"Brasil vive crise democrática profunda", diz imprensa alemã
Philip Verminnen30 de agosto de 2016
Jornais e sites da Alemanha dão como certa a destituição definitiva de Dilma, mas questionam se manobras orçamentárias são suficientes para o impeachment: "A democracia será posta à prova com a mudança no poder."
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A imprensa da Alemanha destaca, nesta terça-feira (30/08), o drama político envolvendo a última etapa do processo de impeachment contra Dilma Rousseff. Em geral, as matérias dão como certa a destituição definitiva do cargo, mas questionam se as manobras orçamentárias são suficientes para sacramentar o impeachment.
Os jornais destacam também a luta quase solitária pela sobrevivência política de Dilma e que o ex-presidente Fernando Collor de Mello, que renunciou em 1992 antes do desfecho total do processo, agora faz parte dos senadores que sentenciarão a petista.
Süddeutsche Zeitung: O drama de Dilma Rousseff próximo do fim
"No Brasil, país que antes viveu o milagre econômico, a presidente Dilma Rousseff está prestes a ser destituída definitivamente do cargo. Mas como a situação pôde chegar a este ponto? Uma tragédia em oito atos."
Em seu site, o diário alemão reserva três páginas a Dilma e a seu percurso como chefe de Estado. Separado em oito retrancas, o texto descreve a posse repleta de otimismo em 2011, as passeatas, as intrigas envolvendo o ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha, a tentativa frustrada de trazer seu mentor Luiz Inácio Lula da Silva de volta ao governo, as gravações de Michel Temer ensaiando discurso de posse, a juramentação do presidente interino, protestos na véspera da abertura dos Jogos Olímpicos e, por fim, o julgamento final no Senado.
"Nestes dias do fim de agosto, o Senado brasileiro não é mais um Senado, mas um tribunal. Os parlamentares se reúnem e expressam suas alegações contra Dilma Rousseff. O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, preside a sessão. As manobras orçamentárias, pelas quais Dilma Rousseff tem sido acusada, foram parcialmente admitidas pela presidente. Mas isso normalmente não seria suficiente para um impeachment.
Na segunda-feira, ela esteve no Senado para se defender. Mas as chances não são boas – a maioria dos senadores faz oposição à presidente. Há muitas indicações de que Temer será o novo presidente do Brasil – e, finalmente, chegará à sua meta."
Der Spiegel: A última luta de Dilma
"Dilma Rousseff está vivenciando provavelmente suas últimas horas como presidente do Brasil: tudo indica que ela será destituída do cargo. É o culminar de uma luta pelo poder sem precedentes.
Oficialmente, Dilma deve ser destituída da presidência por causa de manobras orçamentárias. Presidentes antes dela fizeram o mesmo, embora não em tão grande escala. O paradoxo é que muitos que impelem o impeachment de Dilma Rousseff estão afundados em escândalos. Dilma não enriqueceu no escândalo da Petrobras – provavelmente uma das poucas pessoas. Mas pode alguém que foi presidente do Conselho Administrativo da Petrobras realmente não ter sabido de nada?
Dilma perdeu gradualmente o apoio da classe política. Ele decepcionou seus eleitores com falsas promessas e não tem mais o apoio da população. Mesmo senadores que argumentam que as acusações de manobras orçamentárias são errôneas não acreditam que Dilma pode resolver a crise econômica. Muitos confiam mais em Temer, que planeja reformas.
De acordo com uma pesquisa, 62% dos brasileiros querem novas eleições. Mas a classe política não está interessada. Temer quer permanecer no cargo até 2018. Ele já distribuiu convites para a viagem à cúpula do G-20 na China. A partida está marcada para quarta-feira."
Die Zeit: Lutar até o fim
"Começou no Brasil o último ato do rito de impeachment da presidente Dilma Rousseff: com um discurso dramático da acusada perante o Senado.
O discurso de defesa é a conclusão de um drama político que abalou o Brasil por meses. O país mergulhou numa crise profunda de democracia que não acabará com a esperada destituição de Dilma. Ela sabe que deixará o cargo; que não tem nenhuma chance de trazer qualquer um no Senado para seu lado – a maioria necessária de senadores já se pronunciou contra ela.
