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"Brasil vive clima pré-Chávez"

Jan D. Walter (md)1 de junho de 2016

Cientista político alemão afirma que existe uma rejeição a toda a classe política brasileira, o que forma um cenário ideal para os populistas, como o visto na Venezuela no fim dos anos 1990 e na Itália pré-Berlusconi.

Protesto contra Michel Temer em São Paulo
Foto: Reuters/N. Doce

Nas três primeiras semanas de governo, o presidente interino Michel Temer viu dois de seus ministros caírem – o do Planejamento e o da Transparência. Ambos foram vítimas de gravações, sugerindo a intenção de interferir na Operação Lava Jato.

Em entrevista à DW, o cientista político Oliver Stuenkel afirma que, caso o governo Temer se torne insustentável e protestos cresçam, o presidente interino também pode sofrer um processo de impeachment.

Stuenkel ressalta, entretanto, que novas eleições podem ser um risco para o Brasil, onde, segundo ele, existe um clima parecido com a era pré-Berlusconi, na Itália, e com os acontecimentos que favoreceram a chegada ao poder de Hugo Chávez, na Venezuela.

"Apenas uma nova liderança que admita abertamente e lamente os erros do passado será capaz de evitar uma radicalização, tanto para a esquerda como para a direita", afirma Stuenkel, que é professor adjunto de Relações Internacionais da FGV e membro não residente do Instituto Global de Política Pública (GPPi), em Berlim.

DW: Dois ministros recém-nomeados renunciaram após gravações sugerirem o desejo deles de evitar que aliados políticos sejam investigados pela Lava Jato. Eles são apenas escolhas infelizes de Temer ou seria isso algo sintomático deste governo?

Oliver Stuenkel: Acho que isso é sintomático da política brasileira em geral. O aspecto incomum da situação atual é que as investigações sobre corrupção estão desestabilizando profundamente o governo e a política como um todo. É algo completamente novo no Brasil que investigações sejam independentes, que pessoas poderosas sejam levadas à Justiça. A Polícia Federal tem tanto apoio público no escândalo da Lava Jato que é impossível para o governo controlar as investigações. E essas revelações estão causando grande instabilidade, porque ninguém sabe o que vem a seguir.

A instabilidade política pode atrasar a recuperação econômica. No entanto, a incapacidade do governo para controlar as investigações sobre corrupção soa como coisa boa.

Elas são definitivamente um passo doloroso, mas necessário para um amadurecimento da democracia. E muitas pessoas esperam que este seja o início de uma política mais limpa. Mas uma regra de ciência política na América Latina diz: as pessoas se preocupam com a corrupção apenas quando o crescimento econômico é baixo. E crescimento econômico no Brasil agora é negativo. Então, o grande teste para a democracia brasileira virá quando os preços das commodities subirem, e a economia crescer novamente. Tradicionalmente, as pessoas no Brasil deixam os políticos corruptos escaparem, justificando que eles "roubam, mas fazem".

Você acha que têm razão aqueles que afirmam que Dilma foi removida do cargo mais por razões políticas do que pela alegada manipulação do orçamento?

Dilma certamente não caiu por causa das supostas pedaladas fiscais, mas porque fracassou em governar adequadamente. Se ela não tivesse caído por isso, tinha caído por outra coisa.

Cientista político Oliver StuenkelFoto: picture-alliance/dpa/Tass/S. Fadeichev

Então, mesmo o governo Temer tendo perdido muito de seu já minguado apoio, é improvável que Dilma volte?

Nem mesmo o Partido dos Trabalhadores (PT) de Dilma quer que ela volte, porque todo mundo sabe que ela foi uma péssima presidente. Ela pode ser uma boa pessoa, mas é uma péssima política. Tirando um grupo bastante radical, ela não tem apoio público e nenhuma autoridade política.

Então, o Brasil estaria caminhando para novas eleições?

Temer fez uma série de erros amadores em público. Ele pode simplesmente renunciar, mas a coisa mais provável de acontecer é a seguinte: se o governo Temer se tornar insustentável e protestos crescerem, os tribunais vão mover um processo de impeachment também contra o governo Temer. Não quero dizer que eles venham a emitir sentenças falsas, mas considero que eles têm um senso muito agudo de responsabilidade em evitar mais instabilidade. E há acusações contra ambos, Temer e Dilma, de terem financiado de forma ilícita suas campanhas presidenciais em 2014.

Quem tem interesse em novas eleições?

Isso é difícil de dizer. O PT está em péssima forma depois de tudo o que aconteceu, e o PSDB enfrenta uma batalha interna de poder. Mas há pressão da opinião pública: cerca de 70% da população brasileira querem novas eleições.

Considerando que não há aparentemente nenhum político com uma ficha limpa, em que novas eleições poderiam contribuir para uma maior estabilidade?

É fato que existe um tipo de pulverização na política brasileira e uma rejeição a toda a classe política – um cenário ideal para os populistas. No Brasil, há um clima pré-Berlusconi ou pré-Chávez. O mesmo aconteceu na Itália durante as investigações da Operação Mãos Limpas no início dos anos 90, que levaram à eleição de Silvio Berlusconi, e também na Venezuela, no processo que ajudou Hugo Chávez a se tornar presidente. Em novas eleições poderá haver dez ou mais candidatos, variando de moderados, como o ex-presidente Lula e seu adversário nas eleições de 2002, José Serra, até o radical de direita xenófobo Jair Bolsonaro. Com tantos candidatos, os radicais têm uma boa chance de avançar para um segundo turno, com apenas 10% dos votos. Essa é a grande preocupação no momento.

Essa é uma perspectiva bastante tenebrosa. Haveria uma mais favorável?

Embora eu tenha tendência em preferir eleições antecipadas, entendo o argumento de que deixar que Temer cumpra seu mandato possa ajudar a acalmar um pouco as coisas. Então, se o governo Temer levar o Brasil a sair da UTI, o governo eleito posteriormente pode levar o país a sair do hospital. Mas isso não vai acontecer até 2020.

E a longo prazo?

A grande maioria no Brasil rejeita a classe política dominante, mas continua a acreditar na democracia. Assim, será crucial para o Brasil que os grandes partidos moderados, o PT na centro-esquerda e do PSDB, na centro-direita, se renovem completamente. Apenas uma nova liderança que admita abertamente e lamente os erros do passado será capaz de evitar uma radicalização, tanto para a esquerda como para a direita.

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