e as práticas policiais discriminatórias da atualidade", que ela considerou um legado do comércio de escravos e do colonialismo.
Ela afirmou ser a favor de reparações de várias formas. Ao se referir a Floyd, Bachelet disse que "esse ato gratuito de brutalidade passou a simbolizar o racismo sistêmico, que prejudica milhões de pessoas de ascendência africana".
Presente no debate por meio de uma mensagem de vídeo, o irmão de George Floyd, Philonise Floyd, pediu à ONU que ajude os americanos negros com a "criação de uma comissão independente de inquérito" sobre a violência policial. "Vocês têm o poder de nos ajudar a obter justiça", disse.
O embaixador do EUA na ONU em Genebra, Andrew Bremberg, disse que seu país não está "acima de um escrutínio" em questões de discriminação racial, mas que está implementando reformas. Ele destacou o decreto assinado nesta terça-feira pelo presidente Donald Trump, o qual oferece incentivos financeiros aos departamentos de polícia que melhorem seus padrões de treino no uso da força.
Trump tem poder limitado sobre as polícias, que são sobretudo de responsabilidade dos estados e das cidades.
Milhares se manifestaram nos Estados Unidos e até no Canadá contra o maltrato sistêmico de negros pela polícia, redundando em confrontações violentas. Trump contribuiu para acirrar os ânimos.
Foto: picture-alliance/AP Photo/J. Cortez
"Não consigo respirar"
Protestos tensos contra décadas de brutalidade policial perante cidadãos negros se alastraram rapidamente de Minneapolis a outras localidades dos Estados Unidos. As manifestações começaram na cidade do centro-oeste após a morte do afro-americano George Floyd, de 46 anos: em 25/05/2020, um policial o algemou e pressionou o joelho em seu pescoço até ele parar de respirar.
Foto: picture-alliance/newscom/C. Sipkin
De pacífico a violento
No sábado, os protestos foram basicamente pacíficos, mas se tornaram violentos com o avançar da noite. Em Washington, a Guarda Nacional foi mobilizada diante da Casa Branca. Tiroteios no centro de Indianápolis deixaram pelo menos um morto: segundo a polícia, não havia agentes envolvidos. Policiais ficaram feridos em Filadélfia. Em Nova York, dois veículos da polícia avançaram contra uma multidão.
Foto: picture-alliance/ZUMA/J. Mallin
Saques e destruição
Em Los Angeles, manifestantes enfrentaram com brados de "Black Lives Matter!" (Vidas negras importam) os agentes da lei armados de cassetetes e revólveres com balas de borracha. Na cidade, assim como em Atlanta, Nova York, Chicago e Minneapolis, os protestos se transformaram em revoltas de massa, com saques e destruição de estabelecimentos comercias.
Foto: picture-alliance/AP Photo/C. Pizello
Provocador de Estado
O então presidente Donald Trump ameaçou enviar militares para abafar os protestos: "Minha administração vai parar a violência de massa, e de uma vez só", anunciou, acirrando as tensões nos EUA. Apesar de ele ter culpado supostos grupos de extrema esquerda pelas agitações, o governador de Minnesota, Tim Walz, citou diversos relatos de que supremacistas brancos estariam incitando o conflito.
Foto: picture-alliance/ZUMA/K. Birmingham
Mídia na mira da polícia
Diversos jornalistas que cobriam os protestos foram atacados por policiais. Na sexta-feira (29/05), o correspondente da CNN Omar Jimenez e sua equipe foram presos em Minneapolis. A polícia local também atirou na direção de Stefan Simons, da DW, quando ele se preparava para transmitir ao vivo, na noite de sábado. Outros repórteres foram alvejados com projéteis ou detidos quando estavam no ar.
Foto: Getty Images/S. Olson
Além das fronteiras
As manifestações chegaram até o Canadá: no sábado milhares marcharam pelas ruas de Vancouver e Toronto. Nesta cidade, os participantes também lembraram a morte da afro-canadense Regis Korchinski-Paquet, de 29 anos, na quarta-feira (27/05), caída da varanda de seu apartamento no 24º andar, onde se encontrava só com policiais.
Foto: picture-alliance/NurPhoto/A. Shivaani
#GeorgeFloyd
Milhares também desfilaram diante da embaixada dos Estados Unidos em Berlim, manifestando indignação contra o homicídio de Floyd e o racismo sistêmico.
Foto: picture-alliance/AP Photo/M:.Schreiber
Casa Branca cercada
A Força Nacional fez um cordão de isolamento, no domingo, para proteger a Casa Branca. O presidente Trump chegou a ser levado para um bunker na sede do Executivo, que foi alvo de manifestações por dias.
Foto: Reuters/J. Ernst
Soldados em Washington
Após Trump anunciar o uso de soldados para conter as manifestações, o Pentágono deslocou cerca de 1.600 militares para a área de Washington para apoiar as forças de segurança da capital caso seja necessário, diante dos protestos que marcaram uma semana da morte de Floyd. Na Alemanha, o ministro do Exterior, Heiko Maas, criticou a ameaça de Trump de usar militares armados contra os manifestantes.
Foto: Getty Images/AFP/W. McNamee
Recado de Obama
No dia em que a procuradoria endureceu as acusações contras os quatro policias envolvidos na ação, o ex-presidente dos EUA Barack Obama disse que protestos refletem "mudança de mentalidade" no país e incentivou os jovens a continuar realizando as manifestações. "Espero que (os jovens) sintam esperança, ao mesmo tempo que estão indignados, porque eles têm o poder de mudar as coisas", afirmou.
Foto: Reuters/J. Skipper
Funeral reúne centenas em Minneapolis
Centenas participaram de uma cerimônia fúnebre em homenagem a George Floyd em 04/06. Elas ficaram em silêncio por 8 minutos e 46 segundos, tempo em que Floyd ficou com o pescoço prensado pelo joelho de um policial. "É hora de nos levantarmos em nome de Floyd e dizer: tirem o seu joelho dos nossos pescoços", afirmou o reverendo e ativista pelos direitos civis Al Sharpton (foto) durante o funeral.