Ex-gerente envolvido no Caso Banestado estava em lista da Interpol e foi levado para presídio ao desembarcar em Munique. Advogado afirma que tudo não passou de um engano e que pena já havia sido extinta.
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Um brasileiro que foi condenado em 2004 pelo juiz Sérgio Moro por fraudes relacionadas ao escândalo do Banestado foi detido no aeroporto de Munique, anunciou a polícia alemã. Trata-se de Carlos Donizeti Spricido, de 60 anos, um ex-gerente do antigo banco paranaense. Ele constava em uma lista da Interpol como foragido há 12 anos.
Ele foi detido na manhã da última quinta-feira (26/01). Segundo a polícia alemã, Spricido teve a entrada negada nos EUA e estava em trânsito de volta para a Itália quando seu voo fez uma escala em Munique. Ele desembarcou usando um passaporte italiano. As autoridades notaram que seu nome estava em uma lista de procurados da Interpol.
Quando interpelado pelos policiais, Spricido tentou argumentar que não estava mais sendo procurado no Brasil e que havia recebido uma anistia. Os policiais alemães afirmaram que não encontraram nada que provasse as declarações e resolveram detê-lo. Ele acabou sendo levado para a Penitenciária de Stadelheim.
Seu advogado, Waldir Leske, afirmou à DW que tudo não passou de um engano. "A pena já havia sido reduzida e foi finalmente extinta no final do ano passado, mas o nome dele de alguma maneira permaneceu na difusão vermelha da Interpol", afirmou. Ele afirma que Spricido já foi solto e voltou para a Itália.
Spricido foi originalmente condenado a dez anos e seis meses de prisão por fraude e organização criminosa. Segundo a sentença de Moro, que à época comandava a 2ª Vara Federal Criminal de Curitiba, o ex-gerente foi apontado como "um dos principais responsáveis pela execução da fraude" no Banestado. Ele já era considerado foragido na época do julgamento.
Spricido foi condenado especificamente pela evasão de 2,4 bilhões de reais (em valores de 1997). "O dano provocado às divisas nacionais é irreparável", escreveu Moro na sentença. "O propósito do crime parece ter sido apenas o desejo de locupletar-se ou de trazer benefícios de curto prazo ao Banestado em prejuízo do sistema financeiro nacional e de toda a coletividade."
Escândalo do Banestado e Lava Jato
O caso Banestado foi um dos maiores escândalos de lavagem de dinheiro da história brasileira. O caso envolveu oficialmente a evasão de 28 bilhões de dólares em divisas entre 1996 e 1997 por meio do antigo banco estatal paranaense.
O esquema operado por Spricido e outros condenados envolvia a abertura de contas CC5 em nomes de 91 laranjas em uma agência do Banestado em Foz do Iguaçu. Tais contas deveriam ser usadas apenas por brasileiros que moravam no exterior e queriam enviar recursos para outros países, mas acabaram virando um mecanismo de evasão de divisas. Boa parte do dinheiro foi enviada para paraísos fiscais.
Os processos decorrentes do caso projetaram a imagem de Sérgio Moro como um juiz severo e também ajudaram a Justiça Federal do Paraná a montar um time completo de especialistas em lavagem de dinheiro, entre delegados e procuradores, que acabariam atuando na força-tarefa da Lava Jato.
Ao longo do caso, entre 2003 e 2007, Moro condenou 97 pessoas e cruzou pela primeira vez com o doleiro Alberto Youssef, que acabou mais tarde se tornando uma das testemunhas-chave do escândalo da Petrobras. Também no Banestado, Moro fez uso da delação premiada – então um instrumento relativamente novo em casos de lavagem de dinheiro – para conseguir a colaboração de suspeitos, entre eles Youssef.
Entenda a Operação Lava Jato
A Polícia Federal apura, desde 2014, um esquema bilionário de lavagem e desvio de dinheiro envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras e políticos. Entenda a maior investigação sobre corrupção já conduzida no país.
Foto: AFP/Getty Images
O início
A Operação Lava Jato foi deflagrada pela Polícia Federal em 17 de março de 2014. Começou investigando um esquema de desvio de recursos públicos e lavagem de dinheiro e descobriu a existência de uma imensa rede de corrupção envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras do país e políticos. O nome vem de um posto de gasolina em Brasília, um dos alvos da PF no primeiro dia de operação.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Brandt
O esquema
Executivos da Petrobras cobravam propina de empreiteiras para, em troca, facilitar as negociações dessas empresas com a estatal. Os contratos eram superfaturados, o que permitia o desvio de verbas dos cofres públicos a lobistas e doleiros, os chamados operadores do esquema. Eles, por sua vez, eram encarregados de lavar o dinheiro e repassá-lo a uma série de políticos e funcionários públicos.
