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Brasileiro abre série de palestras do ano Humboldt em Berlim

Fernanda Pugliero
7 de abril de 2019

Pesquisador Paulo Artaxo relaciona desmatamento amazônico a aumento da temperatura média da Terra na abertura de ciclo de conferências que Universidade Humboldt dedica aos 250 anos do nascimento do naturalista alemão.

Paulo Artaxo Lesung am der Humboldt Universität in Berlin
Pesquisador Paulo Artaxo na abertura das palestras Kosmos promovida pela Universidade Humboldt em BerlimFoto: DW/F. Pugliero

A Amazônia é um dos componentes-chave do sistema terrestre e alterações na floresta podem influenciar o clima de todo o planeta. A informação foi apresentada pelo pesquisador brasileiro e professor da Universidade de São Paulo (USP) Paulo Artaxo, no sábado (07/04), na abertura da série de palestras Kosmos-Lesungen, em Berlim, que marcam os 250 anos do nascimento do naturalista alemão Alexander von Humboldt.

 A taxa atual de desmatamento da Amazônia está em 18%. "Se subir para 40%, a floresta tropical corre risco de colapsar e virar savana”, alertou o pesquisador.

A palestra, reservada a autoridades científicas e políticas da Alemanha e que contou com discurso do presidente da Alemanha, Frank-Walter Steinemeier, lotou o auditório do Teatro Maxim Gorki, localizado logo ao lado do complexo de prédios da Universidade Humboldt.

Artaxo é referência internacional no estudo do meio ambiente amazônico e mudanças climáticas globais, além de membro da equipe do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), agraciada com o Prêmio Nobel da Paz de 2007.

Os dados trazidos por ele mostram que a estação seca na Amazônia está se prolongando, o que resulta em um período de queimadas mais longo. Isso também eleva a temperatura da água dos rios que cruzam a floresta e desembocam no oceano. Além disso, a floresta sempre foi parte importante do ciclo do carbono, o que já não ocorre. "Hoje a absorção de carbono pela floresta amazônica é igual a zero", frisou.

Além de advertir sobre fatos e riscos, Artaxo também disse que a floresta pode fazer parte da solução. "Só há um processo que pode resolver o problema e remover o CO2 da atmosfera. Ele se chama fotossíntese". O professor citou ainda outros pontos críticos do sistema climático da Terra, como o Sahel, na África, e a Grande Barreira de Corais, na Austrália. A importância brasileira, no entanto, foi destacada. "O Brasil tem a maior superfície de floresta tropical do mundo. É preciso mantê-la em pé", afirmou.

O aumento da intensidade e a maior frequência de eventos climáticos extremos já acontecem desde os anos 1980. Para ilustrar os efeitos dessas alterações provocadas pela elevação da temperatura média do planeta, Artaxo citou o ciclone Idai, que matou mais 700 pessoas em Moçambique, no Zimbábue e no Malaui. no início de março.

Outra consequência do aquecimento global é a extinção de espécies. "A América do Sul é a parte da Terra que mais corre risco de perder biodiversidade, seguida pela Austrália e Nova Zelândia", avisou. A produção de alimentos também será prejudicada e haverá mudanças no ciclo da água. "Já está acontecendo, mas não sabemos o quanto".

Na palestra, foram apresentados mapas que simularam uma nova geografia, caso as emissões de CO2 não cessem. Cidades podem sumir devido à elevação do nível dos oceanos, um processo que também afeta a Europa, África e Estados Unidos. "Nós sabemos que estamos fazendo isso há mais de cem anos e está acontecendo em todos os lugares do planeta. Aquecimento global não é o futuro, é o presente", sublinhou.

Segundo Artaxo, há duas fontes para o aquecimento global: A queima de combustíveis fósseis (91%) e o desmatamento (9%). A segunda já apresentou redução. Na década passada, o desmatamento era responsável por 18% do CO2 lançado à atmosfera, absorvido pelos oceanos e florestas. Para zerar as emissões, entretanto, ainda há um longo caminho a percorrer, disse o especialista.

De acordo com o último relatório do IPCC, é preciso reduzir as emissões de gases de efeito estufa em pelo menos 5% ao ano começando em 2020, e zerar essas emissões até 2040. "Isso é possível, mas precisamos de um esforço global conjunto, envolvendo a ciência, os tomadores de decisão e o setor empresarial", apontou o pesquisador, que completa: "É uma decisão política que tem que ser tomada agora e a ciência aponta os caminhos. Para a ciência, a solução é simples, mas talvez não o seja para a política", apontou Artaxo.

Paulo Artaxo gráfico com evolução do desmatamento da AmazôniaFoto: DW/F. Pugliero

Ele mencionou o Acordo de Paris como um movimento para frear as emissões, mas alertou: "Mesmo que seja totalmente cumprido, ainda teremos um aumento entre 2,7°C e 3°C na temperatura media global até 2050". Artaxo se mostrou cético ao falar sobre o compromisso brasileiro em reduzir 37% das emissões de CO2 até 2025 e 43% até 2030. O país também pretende até 2030 zerar o desflorestamento ilegal e compensar as emissões provenientes do desmatamento legal. "O Brasil até é capaz de cumprir, mas essas metas são bem difíceis", opinou.

Ao encerrar a palestra, Artaxo apontou que, se ainda estivesse vivo, Alexander von Humboldt, geógrafo, naturalista e explorador alemão, certamente faria recomendações similares a dos atuais cientistas ambientais. "Se queremos evitar um aquecimento de 4°C ou 5°C no nosso planeta ainda neste século, não há outra forma a não ser usar os recursos naturais do nosso planeta de forma mais eficaz e inteligente”.

Após a palestra, Paulo Artaxo falou à DW Brasil sobre a situação da ciência brasileira. Apesar de ter relevância mundial, os cientistas brasileiros carecem de apoio e suporte financeiro dentro de seu próprio país. "A pesquisa não pode depender de orçamento de 1 ano, 2 anos ou 4 anos, pois tem papel fundamental no processo de evolução da economia e da sociedade", afirmou. "Sem ciência, não há desenvolvimento. Assim, o Brasil será para sempre exportador de minério de ferro ou de soja", completou.

O pesquisador criticou os recentes cortes de verba e congelamento de repasses para o setor. O orçamento do Ministério das Ciências e Tecnologia foi cortado em 32% de 2018 para 2019. No final de março, o presidente Jair Bolsonaro anunciou um congelamento adicional de repasses de 42%. "Isso basicamente estrangula todo o desenvolvimento cientifico e tecnológico do país. Faz muitos anos que é difícil para o CNPq implementar grandes projetos de pesquisa e isso está fazendo com que o Brasil perca terreno na ciência internacional", informou o professor, que é pesquisador Emérito do CNPq.

Os cortes de orçamento atingem toda a cadeia de produção de conhecimento científica no Brasil. Desde o bolsista de iniciação científica que recebe 300 reais por mês até o estudante de pós-doutorado e também os projetos de pesquisa em andamento. "É importante frisar que não é só uma questão de recursos, é uma questão de modelo de desenvolvimento, do que se quer para o país daqui a 10, 15 ou 50 anos", apontou.

"A função do governo é pensar essa estratégia e implementar medidas de longo prazo, visando para que caminho o país quer ir. E isso não está sendo feito", finalizou.

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