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'Estado espião'

9 de novembro de 2007

Apesar de fortes protestos, Parlamento alemão aprova lei que manda arquivar por seis meses dados telefônicos e de internet. Críticos denunciam violação de direitos fundamentais e querem derrubar a medida na Justiça.

Protesto contra a nova lei em Magdeburg, no Leste da AlemanhaFoto: picture-alliance/dpa

Quando o terrorismo da Fração do Exército Vermelho (RAF) atingiu seu auge na Alemanha, em 1977, os principais jornais do país previram que a democracia alemã nunca mais seria a mesma. Futuramente, os políticos não perderiam uma chance sequer para restringir os direitos dos cidadãos, sob o pretexto de combater o crime.

Trinta anos depois, o Bundestag (câmara baixa do Parlamento alemão) forneceu nesta sexta-feira (09/11) mais um argumento para os defensores da proteção de dados e críticos da crescente vigilância estatal, segundo os quais as previsões daquela época já se tornaram realidade no país.

Apesar dos fortes protestos dos últimos dias nas ruas e na mídia, os deputados da coalizão governamental (CDU/CSU e SPD) aprovaram uma lei que obriga as companhias telefônicas e os provedores de internet a arquivar os dados de seus usuários por seis meses, para que o Estado – com base numa autorização judicial – eventualmente possa usá-los na luta contra o terrorismo.

Não os conteúdos dos telefonemas, SMS ou e-mails serão arquivados e, sim, os dados das ligações. Por exemplo, quem telefonou com quem e quando; quem fez uma ligação via celular ou enviou SMS quando e de que lugar; ou quem enviou e-mail ou simplesmente acessou a internet quando e de qual computador.

"O arquivamento dessas informações por longo tempo é uma profunda intervenção na proteção aos dados pessoais", criticou o encarregado do governo federal para a proteção de dados, Peter Schaar, em entrevista ao jornal Donauer Kurier, que liderou uma campanha na imprensa contra a lei.

Em nome da estratégia antiterror

O governo alemão alega estar cumprindo apenas uma diretriz aprovada por 22 dos 25 países da União Européia, há dois anos, como parte da estratégia antiterrorista do bloco. A Eslovênia, a Irlanda e a Eslováquia foram contra; o governo irlandês inclusive recorreu à Corte Européia de Justiça contra a medida.

O principal argumento usado na época e também agora na Alemanha é que os autores dos atentados de Madri de 11 de março de 2004, que deixaram 191 mortos, foram identificados em grande parte graças aos dados relativos aos telefones celulares dos terroristas.

A ministra alemã da Justiça, Brigitte Zypries, defendeu a nova lei, pouco antes da votação no Parlamento. "Quanto mais o Estado estiver ameaçado por ataques terroristas ou crimes violentos, tanto mais ele precisa estar preparado também para a defesa dos direitos democráticos", disse Zypries em entrevista à emissora Deutschlandradio.

Uma de suas antecessoras, a ex-ministra da Justiça, Sabine Leutheusser-Schnarrenberger (do Partido Liberal), disse que, "segundo a jurisprudência, o direito constitucional à autodeterminação informacional precisa ser protegido contra a coleta, o armazenamento e o uso ilimitado de dados altamente pessoais".

"Estado espião"

A resistência à lei uniu defensores dos direitos humanos a peritos em proteção de dados, profissionais liberais, representantes da indústria e da mídia, bem como deputados dos partidos de oposição (verdes, esquerdistas e liberais).

Milhares de pessoas saíram às ruas de mais de 30 cidades alemãs, no começo desta semana, para protestar contra o chamado "armazenamento preventivo de dados". Para muitos críticos, a nova lei ameaça os direitos fundamentais e coloca a Alemanha cada vez mais no rumo de um "Estado espião".

No último final de semana, alguns jornais regionais do país publicaram capas totalmente em preto, apenas com a seguinte frase em letras garrafais: "Protestamos contra as restrições aos direitos fundamentais e à liberdade de expressão".

Os sindicatos dos médicos, jornalistas e advogados aderiram ao protesto porque vêem na nova legislação também uma violação do direito ao sigilo profissional – no caso dos jornalistas, o direito ao sigilo da fonte; no caso dos advogados, a proteção a testemunhas.

Havendo uma suspeita de envolvimento em crime grave, os meios de comunicação dessas três categorias profissionais poderão ser grampeados, desde que haja uma ordem judicial. Somente parlamentares, padres e advogados de defesa continuarão tendo proteção absoluta contra escuta telefônica ou vigilância eletrônica.

Para jornalista, nova lei ameaça direito à proteção da fonteFoto: picture-alliance/dpa

Na opinião do presidente do Sindicato dos Jornalistas Alemães (DJV), Michael Konken, a lei é um ataque à liberdade de imprensa. "Os jornalistas não poderão mais falar livremente com suas fontes, principalmente se estas atuarem em órgãos públicos. Com isso, tenta-se impedir que, no futuro, sejam descobertos escândalos", disse Konken.

Batalha judicial

Mais de sete mil alemães, entre eles advogados, médicos, jornalistas, deputados do partido A Esquerda e ex-ministros já assinaram uma queixa coletiva a ser apresentada ao Tribunal Constitucional Federal, em Karlsruhe.

Eles argumentam que a lei, que deve entrar em vigor em 1º de janeiro de 2008, é "inconstitucional por considerar todos os cidadãos suspeitos". Os advogados que elaboraram a queixa também duvidam que a União Européia tenha competência para exigir o armazenamento dos dados dos países-membros.

Além da ameaça de uma batalha judicial e de mais protestos, o governo esbarra em limites técnicos para implementar a lei, devido ao grande volume de dados a ser arquivado. As operadoras já pediram um "período de transição" até que disponham da capacidade técnica necessária.

Segundo o Departamento de Investigações Criminais da Baviera, somente naquele estado passarão a ser arquivados 40 mil vezes mais dados de ligações telefônicas e conexões de internet por ano do que até agora. (gh)

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