Dezenas de grupos criminosos já foram catalogados e identificados por especialistas e serviços de inteligência dos governos federal e estaduais, mas não há números oficiais.
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O Departamento Penitenciário Nacional (Depen) afirma não ter dados oficiais e recentes sobre as facções criminosas no Brasil, suas origens, áreas de influência e operação. Especialistas em segurança pública e violência urbana no Brasil, no entanto, acreditam que pode haver no país cerca de 30 organizações criminosas mais poderosas com atuação dentro e fora dos presídios. Para a coordenação nacional da Pastoral Carcerária, esse número é subestimado.
A DW Brasil levantou as facções citadas em relatórios de comissões parlamentares de inquérito (CPIs) e em mapeamentos mais recentes divulgados por estudiosos do tema, com base em cruzamentos de dados dos serviços de inteligência da Polícia Federal e secretarias de segurança pública estaduais. De acordo com esses dados, há pelo menos 83 organizações de presos no Brasil, a maioria com atuação estadual e local.
Apenas o Primeiro Comando da Capital (PCC), que teve origem em São Paulo, tem atuação em todas as 27 unidades da federação. O Comando Vermelho (CV), primeira grande facção criminosa a surgir no Brasil, atua, além do Rio de Janeiro, de onde é originário, em outros 14 estados.
Agentes da Pastoral Carcerária afirmam que o número de facções é subestimado pelas autoridades governamentais sobretudo porque muitas delas têm vida curta, surgem e desaparecem ao longo de meses ou até mesmo semanas. Além disso, muitos desses grupos não necessariamente se organizam para a promoção de crimes. Por conhecerem de perto a vida e a dinâmica nos presídios, os agentes da Pastoral afirmam ainda que nem todas as facções possuem ligação direta com o tráfico de drogas. Há, por exemplo, organizações dos presos feitas com base apenas em preceitos religiosos, como a Seita Satânica, na Paraíba.
Muitas facções usam siglas de identificação. Nem todas possuem uma hierarquia organizada, e muitas são passageiras, pequenas e desorganizadas. Estas são as conhecidas:
1) PCC – Primeiro Comando da Capital
É considerada uma das mais fortes e organizadas facções criminosas do país. Estudiosos afirmam que ela teria surgido em 1993, dentro do presídio de Taubaté, em São Paulo, com estatuto e organização hierárquica. O objetivo central do PCC, inicialmente, era contestar o tratamento dado aos presos e exigir melhores condições no sistema carcerário. Com o tempo, o PCC passou a atuar no tráfico de drogas e a desempenhar ações criminosas dentro e fora das prisões. Em 2006, a facção amedrontou o estado de São Paulo e paralisou a maior cidade do país, com ataques em unidades prisionais e fora delas, atingindo centenas de civis. Hoje, o PCC opera em rotas internacionais do tráfico e teria atuação em todas as 27 unidades da federação.
2) CV – Comando Vermelho
Surgiu em 1979, no presídio da Ilha Grande (RJ). De acordo com o ex-secretário de Segurança do Rio José Mariano Beltrame, é uma facção totalmente desorganizada, extremamente violenta e bélica. Organizações e estudiosos do sistema carcerário afirmam que o CV e o PCC fizeram, nos últimos anos, uma aliança tácita que teria acalmado a tensão dentro dos presídios. Porém, esse "acordo de cavalheiros" foi rompido nos últimos dois anos. Não se sabe ao certo a razão do rompimento, mas ele foi detectado por serviços de inteligências nos estados onde as facções atuam, e as autoridades já sabiam da existência deste foco de tensão há meses. Com forte atuação, além do Rio, em Roraima, Rondônia, Acre, Pará, Amapá, Tocantins, Maranhão, Ceará, Bahia, Espírito Santo, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso do Norte e Distrito Federal.
3) FDN - Família do Norte
Facção é mais recente e teria se organizado em presídios do Norte. Aproximou-se do Comando Vermelho e seria, em tese, rival do PCC. A Família do Norte é uma facção que estaria ligada às últimas rebeliões em Manaus, Roraima e Rio Grande do Norte. Atua nos seguintes estados: Amazonas, Roraima, Pará.
