Briga legal pelo Google Earth inspira série alemã da Netflix
Silke Wünsch
16 de outubro de 2021
"Batalha bilionária" é obra de ficção baseada na história de dois berlinenses pioneiros da internet que processam a gigante Google após o roubo de uma ideia revolucionária.
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Dois caras em Berlim no início dos anos 1990: um deles é um estudante de arte com grandes ideias, o outro é um nerd de computador.
Depois de se conhecerem em 1993 num clube de techno, eles desenvolvem juntos a ideia de criar uma espécie de obra de arte global que permitiria às viajar para qualquer ponto do mundo, simplesmente dando um zoom num local com um clique de mouse.
Eles logo percebem que os computadores no início da década de 90 não tinham desempenho suficiente para o projeto – a menos que se dispusesse de um gigante das telecomunicações como patrocinador e da ajuda de craques da computação. Aí eles obtêm o patrocínio da Deutsche Telekom e a colaboração de membros da associação alemã de hackers Chaos Computer Club.
Apesar de um processo caótico, os dois parceiros conseguem ter seu projeto Terra Vision pronto a tempo de ser apresentado em uma feira internacional de comunicações em Kyoto, Japão, em 1994. O sucesso é retumbante.
Mas durante uma viagem ao Vale do Silício, na Califórnia, o código-fonte do Terra Vision (o Billion dollar code do título original da série) cai nas mãos erradas – e em 2005 a Google, então já uma gigante da tecnologia, de repente lança o Google Earth.
Os dois desenvolvedores da Alemanha sentem que a Google roubara sua ideia – o que leva a um processo judicial no estilo Davi contra Golias.
A minissérie conta em duas linhas do tempo e quatro partes como dois nerds, de que todos riam, desenvolveram sua ideia, convenceram uma grande corporação e, por fim, todo o mundo – para serem roubados de sua fama e fortuna por um ardil legal de uma gigante da tecnologia.
Com esta produção alemã, a Netflix demonstra mais uma vez que o cenário de uma história não é o que mais importa, mas sim do que ela trata. Os dois desenvolvedores também poderiam ser do Japão ou da África do Sul, em vez da Alemanha; o núcleo de sua história é universal.
Visual, história, edição, roteiro e trilha sonora da série da Netflix estão no mesmo nível de produções internacionais semelhantes e, adicionando uma sensação de autenticidade, os atores alemães de Batalha bilionária: O caso Google Earth dublaram suas próprias vozes na versão em inglês.
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Viagem à década de 90
Detalhes da década de 1990 são reproduzidos meticulosamente. Através da história de Juri Müller e Carsten Schlüter, a minissérie mergulha na atmosfera da Berlim pós-reunificação, com seus clubes de techno, sua cena artística selvagemente experimental e seus hackers, que na época ninguém realmente levava a sério.
Era um tempo em que ter conta bancária era coisa de establishment. A internet era sinônimo de sonhos de revolução e liberdade sem fronteiras. A ideia de que todo o conhecimento possa estar disponível a todos era incrivelmente nova e empolgante.
Os financiadores estavam investindo somas absurdas para ajudar a construir esse novo mundo. O Silicon Valley era o El Dorado da nova era da computação, em que garimpeiros digitais se reuniam no gigantesco parque tecnológico sob as palmeiras, com quadras de basquete e máquinas de café expresso.
Passados 25 anos, os pioneiros da programação de Berlim abriram um processo contra a gigante da internet Google, querendo provar que foram eles que, com Terra Vision, lançaram as bases para o Google Earth, Google Maps e todos os sistemas de navegação em uso atualmente.
Ficção baseada em fatos reais
Com Batalha bilionária, o diretor Robert Thalheim e o roteirista Oliver Ziegenbalg criaram uma viagem no tempo numa ficção baseada em eventos reais. Um passeio de montanha-russa, acelerado e emocionante, que termina num empolgante drama de tribunal, com um elenco de atores realmente excepcionais.