O discurso de Dilma, portanto, não foi estabelecido para convencer seus juízes no Congresso. Ela discursou para seus seguidores que estavam em frente aos televisores no país: ela falou sobre seu papel de vítima no período da ditadura, de sua luta pelos economicamente desfavorecidos, pelas minorias. Assim, também foi um discurso para a história. O problema de Dilma é que esta história pode ser colocada de formas completamente diferentes – dependendo de quem é indagado no país."
Der Tagesspiegel: Maioria contra Dilma Rousseff quase certa
"São necessários 54 de 81 senadores. Cerca de 50 parlamentares já sinalizaram claramente o seu consentimento; uns 20 votarão contra o impeachment. Na história brasileira já ocorreu um processo semelhante. Assim como Dilma, Fernando Collor de Mello foi afastado da presidência da República em 1992.
Ele foi acusado de corrupção; já o caso de Dilma Rousseff envolve manobras orçamentárias para maquiar as contas do Estado. Em 1992, Collor renunciou pouco tempo antes da votação no Senado. Agora o ex-presidente é senador e também votará no rito de impeachment contra a presidente petista."
Der Stern: Como se pôde chegar a este ponto no Brasil?
"O Brasil enfrenta o histórico impeachment de sua presidente Dilma Rousseff. A democracia será posta à prova com a mudança no poder. E o país sofre com a ameaça de sua mais profunda recessão desde a década de 1930.
Dilma Rousseff goza de pouco apoio popular. Já em seu primeiro mandato houve protestos em massa. Uma Copa do Mundo cara, a economia estagnada e as duras condições de vida levaram o povo às ruas contra a presidente.
Somado a isso veio um enorme escândalo de corrupção envolvendo a Petrobras. Dilma chefiou o Conselho Administrativo da estatal petrolífera entre 2003 e 2010. Aparentemente, ela não esteve diretamente envolvida nas propinas. Mas o escândalo a arranhou politicamente.
Caso Dilma seja destituída, será o primeiro presidente do país que deixará o cargo desta forma. Em 1992, Fernando Collor de Mello renunciou antes da votação final – algo que Dilma sempre negou categoricamente a fazer."
A cronologia do processo de impeachment
Em dezembro de 2015, Eduardo Cunha dava início ao processo de impeachment da então presidente da República. De "carta-desabafo" à cassação de Dilma Rousseff, relembre os episódios que marcaram o julgamento.
Foto: Reuters/J. Marcelino
O aval
Em 2 de dezembro de 2015, o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, autorizou a abertura do processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff. A decisão foi tomada no mesmo dia em que a bancada do PT anunciou que votaria pela continuidade do processo de cassação de Cunha no Conselho de Ética, acirrando uma crise política já inflamada no Brasil.
Foto: Getty Images/AFP/Evaristo Sa
Motivo: "pedaladas fiscais"
No mesmo dia, em pronunciamento público, Dilma disse ter recebido "com indignação" a notícia. O pedido de impeachment – apresentado em outubro pelos juristas Hélio Bicudo, Miguel Reale Júnior e Janaína Paschoal – acusa a presidente de cometer crime de responsabilidade fiscal, com base na reprovação das contas de 2014 pelo Tribunal de Contas da União, incluindo as chamadas "pedaladas fiscais".
Foto: picture-alliance/dpa
O dia seguinte
Dilma foi notificada oficialmente da abertura do processo em 03/12, logo após Cunha (foto) ler a decisão em plenário. O presidente determinou ainda a criação de uma comissão especial na Câmara dos Deputados para analisar o pedido de impeachment. Na mesma data, o Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou duas ações – uma do PT e outra do PCdoB – que tentavam barrar o processo de afastamento de Dilma.
Foto: Gustavo Lima/Câmara dos Deputados
A carta de Temer
Em 07/12, o vice-presidente Michel Temer enviou uma "carta-desabafo" a Dilma, em que expressa mágoas por ter sido, desde o primeiro mandato, um mero "vice decorativo". Ele diz ainda ter "ciência da absoluta desconfiança" da presidente. Especialistas interpretaram o texto como um rompimento de Temer com Dilma – lembrando que é ele quem assume a presidência caso ela sofra o impeachment.