Outras facções e grupos organizados de presos e os estados onde atuam:
4) TCC – Terceiro Comando da Capital (SP, RJ)
5) CRBC – Comando Revolucionário Brasileiro da Criminalidade (SP)
6) CDL – Comando Democrático da Liberdade (SP)
7) Seita Satânica (SP)
8) PCMS – Primeiro Comando do Mato Grosso do Sul (MS, ligada ao PCC),
9) Manos (MS, RS)
10) TC – Terceiro Comando (RJ, BA)
11) ADA – Amigos dos Amigos (RJ, CE, ES)
12) IDI – Inimigos dos inimigos (RJ)
13) Amigos de Israel (RJ)
14) Bonde dos 40 (AM, PI)
15) Primeiro Comando do Norte (AM, RR, CE
16) 300 Espartanos (AM,
17) Primeiro Comando da Mariola (RR)
18) Equipe Rex (PA)
19) Bonde dos 30 (PA)
20) Comando Classe A (PA)
21) GDA - Gangue da Ponte (AP)
22) Primeiro Comando do Maranhão (MA)
23) Bondinho da Ilha (MA)
24) Primeiro Grupo do Estreito (MA)
25) B40 – Bando dos 40 (MA)
26) ADM – Anjos da Morte (MA)
27) COM – Comando Organizado do Maranhão (MA)
28) Bonde dos 300 (MA)
29) PCM - Primeiro Comando de Campo Maior (PI)
30) PCE – Primeiro Comando de Esperantina (PI)
31) Facção Criminosa de Teresina (PI)
32) Guardiões do Estado (CE)
33) PCN - Primeiro Comando de Natal (RN)
34) SDC - Sindicato do Crime (RN, PB)
35) Al-Qaeda (PB)
36) Estados Unidos (PB)
37) Comando Norte/Nordeste (PE)
38) Firma (AL)
39) PCM - Primeiro Comando Metropolitano (SE)
40) Comando da Paz (SE, BA)
41) Bonde do Maluco (BA)
42) DPM (BA)
43) MPA (BA)
44) Bonde do Ajeita (BA)
45) Katiara (BA)
46) Comando da Perna (BA)
47) Caveira (BA)
48) Comando Mineiro de Organizações Criminosas (MG)
49) PJL - Paz, Justiça e Liberdade (MG)
50) Primeiro Comando Mineiro (MG)
51) Primeiro Comando das Minas Gerais (MG)
52) Milícias (RJ)
53) Povo de Israel (RJ)
54) Primeiro Comando de Vitória (ES)
55) CJVC – Comando Jovem Vermelho da Criminalidade (SP)
57) Gaviões da Fiel (SP)
58) Cerol Fino (SP)
59) Comissão Democrática da Liberdade (SP)
60) PGC – Primeiro Grupo Catarinense (SC)
61) PCRV – Primeiro Crime Revolucionário Catarinense (SC)
62) CL – Comando Leal (SC)
63) Serpente Negra (SC)
64) PL- País Livre (SC)
65) PGO – Primeiro Grupo de Oposição (SC)
66) FRC (Força Revolucionária Catarinense)
67) Bala na Cara (RS)
68) Os Tauras (RS)
69) V7 (RS)
70) Os Abertos (RS)
71) Unidos Pela Paz (RS)
72) CPC – Comando Pelo Certo (RS)
73) Amigos Leais (RS)
74) Primeiro Comando do Paraná (PR)
75) Primeiro Comando da Liberdade (MS)
76) Grupo G (MS)
77) PLD - Paz, Liberdade e Direito
78) Bad Boys (MT)
79) Baixada Cuiabana (MT)
80) Comando Verde (MT)
81) Amigos Leais (RO)
82) Crime Popular (RO)
83) Bonde dos 13 (AC)
Cronologia da crise nos presídios
Ano de 2017 começa com crise inesperada para o governo Temer: na primeira quinzena de janeiro, 120 presos são barbaramente assassinados dentro de presídios do norte do país, com ação de facções criminosas.
Foto: Reuters/J. Goncalves
Eles se matam, e a polícia não age
1º de janeiro: presos iniciam uma rebelião no Complexo Penitenciário Anísio Jobim, em Manaus. A polícia decide não entrar para conter o massacre. Autoridades locais alegam que tomaram tal decisão para evitar uma tragédia semelhante à do Carandiru, quando 111 presos morreram num motim com a ação policial, em São Paulo, em 1992.