A ideia da história surgiu durante um churrasco com um vizinho, que vinha a ser Joachim Sauter, artista de mídia que ajudou a desenvolver Terra Vision no início dos anos 90 e que realmente entrou na Justiça contra a Google.
Claro, a interpretação dramatizada da história pelos criadores da minissérie não representa todos os fatos por trás do desenvolvimento do programa e do processo judicial em andamento. Para os realizadores não era importante restabelecer algum tipo de justiça. Eles simplesmente queriam retratar os ideais que inicialmente impulsionaram aquela geração e em que tudo resultou, conta Thalheim.
O diretor explica que queria mostrar "como o equilíbrio de poder mudou, e os próprios pioneiros da internet foram atropelados por esse desenvolvimento. Hoje, todo mundo só fala dos multimilionários que ficaram super ricos com a internet e agora estão voando para a Lua. Mas queríamos mostrar como tudo começou e contar a história de quem nunca esteve no centro das atenções", conta Thalheim.
Contribuíram para a autenticidade da série entrevistas com envolvidos nos eventos, assim como documentos processuais – nesse ponto, o roteiro reproduz as declarações reais dadas no tribunal para evitar entrar em conflito com a Google.
Joachim Sauter também colaborou com a produção. Mas o professor de arte não chegou a ver a série concluída, tendo morrido em julho último. A minissérie Batalha bilionária, lançada em 7 de outubro de 2021 na Netflix, é dedicada a ele.
Alemanha e suas séries de TV e streaming
O mercado alemão de séries floresce, e não só com produções de emissoras locais. Gigantes como Sky, Amazon e Netflix apostam na estratégia de oferecer obras alemãs a um público internacional.
Foto: Netflix
"Dark", a primeira série alemã da Netflix
Em dezembro de 2017 estreou a primeira série alemã da Netflix para o mercado mundial. A temporada, de dez episódios, trata dos destinos de quatro famílias no interior da Alemanha: o sumiço de duas crianças desencadeia investigações que remontam até a década de 1950. A segunda temporada estreou em junho de 2019, e a terceira foi confirmada para 2020. Foi dublada e legendada em português brasileiro.
Foto: Netflix
Êxito artístico com "Im Angesicht des Verbrechens"
Muitos consideram "Im Angesicht des Verbrechens" (Diante do crime) a melhor série alemã da década: o épico de dois policiais investigando os círculos da máfia russa em Berlim. Contudo as vertiginosas sequências de cenas, enquadramentos sombrios e experimentos formais do diretor Dominik Graf foram ousados demais para parte do público, e a produção teve baixa audiência em 2010.
Foto: ARD/Julia von Vietinghoff
"Parfum", uma série criminal brutal e surpreendente
Em 2018, o canal alemão ZDFneo exibiu a série criminal Parfum (O Perfume), de seis episódios. Na trama, a brutal morte de uma antiga amiga leva um grupo a se reunir. Características específicas no cadáver fazem os amigos pensarem que somente um deles poderia ter cometido o crime. Fora da Alemanha, a produção foi disponibilizada pela Netflix, incluindo no Brasil, legendada e dublada em português.
Foto: Filmfest München 2018
How to Sell Drugs Online (Fast), tom de comédia para assunto sério
Em “How to Sell Drugs Online (Fast)”, que estreou em junho na Netflix, um estudante de uma pequena cidade da Alemanha, filho de um policial, decide vender drogas pela internet para se reaproximar da ex-namorada e arrasta o melhor amigo para o negócio. A série, em tom de comédia, foi dublada e legendada em português brasileiro e o título traduzido para "Como Vender Drogas Online (Rápido)".
Foto: picture-alliance/dpa/Netflix
"Weissensee": Berlim Oriental dos anos 80
Lançada em 2010, "Weissensee" é uma vitória da televisão alemã ao abordar temas da história recente. Tratando de duas famílias de Berlim Oriental na década de 1980, a produção da TV ARD teve boa audiência, já está caminhando para a quarta temporada e foi vendida para a Itália e a Rússia, entre outros mercados.