Foto: Reuters/S. Moraes
As figuras-chave
O esquema na Petrobras se concentrava em três diretorias: de abastecimento, então comandada por Paulo Roberto Costa; de serviços, sob direção de Renato Duque; e internacional, cujo diretor era Nestor Cerveró. Cada área tinha seus operadores para distribuir o dinheiro. Um deles era o doleiro Alberto Youssef (foto), que se tornou uma das figuras centrais da trama. Todos os citados foram condenados.
Foto: imago/Fotoarena
As empreiteiras
As grandes construtoras do país formaram uma espécie de cartel: decidiam entre si quem participaria de determinadas licitações da Petrobras e combinavam os preços das obras. Os executivos da estatal, por sua vez, garantiam que apenas o cartel fosse convidado para as licitações. Entre as empresas investigadas estão Odebrecht, Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa. Vários executivos foram condenados.
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Os políticos
O núcleo político era formado por parlamentares de diferentes partidos, responsáveis pela indicação dos diretores da Petrobras que sustentavam a rede de corrupção dentro da estatal. Os políticos envolvidos recebiam propina em porcentagens que variavam de 1% a 5% do valor dos contratos, segundo os investigadores. O dinheiro foi usado, por exemplo, para financiar campanhas eleitorais.
Foto: J. Sorges
De Cunha a Dirceu...
A investigação só entrou no mundo político em 2015, quando a Lava Jato foi autorizada a apurar mais de 50 nomes, entre deputados, senadores e governadores de vários partidos. Desde então, viraram alvo de investigação políticos como os ex-parlamentares Eduardo Cunha (foto) e Delcídio do Amaral, ambos cassados, os senadores Renan Calheiros, Fernando Collor e o ex-ministro José Dirceu.
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... e Lula
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é réu em dez processos relacionados à Lava Jato, sendo acusado pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e obstrução da Justiça. As denúncias indicam que Lula teria recebido benefícios das empreiteiras OAS e Odebrecht, envolvendo imóveis no Guarujá e São Bernardo do Campo. Em 2018, ele foi preso e teve uma nova candidatura à Presidência barrada.
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As prisões
A Lava Jato quebrou tabus no Brasil ao encarcerar altos executivos de empresas e importantes figuras políticas. Entre investigados e aqueles já condenados pela Justiça, estão o executivo Marcelo Odebrecht, ex-presidente da Odebrecht; Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara; Sérgio Cabral, ex-governador do Rio; os ex-ministros José Dirceu (foto) e Antonio Palocci, entre outros.
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As delações
Os acordos de delação premiada são considerados a força-motriz da operação. Depoimentos como o de Marcelo Odebrecht (foto) chegam com potencial para impactar fortemente a investigação. O acordo funciona assim: de um lado, os delatores se comprometem a fornecer provas e contar o que sabem sobre os crimes, além de devolver os bens adquiridos ilegalmente; de outro, a Justiça reduz suas penas.
Foto: Getty Images/AFP/H. Andrey
O juiz
Responsável pela Lava Jato na 1° instância, o ex-juiz federal Sergio Moro logo ganhou notoriedade. Em manifestações, foi ovacionado pelo povo e chegou a ser chamado de "herói nacional". Mas também foi acusado de agir com parcialidade política. Em 2018, deixou o cargo e aceitou ser ministro do presidente Jair Bolsonaro, cuja candidatura foi beneficiada pela prisão de Lula no ano anterior.
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Expansão internacional
Se começou num posto de gasolina em Brasília, a Lava Jato ganhou proporções internacionais com o aprofundamento das investigações. Segundo dados do Ministério Público Federal levantados a pedido da DW Brasil, a investigação já conta com a cooperação de pelo menos outros 40 países (veja no gráfico acima). Além disso, 14 países, fora o Brasil, investigam práticas ilegais promovidas pela Odebrecht.
Um terremoto político
Ao longo de cinco anos, a Lava Jato influenciou o impeachment de Dilma Rousseff, enfraqueceu o governo Michel Temer e contribuiu para a derrocada de velhos caciques do PT, MDB e PSDB. Em 2018, Lula, então favorito para vencer as eleições presidenciais, foi preso e teve a candidatura barrada. As investigações também fortaleceram um discurso antissistema que beneficiou a campanha de Bolsonaro.
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Críticas e revelações
A Lava Jato também acumulou acusações de parcialidade e de abusos em seus métodos. Em 2019, os procuradores da força-tarefa foram duramente criticados por tentarem criar uma fundação para gerenciar uma multa bilionária da Petrobras. No mesmo ano, conversas reveladas pelo site "The Intercept" apontaram suspeita de conluio entre Moro e os procuradores na condução dos processos, o que é proibido.