Foto: picture-alliance/Zumapress/A Critica
56 mortos, corpos decapitados e esquartejados
2 de janeiro: a Secretaria de Segurança Pública do Amazonas divulga o número de mortos: 56 presos assassinados, boa parte deles decapitada e esquartejada. Foram mais de 17 horas de massacre. As autoridades de Manaus atribuem a tragédia à disputa entre as facções criminosas Primeiro Comando da Capital (PCC) e Família do Norte (FDN). Em desespero, famílias aguardam identificação de corpos.
Foto: Reuters/M. Dantas
"Tudo sob controle"
3 de janeiro: o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, visita o Complexo Anísio Jobim, onde aconteceu a rebelião de Manaus, e diz que situação está "sob controle". Moraes afirma que governo não corrobora a tese de confronto entre facções. Uma rebelião como a de Manaus, diz, é provocada por um somatório de fatos que ainda precisariam ser analisados pelo governo.
Foto: Isaac Amorim/Ministerio da Justica e Cidadania
"Ninguém ali era santo"
4 de janeiro: o governador do Amazonas, José Melo de Oliveira (Pros), faz uma declaração chocante sobre a matança no presídio: "Não tinha nenhum santo. Eram estupradores, matadores (...) e pessoas ligadas a outra facção, que é minoria aqui no Estado do Amazonas". O governo estadual decide, só depois da tragédia, retirar os presos ameaçados de morte e transferi-los para outro local.
Foto: Divulgacao/SECOM/H. Pereira
Protagonismo do Supremo
5 de janeiro: a presidente do Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia, assume um papel de protagonismo na crise. Um dia após a tragédia, ela decide viajar a Manaus e afirma que a situação é explosiva. No Amazonas, faz reuniões com juízes e desembargadores. Por orientação dela, o Conselho Nacional de Justiça monta uma força-tarefa para supervisionar as medidas do estado do Amazonas sobre a crise.
Foto: Divulgacao/SCO/STF
"Mais do mesmo"
5 de fevereiro: o governo anuncia o Plano Nacional de Segurança em resposta à crise. O ministro da Justiça apresenta, entre as medidas, a construção de cinco presídios de segurança máxima, sem detalhar custos e prazos. Especialistas ouvidos pela DW dizem que programa reedita propostas dos governos Lula e Dilma, é genérico e não dá nova perspectiva para o fim do aprisionamento em massa.
Foto: Isaac Amorim/Ministerio da Justiça e Cidadania
O silêncio e o acidente
5 de janeiro: o presidente Michel Temer faz o primeiro comentário sobre as mortes, referindo-se aos massacres como "acidente pavoroso". "Eu quero me solidarizar com as famílias que tiveram seus presos vitimados naquele acidente pavoroso que ocorreu no presídio de Manaus." O presidente, que já tinha sido criticado por seu silêncio e omissão, foi reprovado pelo uso da palavra acidente.
Foto: Marcelo Camargo/Agencia Brasil
Em Roraima, outra barbárie
6 de janeiro: na madrugada, outro massacre é iniciado, desta vez na penitenciária Agrícola Monte Cristo, em Roraima. Mais 33 presos são mortos. O governo classifica as mortes de barbárie e diz não ter indícios claros se o massacre tem relações com vingança de facção criminosa.
Foto: Getty Images/AFP/V. Almeida
Baixa no governo
6 de janeiro: a crise penitenciária produz a primeira baixa no governo. O secretário nacional de Juventude, Bruno Júlio, é demitido após declarações polêmicas publicadas no "Globo". "Tinha que fazer uma chacina por semana", teria dito. Ele negou ter feito a afirmação. À "Folha de S. Paulo", disse: "Fico triste porque não estão dando tanta importância para as pessoas de bem que morrem todo dia".
Foto: Divulgacao/JPMDB
A matança continua
8 de janeiro: mais quatro presos são mortos em novo motim no Amazonas. A rebelião, desta vez, é na Cadeia Pública Desembargador Raimundo Vidal Pessoa, no centro de Manaus. Três detentos são decapitados, e um foi morto por asfixia.
Foto: Agência Brasil/Marcelo Camargo
Reforço tardio
9 de janeiro: o governo federal autoriza envio de cem homens da Força Nacional de Segurança a Manaus e outros cem para Roraima. Ministro da Justiça se compromete a atender pedidos de sete estados das regiões Norte e Centro-oeste para auxiliar no policiamento e segurança, autorizando transferência de presos para penitenciárias federais e liberando recursos.
