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Bundesliga força a barra para um recomeço com incertezas

12 de maio de 2020

Liga alemã lutou com unhas e dentes pela volta aos gramados, deixando a saúde de jogadores em segundo plano. Caso temporada chegue ao fim, ficará o gosto amargo de um resultado provavelmente distorcido pelo coronavírus.

Homem observa arquibancada vazia no estádio do Dynamo Dresden
Dynamo Dresden registrou três casos de covid-19, forçando quarentena de 14 dias para jogadores e comissão técnicaFoto: Imago Images/S. Kuttner

O reinício do campeonato alemão de futebol corre sério risco de transformar a atual temporada numa farsa. A Bundesliga moveu mundos e fundos, mobilizou celebridades, ameaçou com a falência dos clubes, levantou o fantasma do desemprego e, sem cerimônia, articulou um intenso ativismo de lobby junto aos políticos com o objetivo de obter o sinal verde para a volta aos gramados.

Não faz nem uma semana que o governo autorizou, ainda que sob severas condições, o retorno aos campos, e o projeto dos jogos-fantasma (sem público) elaborado pela Bundesliga já começou a fazer água. O Dynamo Dresden, clube da segunda divisão, informou no último sábado que foram detectados no time mais dois casos de covid-19, somando três ao todo. Imediatamente o Departamento de Saúde Pública local determinou uma quarentena de 14 dias para todos os jogadores do clube e também para membros da comissão técnica. 

Acontece que o Dresden está numa luta desesperada contra o rebaixamento. Ocupa o último lugar na tabela e com a quarentena imposta pelas autoridades sanitárias fica evidente que a equipe, quando finalmente for liberada para jogar, estará em desvantagem física e técnica em relação aos seus diretos concorrentes na luta contra a degola. Caso termine a competição na zona do rebaixamento, o clube poderá alegar concorrência desleal e, em último caso, levar os seus argumentos às barras dos tribunais de Justiça.

Para evitar um eventual e desgastante processo judiciário, é bem possível que a Bundesliga consiga administrar o caso Dresden, abra uma exceção decidindo que na segunda divisão excepcionalmente não haverá rebaixamento e que a próxima temporada seja disputada com 20 equipes.   

A coisa ficará feia mesmo no momento em que um ou dois clubes da elite forem atingidos, como Bayern ou Dortmund, por exemplo. A responsabilidade pela quarentena é dos Departamentos de Saúde dos respectivos municípios, e é o médico-chefe que determina quem vai para a quarentena em caso de contaminação – apenas os diretamente atingidos ou a equipe toda.

Um ou dois times da Bundesliga em quarentena, mesmo que seja em períodos diferentes, praticamente significará a inviabilização da continuação do campeonato. O próprio CEO da Liga Alemã de Futebol, Christian Seifert, confessou durante entrevista ao canal de TV ZDF: "É claro que a partir de uma certa ordem de grandeza [de contaminação], a competição não será mais factível."

Um dos principais pilares que sustenta o atual plano da Bundesliga para a volta ao futebol é, além das medidas sanitárias, a aplicação do teste para covid-19 em todas as pessoas envolvidas com os 82 jogos restantes da temporada, pelo menos duas vezes por semana.

Acontece que, de acordo com virologistas do Instituto Robert Koch de Berlim, geralmente o teste só funciona quando a pessoa já carrega uma carga considerável do vírus. Consequentemente, pode acontecer que um jogador participante de treinamentos e jogos já esteja infectado apesar de ter sido testado negativamente.  

Isso mostra que mesmo um projeto de segurança sanitária muito bem elaborado tem as suas limitações. A teoria muitas vezes não se confirma na prática. O caso do Dynamo Dresden deu provas disso claramente.       

Os próprios jogadores começam a tomar maior consciência do problema. Alguns até já se manifestaram publicamente, como Birger Verstraete, do Colônia, e agora o veterano Neven Subotic, do Union Berlim.

Subotic pleiteia que, nas atuais circunstâncias, nenhum jogador seja obrigado a participar de treinos e jogos: "Por causa do constante contato corporal, o risco de contaminação é muito alto", declarou.

O goleiro Oliver Baumann do Hoffenheim acredita que, além da sobrecarga psíquica, os atletas estarão sujeitos a mais contusões pelo excesso de jogos num curto período de tempo. Vale lembrar que as nove rodadas restantes deverão ser cumpridas até 30 de junho, mesmo porque o contrato de muitos jogadores vence nessa data.

A verdade nua e crua é que a Bundesliga lutou com unhas e dentes pela continuação da competição por razões financeiras, o que por sinal, está muito claro para a opinião pública. A última pesquisa de opinião realizada pela TV ARD a respeito não é lisonjeira para os dirigentes do futebol alemão, pelo contrário. Apenas 36% apoiaram a volta do futebol, e 50% se manifestaram contra e 14% não opinaram.

Metade dos entrevistados percebeu que o lado esportivo propriamente dito ficou em plano secundário, em detrimento do aspecto financeiro que falou mais alto do que quaisquer outras considerações.

Na prática, mesmo que a temporada chegue ao seu fim como previsto, ficará o gosto amargo de um resultado final provavelmente distorcido por um inimigo extracampo que abalou, no todo ou em parte, uma ou mais equipes. Haverá incertezas sobre o valor de um título ou de uma vaga para a Champions League, assim como haverá incertezas sobre se houve fair play durante o restante do campeonato, que corre grave perigo de se tornar uma farsa.

Em qualquer esporte, a saúde do praticante deve sempre estar em primeiro lugar. No caso específico do restante da temporada da Bundesliga, esse preceito foi temporariamente suspenso.     

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Gerd Wenzel começou no jornalismo esportivo em 1991 na TV Cultura de São Paulo, quando pela primeira vez foi exibida a Bundesliga no Brasil. Desde 2002, atua nos canais ESPN como especialista em futebol alemão. Semanalmente, às quintas, produz o Podcast "Bundesliga no Ar". A coluna Halbzeit sai às terças. Siga-o no TwitterFacebook e no site Bundesliga.com.br

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