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Brasil homofóbico?

23 de agosto de 2011

País que sedia a maior parada gay do mundo é também o líder no assassinato de homossexuais. Ativistas falam à Deutsche Welle sobre os riscos de ser gay no Brasil e avaliam se o país passa por uma onda de homofobia.

Parada gay em São Paulo, a maior do mundo
Parada gay em São Paulo, a maior do mundoFoto: AP

Segundo o antropólogo Luiz Mott, fundador da mais antiga associação de defesa dos direitos humanos dos homossexuais no Brasil – o Grupo Gay da Bahia (GGB) – e um dos mais respeitados ativistas gays brasileiros, o Brasil é um país contraditório no que se refere à questão dos gays, lésbicas e transgêneros.

"Ao mesmo tempo que temos um lado cor-de-rosa, representado pela maior parada gay do mundo, que se realiza em São Paulo com mais de 3 milhões de pessoas, e temos mais de 200 grupos gays funcionando no país, temos um lado vermelho-sangue representado pelos assassinatos, pelas agressões contra os homossexuais no país", afirma.

Segundo relatório do Grupo Gay da Bahia, 260 homossexuais e travestis foram assassinados no ano passado em todo o país. O Brasil é assim o país com maior número de assassinatos de gays, lésbicas e travestis. Segundo o relatório do GGB, um homossexual é morto a cada 36 horas e esse tipo de crime aumentou 113% nos últimos cinco anos. Este ano, até o momento, foram registrados 144 mortes de gays, lésbicas e travestis, disse Mott à Deutsche Welle.

Além do maior índice mundial de assassinatos de gays, lésbicas e travestis, acontecimentos recentes envolvendo a situação do grupo LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, travestis e transgêneros) no Brasil podem levar a crer que uma onda de homofobia se instalou recentemente no país.

Escola sem homofobia

Em maio último, a presidente Dilma Rousseff determinou a suspensão da produção e distribuição do kit "Escola sem homofobia", que estava em planejamento no Ministério da Educação e deveria ser distribuído em milhares de escolas públicas brasileiras. O assim chamado kit anti-homofobia vetado por Dilma continha cartilha, cartazes, folders e vídeos educativos. O kit gerou polêmica e agora está sendo revisado, após reações de setores conservadores da política e da sociedade brasileiras.

Segundo Mott, esse foi "um material planejado com muito cuidado, onde se gastou mais de 2 milhões de reais e que teve a participação da Unesco, do Conselho Federal de Psicologia e de outras entidades, e que foi vetado por influência, por pressão do que existe de pior na política brasileira, que são deputados evangélicos conservadores e intolerantes".

Ao vetar o kit anti-homofobia, que deveria chegar a mais de 6 milhões de adolescentes e mais de 300 mil professores, o fundador do Grupo Gay da Bahia disse que a presidente Dilma Rousseff deu um mau exemplo em meio a um aumento extremamente preocupante da intolerância gerada pela homofobia.

Violência mais visível

Para Márcio Marins, presidente da organização Dom da Terra, ONG direcionada a gays afrodescendentes e adeptos de religiões de matriz africana, a "onda de homofobia, lesbofobia, transfobia no Brasil não aumentou, ela simplesmente está mais visível que em outros tempos".

Marins diz crer que, com os avanços de algumas políticas para esse segmento da população – lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais –, os setores conservadores têm levantado mais a voz e procurado dar mais visibilidade às suas posições, que incluem "negar os direitos LGBTs".

Marins disse não acreditar que o índice de violência tenha aumentado no Brasil. "O que aumentou foi o número de denúncias", afirmou o ativista à Deutsche Welle.

Triste título

Outra grande polêmica em torno da situação dos homossexuais no Brasil é a não aprovação de um projeto de lei que criminalize a homofobia no Brasil. O projeto precisa ser votado no Senado Federal, mas enfrenta oposição de setores conservadores no Senado e de segmentos de fundamentalistas religiosos.

Segundo levantamento do GGB, nos últimos anos o Brasil tem sido o campeão mundial de assassinatos de homossexuais. São mais de 3.500 assassinatos nos últimos 30 anos, atingindo, em 2010, 260 homicídios. Desses, aproximadamente 70% eram gays, 25% eram travestis e 5%, lésbicas.