Foto: AFP/Getty Images/E. Sa
Próximo passo: a comissão
O trâmite do processo exige a formação de uma comissão especial, com 65 deputados titulares e igual número de suplentes, indicados por líderes partidários, em quantidade proporcional ao tamanho de cada bancada – é obrigatória a participação de todas as legendas da Casa. Essa comissão dará um parecer pela abertura ou não do processo, que depois irá a plenário.
Foto: Luis Macedo /ABr
Tumulto na Casa
Em 08/12, a Câmara dos Deputados se reuniu pela primeira vez para definir a comissão especial, em votação secreta marcada por tumulto e quebra-quebra. Concorriam duas chapas: uma formada por deputados simpáticos ao governo, e outra oposicionista, favorável à saída da presidente. Venceu a chapa da oposição, com 39 membros, e uma votação suplementar seria realizada para escolher os nomes restantes.
Foto: Antonio Augusto /ABr
Processo suspenso
Essa votação, porém, nunca foi realizada. Ainda na noite de 08/12, o STF suspendeu a tramitação do processo, impedindo temporariamente a instalação da comissão especial. O plenário da Corte decidiu julgar um pedido liminar do PCdoB sobre a constitucionalidade da lei que regulamenta as normas de julgamento de impeachment. O partido criticou, por exemplo, o voto secreto na escolha da comissão.
Foto: EVARISTO SA/AFP/Getty Images
Novo rito de impeachment
Quase dez dias depois, em 17/12, o plenário do STF determinou algumas mudanças no rito de impeachment, que em sua maioria favoreceram a presidente. Os ministros decidiram conceder maior poder ao Senado na análise do afastamento; determinaram que não cabe voto secreto, nem formação de uma chapa alternativa para compor a comissão; mas negaram o pedido do PCdoB de afastar Cunha do processo.
Foto: Roberto Stuckert Filho
Recesso parlamentar
Para angústia do governo – que chegou a sugerir o cancelamento da pausa parlamentar de janeiro –, a análise do processo de impeachment entrou em hiato no fim de dezembro e assim permaneceu até 2 de fevereiro, quando os parlamentares voltaram do recesso. Segundo Cunha, a expectativa era de votar a comissão especial e concluir o processo na Câmara até março, para seguir para julgamento no Senado.
Foto: picture-alliance/Lou Avers
STF analisa embargos
O teor do acórdão em que o STF considera inconstitucionais alguns aspectos do processo de eleição da comissão especial da Câmara foi publicado em 08/03. No mesmo dia, a Câmara reapresentou os questionamentos e pediu a revisão do rito de impeachment pelos ministros do Supremo. Em votação realizada em 16/03, porém, a Corte rejeitou os recursos de Cunha e decidiu manter o rito definido em dezembro.
Foto: Agência Brasil/J. Cruz
Comissão está formada
A comissão especial, responsável por analisar o pedido de impeachment na Câmara, foi finalmente formada em 17/03, com deputados indicados pelos próprios líderes partidários. O relator da comissão é Jovair Arantes, líder do PTB na Casa e um dos principais aliados de Eduardo Cunha; e o presidente é Rogério Rosso, líder do PSD na Câmara.
Foto: G.Lima/Câmara dos Deputados
Trabalhos da comissão
Em 30/3, os membros da comissão ouviram dois autores do pedido de impeachment: os juristas Miguel Reale Jr. e Janaína Paschoal. No dia seguinte, o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, foi ouvido como testemunha de defesa. No dia 4/4, o ministro José Eduardo Cardozo, da Advocacia-Geral da União, entregou a defesa escrita da presidente e fez a sustentação oral.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Comissão instaura processo
Parlamentares da comissão especial do impeachment votaram no dia 11/04 pela abertura do processo de impedimento da presidente Dilma Rousseff, em sessão marcada por troca de insultos. O placar sobre o parecer do relator Jovair Arantes (PTB-GO) foi de 38 votos a favor e 27 contra.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
A votação na Câmara
Com o parecer admitido pela comissão especial, o processo seguiu para votação no plenário da Câmara dos Deputados. No dia 17/04, em sessão tumultuada e acalorada, os parlamentares decidiram pela continuidade do processo de impeachment, com 367 votos a favor e 137 contra – eram necessários 342 votos favoráveis para a aprovação. A questão segue agora para análise no Senado.
