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"Brasil terá dificuldade em achar outro mercado para o aço"

Fernando Caulyt
2 de março de 2018

Em entrevista à DW, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil comenta os efeitos da sobretaxa de Trump no país – que pode ter que concorrer com nações como China e Rússia na busca por novos mercados.

ThyssenKrupp Stahlwerk in Brasilien
Siderúrgica na Baía de Sepetiba, no Rio de Janeiro: Brasil é segundo maior exportador de aço para o mercado americanoFoto: picture-alliance/dpa

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou nesta quinta-feira (01/03) que o país aplicará uma sobretaxa de 25% sobre as importações de aço e de 10% sobre as de alumínio – uma medida que visa atingir a China, maior produtor mundial desses dois produtos, mas promete afetar também o Brasil, que é o segundo maior exportador de aço para o mercado americano.

Para José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), se a medida incluir o aço brasileiro, o país deverá ter uma queda de 30% nas exportações do produto para os EUA e, ao mesmo tempo, terá que concorrer com China e Rússia na busca por novos mercados.

"Nações poderão também tomar precauções para evitar essa 'invasão'. O Brasil vai querer aumentar suas exportações, mas a sobretaxa contra o aço russo e chinês pode fazer com que Moscou e Pequim queiram vender seus produtos também para os brasileiros", frisou Castro.

DW: Qual é o impacto da taxa sobre as exportações brasileiras de aço?

José Augusto de Castro: As exportações brasileiras de aço para os EUA representaram um valor de cerca de 2,6 bilhões de dólares em 2017, sendo 1,8 bilhão de dólares em produtos semiacabados e 790 milhões de dólares em acabados. No meu cálculo, como os detalhes da medida ainda não foram oficializados, pode haver uma queda em torno de 30% na exportação dos acabados, que seriam os produtos visados com essa taxa americana. Eu acredito que os semiacabados não entrariam na medida, pois eles são uma matéria-prima muito importante para as siderúrgicas americanas.

Mesmo com a sobretaxa, pode ser que algumas empresas continuem comprando o produto brasileiro, seja pela qualidade, preço, fidelidade ou por conta dos contratos que estão sendo firmados neste momento e que, teoricamente, terão que ser cumpridos.

O Brasil e outros países devem adotar represálias contra os EUA se a medida for oficializada na semana que vem?

Neste primeiro momento, todos os países dizem que vão adotar represálias. Mas, entre falar e fazer, efetivamente há uma distância muito grande, pois eles têm receio de haver outras sanções pelo lado americano e isso afetar ainda mais o comércio bilateral. Nações que têm menos poder econômico, como o Brasil, sempre pensam duas vezes antes de adotar medidas contra uma nação que tem um peso econômico muito grande. Assim, evita-se até o último momento tomar uma medida – salvo se não tiver outro jeito.

Os EUA são o principal mercado (35%) de todas as exportações de aço brasileiro. Claro que há alternativas de tentar vender o produto para outros países, mas isso demandará muito trabalho e custo, pois as empresas encontrarão um mercado muito pulverizado.

Quais mercados o Brasil pode visar caso os EUA coloquem em prática a sobretaxa?

O Brasil poderá buscar mercados na América do Sul, Oriente Médio e África que não têm siderúrgicas ou empresas com capacidade suficiente. Mas os brasileiros não conseguiriam exportar uma grande quantidade para um país com os mesmos 35% da produção de aço que vai atualmente para os EUA. Ao mesmo tempo, China e Rússia também se tornarão mais agressivos na busca por mercados alternativos, que ficarão pequenos para receber o excesso de capacidade de vendas que os demais países teriam.

Nações poderão também tomar precauções para evitar essa "invasão". O Brasil vai querer aumentar suas exportações, mas a sobretaxa contra o aço russo e chinês pode fazer com que Moscou e Pequim queiram vender seus produtos também para os brasileiros.

O Brasil poderá usar o carvão mineral para barganhar com os EUA e ficar de fora da elevação da taxa de importação do aço?

O carvão dos EUA é um dos principais componentes da indústria siderúrgica brasileira e, se a produção de aço registrar uma queda, o Brasil diminuirá a compra desse produto dos EUA. E esse argumento pode demover os EUA de incluir o Brasil na lista de países que terão o aço sobretaxado.

Ao mesmo tempo, se compararmos o quanto o Brasil exporta com a China e a Rússia, a nossa participação é muito pequena. Pode ser que os EUA resolvam brigar com dois países em vez de um grupo de doze países que Washington pretende impor restrições.

Por que essa medida é, mais do que tudo, uma resposta à China?

Apesar de ser somente a 11ª exportadora de aço para os EUA, a China é a maior produtora mundial de aço e alumínio do mundo. Ela inundou o mercado e forçou os produtores americanos a reduzirem fortemente seus preços.

Hoje, o país asiático produz mais de 50% do aço mundial e tem uma capacidade de produção ainda maior: existe um excedente de produção estimado em torno de 500 milhões de toneladas. Ou seja, se os chineses quiserem aumentar a produção, eles conseguem isso de uma hora para a outra. O objetivo de Trump é atingir a China, mas ele está atingindo o mundo como um todo.

Quais são as consequências dessa taxa sobre o aço para os EUA?

Recentemente, os EUA reduziram sua carga tributária para empresas de 35% para 20%, o que tornou o produto americano mais competitivo. Porém, essa taxa de 25% sobre o aço vai superar o ganho que os americanos tiveram com essa reforma tributária. Assim, a sobretaxa irá afetar os interesses dos EUA como exportador de produtos para o mundo, pois os produtos que demandam o aço em sua composição ficarão mais caros, o que poderá desestimular o investimento de empresas nos EUA.

As medidas adotadas por Trump não formam um conjunto de ações que se interconectam entre si: elas são medidas isoladas que são jogadas no ar e, depois, verifica-se se vai ter resultado ou não.

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