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PolíticaChipre

Briga entre Grécia e Turquia cria novo dilema para UE

Barbara Wesel
29 de agosto de 2020

Na disputa por reservas de gás natural no Mediterrâneo, Ancara quer revisão das fronteiras marítimas, mas enfrenta coalizão de países. No papel de mediador, bloco europeu precisa se esforçar para não melindrar Erdogan.

Navio-sonda e navio de guerra no mar
Navio-sonda e navio de guerra turcos perto da costa de Chipre, que é outro ponto de discórdia entre Atenas e AncaraFoto: picture-alliance/AA/Turkish National Defence Ministry

Em 1º de agosto, um navio de guerra turco e um grego chegaram a ficar perigosamente próximos no Mediterrâneo Oriental. A França enviou navios de guerra para ajudar Atenas. Assim, três países que, na verdade, são parceiros na Otan, estavam envolvidos nesse impasse.

Na quarta-feira (26/08), o governo grego anunciou que faria uma manobra de três dias com França, Itália e Chipre. Pouco depois, segundo informações de Ancara, dois navios de guerra turcos realizaram um exercício militar com um contratorpedeiro americano.

A disputa pelas reservas de gás natural no leste do Mediterrâneo ferve há meses. A última escalada alarmou a UE. A Alemanha, como atual ocupante da presidência do Conselho da UE, tenta mediar: "Ninguém quer resolver este conflito militarmente", disse o ministro do Exterior alemão, Heiko Maas, após conversas com os dois governos.

A origem do conflito remonta a quase cem anos. Após a Primeira Guerra Mundial, o território da Turquia foi estabelecido em 1923, através do Tratado de Lausanne. O estado sucessor do Império Otomano perdeu todas as ilhas do Egeu para a Grécia. Desde então, Atenas e Ancara disputam a zona econômica exclusiva entre as ilhas gregas e a costa turca.

A guerra quase estourou em 1996, quando comandos turcos invadiram uma ilha grega inabitada. Em 2000, a UE voltou a definir as fronteiras marítimas máximas a favor da Grécia. Mas já há alguns anos, o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, tem reivindicado a revisão dos tratados. A Grécia, por outro lado, reclama das ambições de poder de Erdogan e insiste na divisão atual.

Ponto de passagem de fronteira no meio da capital de Chipre, Nicósia, entre parte turca e parte gregaFoto: Imago Images/Joko

Chipre é conflito congelado

Outro ponto de discórdia é o Chipre, dividido na prática desde que a Turquia ocupou a parte norte da ilha, em 1974. Apesar dos esforços de mediação dos europeus, o conflito persiste "congelado" e tem um impacto negativo nas relações da Turquia com a UE, que acolheu a nação-ilha de língua grega como membro em 2004. A disputa começou a ferver novamente depois que navios turcos começaram a fazer perfurações de petróleo no mar próximo à costa norte do Chipre.

Os EUA assumiram logo uma posição – mas não a favor da Turquia: no final do ano passado, o país suspendeu o embargo de armas ao Chipre – no interesse da segurança energética da Europa, segundo a justificativa americana. Há alguns meses, navios de guerra americanos chegaram à região, fazendo com que o navio-sonda turco Oruc Reis recuasse. A empresa americana Exxon-Mobile atua na região.

Em novembro de 2019, a Turquia e o governo da Líbia reconhecido pela ONU, sob o comando do primeiro-ministro Fayez al-Sarraj, assinaram um memorando de entendimento. A redistribuição das zonas econômicas exclusivas no Mediterrâneo Oriental formulada no documento dá à Turquia o direito aos recursos minerais no fundo do mar desde a ilha de Creta até o leste de Rodes.

Os governos de Atenas e Nicósia protestaram, e a UE ficou ao lado deles. A situação jurídica aqui é complicada, mas, em última análise, a Líbia e a Turquia não têm permissão para concluir um acordo às custas de terceiros sem aprovação internacional.

Enquanto isso, o governo de Atenas concordou em cooperar com o Egito na exploração de reservas de gás natural no Mediterrâneo Oriental, o que vai contra o tratado da Turquia com a Líbia.

Presidente turco, Erdogan, e premiê da Líbia, Fayez al-Sarraj, assinaram memorando redistribuindo direitos no Mediterrâneo.Foto: DHA

Turquia cada vez mais isolada

Em janeiro passado, Grécia, Chipre e Israel também assinaram um acordo para construir um gasoduto submarino de quase 2 mil quilômetros que transportará grandes quantidades de gás natural para a Europa – contornando a Turquia.

Além disso, Grécia, Chipre, Israel, Egito, Itália, Jordânia e os palestinos estão unidos no Fórum do Gás para o Mediterrâneo Oriental (EMGF), que os EUA também apoiam. A Turquia, que ficou de fora, denuncia o grupo como um clube antiturco. Mais tarde, os Emirados Árabes Unidos, que rivalizam com a Turquia, também se uniram ao grupo.

Em vista dessa constelação internacional, a Turquia parece estar contra a parede. Ancara tem todos os motivos para criticar a distribuição dos direitos marítimos e poderia reivindicar isso na Corte Internacional de Justiça em Haia.

Em vez disso, Erdogan tenta fazer cumprir suas reivindicações de forma militar, com veleidades de grande potência, e promete a seus seguidores uma espécie de novo grande império turco em terra e no mar. Mas seus slogans nacionalistas fazem com que internacionalmente as fileiras contra ele se fechem com ainda mais força.

No encontro com seu homólogo alemão, o ministro do Exterior turco, Mevlut Cavusoglu, sinalizou sua disposição em aceitar a mediação da UE. Mas o bloco europeu enfrenta um dilema: por um lado, Bruxelas tratou a Turquia com luvas de pelica durante anos, porque vive sob a constante ameaça de que Ancara possa rescindir o acordo de refugiados e abrir as portas para a Europa. Por outro lado, a UE está comprometida com os seus países membros, Grécia e Chipre.

No curto prazo, a situação poderia ser neutralizada por meio de movimentos políticos, como a integração dos turcos ao EMGF. No médio prazo, entretanto, apenas uma rodada internacional de negociações sobre reivindicações de direito marítimo na região ajudará.