Foto: picture-alliance/dpa/B. Pedersen
"Deutschland 83" e mais
"Deutschland 83" foi exibida em 2015 na Alemanha pelo canal privado RTL. Apesar de premiada no exterior, ela teve baixa audiência na TV comercial e, a sequência, “Deutschland 86”, foi disponibilizada apenas na Amazon Prime, em 2018. No Brasil, a série foi transmitida pelo +Globosat, com o título “Deutschland - Espião Novato” e segue disponível no Globoplay. Os autores já prometem “Deutschland 89”.
Foto: picture alliance/dpa/R. Hirschberger
"Cães de Berlim" e o submundo da capital alemã
Produzida pela Netflix, "Dogs of Berlin" (Cães de Berlim) estreou em dezembro de 2018. A trama mergulha na face sombria da capital alemã e tem como protagonistas dois policiais não convencionais: Kurt Grimmer, um ex-neonazista, e Erol Birkan, homossexual e de ascendência turca. A dupla investiga o assassinato do jogador de futebol turco-alemão Orkan Erdem. É dublada e legendada em português.
Foto: Netflix
"You are wanted" na Amazon
Antecipando-se por alguns meses à rival Netflix, a gigante americana do streaming Amazon Prime lançou em março de 2017 sua primeira série alemça, "You are wanted" (Você é procurado), protagonizada por Matthias Schweighöfer. Focando vigilância digital e teorias da conspiração, a série não encontrou aprovação unânime do público e crítica. Ainda assim, sua segunda temporada já está em preparação.
Foto: picture alliance / Stephan Rabold/Amazon/dpa
Clãs de Berlim em "4 Blocks"
A produção do diretor Marvin Kren pode ser considerada um sucesso entre as séries alemãs e entrará em sua segunda temporada. Tratando dos conflitos entre os clãs familiares rivais do bairro berlinense de Neukölln, ela foi lançada em maio de 2017, em seis episódios, pelo canal de TV a cabo TNT Serie. "4 Blocks" recebeu críticas entusiásticas, chegando a ser comparada à americana "Os Sopranos".
Foto: picture-alliance/dpa/Handout/2017 Turner Broadcasting System Europe Limited & Wiedemann & Berg Television GmbH & Co.
Opulência dos anos 20 em "Babylon Berlin"
Série mais cara da TV alemã, "Babylon Berlin", de 2017, exibida pela Sky, é a prova de que os roteiristas e cineastas alemães são especialmente bons ao abordar temas históricos. Com grande minúcia e em imagens opulentas, três cineastas, entre os quais Tom Tykwer, evocaram a Berlim dos anos 1920. A série já foi vendida para diversos países.
Foto: 2017 X Filme/Frédéric Batier
"Das Verschwinden": drama psicológico
As emissoras de direito público da Alemanha também têm se lançado com sucesso no universo das séries. Em outubro de 2017, a ARD apresentou "Das Verschwinden" (O desaparecimento), uma sinistra história passada na Alemanha, dirigida por Hans-Christian Schmid. Como em "Dark", o tema aqui é o sumiço de uma jovem, e o drama psicológico resultante.
Na trilha das rivais Amazon e Sky, a Netflix conseguiu ampliar com "Dark" a sua parcela no mercado alemão: ao lado de seu enorme sucesso global, a plataforma de streaming persegue a estratégia de aproximar-se ainda mais das plateias nacionais encomendando especialmente séries para os mercados específicos.
Foto: Netflix
Mundos obscuros
O suíço Baran bo Odar dirigiu a série "Dark", escrita a quatro mãos com sua esposa, Jantje Friese. Em 2010, ele levara às telas uma história semelhante: também "Das letzte Schweigen" (O silêncio) é um drama familiar em torno de um desaparecimento, que conecta duas diferentes gerações. "Dark", porém, é bem mais sombrio, numa encenação quase sufocante.