Foto: Marcelo Camargo/Agencia Brasil
Após a tragédia, a tentativa de controle
10 de janeiro: a Secretaria de Estado de Administração Penitenciária e a PM do Amazonas fazem revistas nas unidades prisionais da capital. A ação dos policiais foi iniciada no dia 5. Na ala dos presos que cumprem regime semiaberto do Complexo Penitenciário Anísio Jobim são encontrados pen-drives, walkie-talkies, cabos telefônicos, celulares, alicates, facas, martelos e outras ferramentas.
Foto: Bruno Zanardo/Secom
Mais um capítulo da crise: 26 mortos no RN
15 de janeiro: um novo motim ocorre no presídio de Alcaçuz, na cidade de Nísia Floresta, região metropolitana de Natal. O governo do estado confirmou a morte de 26 detentos. Assim como em outras rebeliões do Norte, os corpos estavam desfigurados. A perícia levará 30 dias para fazer as identificações. Após a rebelião, presos foram revistados nus. Houve auxílio da Força Nacional de Segurança.
Foto: picture-alliance/dpa/F. Marcone
Confusão sem fim em Alcaçuz
16 de janeiro: Um dia após o motim que terminou com ao menos 26 mortos, a penitenciária de Alcaçuz (RN) volta a ser palco de tumultos. Em dia de "clima tenso”, um grupo de detentos voltou a ocupar os telhados dos pavilhões e proferir ameaças contra facções rivais de dentro do presídio. Agentes da PM, do Bope e do GOE não conseguiram controlar a situação. A Força Nacional teve de ser acionada.
Foto: Reuters
Onda de rebeliões chega a Minas Gerais
17 de janeiro: Cerca de 1.200 detentos do presídio Antônio Dutra Ladeira, em Ribeirão das Neves (MG), anunciam um motim para reivindicar a saída do diretor da prisão e a melhora no tratamento de familiares e presos. Em vídeos que circulam pela internet, eles ameaçam uma carnificina caso não sejam ouvidos. "Vai morrer muita gente, o massacre vai começar", diz um dos presos encapuzado de vermelho.
Foto: Quelle: Youtube/Portal O TEMPO
Forças Armadas entram nos presídios
17 de janeiro: Governo autoriza que as Forças Armadas passem a inspecionar materiais proibidos, como armas e drogas, dentro dos presídios estaduais. A segurança interna continua, porém, sob responsabilidade de agentes penitenciários e policiais. Segundo a presidência, a "operação visa restaurar a normalidade e os padrões básicos de segurança nos estabelecimentos carcerários brasileiros."
Foto: picture-alliance/AP Photo/E. Peres
Agentes penitenciários protestam por trabalho
17 de janeiro: Em Brasília, agentes penitenciários reivindicam a contratação de profissionais aprovados em concursos públicos e melhores condições de trabalho. Segundo a Federação Brasileira dos Servidores Penitenciários, o Brasil teria de aumentar em 30 vezes o número de agentes penitenciários para atender à recomendação nacional de um agente para cada cinco presos.
Foto: Agência Brasil/M. Casal Jr.
Caos chega às ruas de Natal
18 de janeiro: Na capital Natal, ao menos 14 ônibus, dois micro-ônibus, um carro do governo, cinco viaturas da polícia, duas delegacias e um prédio de uma secretaria de Saúde foram alvos de atos criminosos. O vandalismo ocorreu depois de 220 detentos terem sido transferidos do presídio de Alcaçuz (RN). A polícia também registrou quebradeiras nas cidades de Macau, Parnamirim e Caicó.
Foto: Reuters/J. Goncalves
Proteção às fronteiras
19 de janeiro: O ministro da Defesa, Raul Jungmann, visita o Sistema Integrado de Sensoriamento em Dourados (MS), próximo à fronteira com o Paraguai. O governo investirá 450 milhões de reais no Sisfron, que usará radares e câmeras para monitorar os mais de 16 mil km de fronteiras contra o narcotráfico. O Brasil é hoje o principal ponto de saída de cocaína produzida na América do Sul para a Europa.
Foto: Agência Brasil/V. Campanato
Campo de guerra em Alcaçuz
19 de janeiro: A confusão no presídio de Alcaçuz, em Nísia Floresta (RN), pulou os muros da penitenciária e chegou às ruas de Natal e cidades próximas, que foram palco de ao menos 26 veículos incendiados e diversos prédios apedrejados. Militares foram acionados para tomar o controle da segurança nas cidades.