Foto: Reuters/U. Marcelino
Comissão especial de senadores
Dois dias após a apresentação do parecer do relator Antonio Anastasia (PSDB-MG, foto), favorável ao afastamento de Dilma, a comissão especial do Senado aprovou, em 06/05, a continuidade do processo de impeachment. Dos 21 senadores, 15 votaram pela aprovação, e apenas cinco votaram contra – três do PT, um do PCdoB e outro do PDT. O presidente da comissão, Raimundo Lira (PMDB-PB), não votou.
Foto: Agência Brasil/F. Rodrigues Pozzebom
Anulação da votação
Em 09/05, o presidente interino da Câmara, deputado Waldir Maranhão (PP-MA) – que assumiu o comando da Casa após o afastamento de Eduardo Cunha –, anulou a votação do processo de impeachment realizada na Câmara semanas antes. Horas depois, no mesmo dia, Maranhão voltou atrás na decisão, provocando euforia entre os parlamentares governistas. Votação no Senado aconteceria em apenas dois dias.
Foto: Imago/Zumapress
Senado aprova afastamento da presidente
Em 12/05, após uma sessão de mais de 20 horas, o Senado aprovou por clara maioria a continuidade do processo de impeachment de Dilma. Foram 55 votos a favor do impedimento e 22 contrários. Após o aval dos senadores, a presidente fica afastada por 180 dias, enquanto é julgada, e o vice Michel Temer assume a presidência interinamente.
Foto: Getty Images/M.Tama
Relator defende julgamento final
Em seu relatório final sobre o processo de impeachment, apresentado em 02/08, o relator e senador Antonio Anastasia (PSDB-MG) defendeu que Dilma vá a julgamento final pelo crime de responsabilidade fiscal. Anastasia argumentou que a presidente afastada abriu créditos suplementares sem autorização do Congresso Nacional e praticou as chamadas pedaladas fiscais.
Foto: Reuters/U.Marcelino
Comissão aprova relatório
Em 04/08, a Comissão Especial do Impeachment no Senado aprovou o relatório do senador Anastasia, favorável ao prosseguimento do processo de impeachment contra Dilma. Dos 21 senadores que compõem a comissão, 15 votaram a favor da continuação do processo, e cinco, contra. Com isso, a comissão encerrou os trabalhos. O relatório seguiu para votação por todos os 81 senadores.
Foto: Reuters/U. Marcelino
Senado decide levar Dilma a julgamento
Em 10/08, os senadores decidiram, por 59 votos contra 21, levar Dilma a julgamento. A maioria dos senadores seguiu o parecer do relator Anastasia, cujo relatório havia sido aprovado pela comissão especial do impeachment. O resultado indica que Dilma terá dificuldade para reverter seu afastamento definitivo na votação final. Para a condenação são necessários 54 votos.
Foto: Reuters/A. Machado
Iniciada fase final do processo
O Senado deu início à fase final do processo de impeachment no dia 25/08, quase nove meses após sua abertura. O primeiro dia de audiência teve mais de 15 horas de duração e foi marcado por bate-boca entre petistas e senadores favoráveis à saída definitiva de Dilma. O julgamento, que começou com os depoimentos de testemunhas, é comandado pelo presidente do STF, Ricardo Lewandowski.
Foto: Reuters/U. Marcelino
Discurso de defesa de Dilma
Em 29 de agosto, a presidente afastada Dilma Rousseff apresentou sua defesa da acusação de crime de responsabilidade no Senado. Em sua fala, a petista garantiu que sempre seguiu a Constituição, lembrou os tempos da ditadura militar, usou repetidas vezes o termo golpe e reiterou sua luta pela democracia. "Jamais haverá justiça na minha condenação", afirmou.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Dilma é cassada pelo Senado
Na votação final do processo de impeachment, o Senado decidiu, em 31/08, afastar em definitivo Dilma da Presidência da República. Foram 61 votos favoráveis ao impeachment e 20 contrários – eram necessários 54 para a cassação. Todos os 81 senadores participaram da sessão. Em segunda votação, porém, os parlamentares decidiram por manter o direito de Dilma de exercer cargos públicos.