O segundo país mais violento é o México, com uma média de 35 assassinatos anuais. Em terceiro lugar estão os Estados Unidos, com 25. "O Brasil tem 100 milhões de habitantes a menos do que os EUA, mas registra 10 vezes mais assassinatos de gays e travestis por ano", disse Mott, acrescendo que menos de 10% desses assassinatos são esclarecidos pela polícia e vão a julgamento na Justiça. "Essa impunidade, com certeza, estimula novos assassinatos, o que torna a situação, a vida dos homossexuais no Brasil muito perigosa, muito arriscada."

Mott apontou que o "que é interessante e chocante" é que o número de prostitutas é muito maior no Brasil, mas as travestis são muito mais frequentemente assassinadas do que as prostitutas, o que revela que por trás desses crimes está de fato a homofobia, na medida em que as pessoas consideram que a travesti é um homossexual. "Tais pessoas são levadas à violência por causa da homofobia cultural que domina no Brasil", afirma o antropólogo.

Forças conservadoras

Mott lembra que tanto deputados quanto senadores dependem do voto dos eleitores para serem eleitos. "Para não ofender eleitores mais conservadores, católicos ou evangélicos, os parlamentares evitam apoiar projetos polêmicos, como a questão do aborto e a questão da equiparação da homofobia ao racismo", argumenta.

Para o antropólogo, seria lógico que a discriminação racial e a discriminação sexual fossem punidas com o mesmo rigor e com as mesmas penas. "Mas infelizmente existe no Brasil uma hipersensibilidade em relação à questão racial e uma indiferença em relação à violência, à discriminação contra os homossexuais. Nós não queremos privilégios, queremos direitos iguais, nem menos nem mais, e que a discriminação por homofobia tenha o mesmo tratamento que os crimes de racismo", afirma.

Para Marins, considerando que o racismo é muito presente no Brasil e "que a homofobia tem matado da maneira que tem matado, nós não demoramos a concluir que lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais, se forem negros e se forem de religião de matriz africana, vão sofrer ainda mais preconceito do que um gay branco de classe média, bem posicionado profissionalmente."

Dia do Orgulho Hétero

Naquilo que pode ser entendido como uma reação de forças conservadoras às conquistas homossexuais, no início de agosto a Câmara Municipal de São Paulo aprovou o projeto que cria o Dia do Orgulho Heterossexual. Dos 50 vereadores presentes, somente 19 se manifestaram contra.

No entanto, o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, anunciou que irá vetar o projeto do Dia do Orgulho Hétero aprovado pela Câmara Municipal, alegando que o heterossexual, por não ser minoria, não sofre preconceito e ameaças e "não precisa de dia para se afirmar".

Para Kassab, Dia do Orgulho Heterossexual é dispensávelFoto: AP
Manifestação contra a homofobia no BrasilFoto: picture alliance/dpa
Gilberto Gil condecora Luiz Mott, fundador do Grupo Gay da BahiaFoto: by-sa Teia 2007

Também a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) lançou nota afirmando que a data é desnecessária. O projeto é de autoria do vereador Carlos Apolinario, membro da igreja evangélica Assembleia de Deus.

Luz no fim do túnel

Marins diz ter muito cuidado ao falar sobre quem são os religiosos fundamentalistas que lutam contra os direitos dos homossexuais e travestis no Brasil. "Não posso generalizar que são cristãos, até porque há tanta igreja cristã – protestante ou católica –, há tantas lideranças que trabalham muito bem conosco, respeitando os nossos direitos."

O presidente da ONG Dom da Terra explica que se trata de algumas lideranças, baseadas em dogmas religiosos, que têm influência direta no Congresso Nacional, sobre um grande número de deputados e senadores. E com a justificativa da garantia do direito da família, vêm tirando os direitos LGBTs, "como se os LGBTs também não fossem filhos de uma família e não formassem também novas constituições familiares".

"Nós formamos famílias", conclui Marins. E, nesse contexto, em meio às notícias negativas sobre a situação dos homossexuais no Brasil, a aprovação unânime pelo Supremo Tribunal Federal de Brasília da equiparação da união estável homoafetiva à união heterossexual, em maio último, pode ser vista como uma contrapartida e demonstra, segundo Mott, que o Poder Judiciário no Brasil é o mais moderno, o mais afinado com os direitos humanos de grupos minoritários, entre eles os homossexuais.

Autor: Carlos Albuquerque
Revisão: Alexandre Schossler

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