Deputados aprovaram uma série de mudanças. Derrubaram a criminalização do enriquecimento ilícito, o aumento do tempo de prescrição e o "reportante do bem". E incluíram punições a juízes por abuso de autoridade.
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A Câmara dos Deputados aprovou na madrugada desta quarta-feira (30/11) o projeto de lei com medidas contra a corrupção (PL 4850/16). O texto-base, que reúne propostas para inibir crimes de desvio de dinheiro e práticas ilícitas no país, foi aprovado por 450 votos a favor, 1 contra e 3 abstenções.
Contudo, poucos pontos do projeto original foram mantidos pelos parlamentares. Após a aprovação do texto-base, os deputados passaram a madrugada votando emendas importantes, que desfiguram o espírito original do projeto.
Derrubaram, por exemplo, a criminalização do enriquecimento ilícito de agentes públicos, a criação do "reportante do bem", e o aumento do tempo de prescrição de processos de casos de corrupção. A Câmara incluiu ainda a possibilidade de punição a magistrados por crimes de abuso de autoridade. Em uma análise geral, a maioria das alterações deixa o pacote de medidas contra a corrupção bem menos rígido.
Em entrevista ao jornal O Globo, o deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS), o relator do projeto, afirmou: "A Câmara perdeu uma excelente oportunidade de prestar um serviço ao Brasil e, movidos por sede de vingança contra o Ministério Público e o Judiciário, começaram uma crise institucional que deve se agravar."
Confira as principais alterações sofridas pelo projeto:
Punição de magistrados
Os deputados incluíram uma emenda que prevê a possibilidade de punir juízes e integrantes do Ministério Público por abuso de autoridade. Entre os motivos listados está a atuação com motivação político-partidária.
O novo texto também prevê punição a magistrados que instaurarem procedimentos sem "indícios mínimos" e que expressarem, via meios de comunicação, opinião sobre processos em julgamento.
Criminalização de enriquecimento ilícito
Uma das mudanças que mais chama a atenção é a rejeição da tipificação do enriquecimento ilícito de funcionários públicos como crime. Segundo o texto original, agentes públicos que enriquecessem de forma ilícita poderiam ser condenados, mesmo que não fosse possível comprovar quais foram os atos de corrupção praticados. Um caso de enriquecimento discrepante com a renda comprovada já seria, por exemplo, suficiente para a condenação. Esta medida foi derrubada pelos parlamentares.
Prescrição de processos
Os parlamentares também rejeitaram regras que aumentariam o tempo de prescrição dos crimes (quando o processo é arquivado porque a Justiça não o concluiu a tempo).O projeto original previa que o prazo começasse a contar a partir do oferecimento da denúncia e não do seu recebimento, mas a proposta foi derrubada no plenário.
Reportante do bem
O texto do relator sugeria maior proteção legal a cidadãos que denunciassem casos de corrupção, inclusive com pagamento de recompensa. Os parlamentares retiraram a instituição deste "reportante do bem" e argumentaram que a medida regulamentaria a profissão de "dedo-duro".
Acordos de leniência
Os parlamentares derrubaram todos os artigos sobre reformulação das regras relativas aos acordos de leniência, que são semelhantes à delação premiada, em que o infrator colabora com as investigações em troca de redução de pena, mas no âmbito jurídico.
O que fica
Pouca coisa foi preservada da versão original, inspirada nas propostas da campanha Dez Medidas contra a Corrupção elaboradas pelo MPF ao longo das investigações da Operação Lava Jato e que contaram com apoio de mais de 2,3 milhões de assinaturas em todo o Brasil.
Como o presidente Michel Temer havia prometido após reunião de emergência com os presidentes da Câmara e do Senado, os deputados mantiveram intacta a criminalização do caixa dois eleitoral. Além disso, a corrupção de valores superiores a 10 mil salários mínimos passa a ser tipificada como crime hediondo.
Outro ponto que continua valendo é a possibilidade de punição a cidadãos que venderem seu voto. O eleitor que negociar seu voto ou propor a negociação com candidato ou seu representante em troca de dinheiro ou qualquer outra vantagem será sujeito a pena de reclusão de 1 a 4 anos e multa.
Próximos passos
O texto aprovado pela Comissão especial na última quarta-feira já havia sofrido alterações. Foram retirados a multa a bancos que não compartilhassem com a Justiça informações sobre casos de corrupção, a prisão preventiva por tempo indeterminado antes da condenação e os testes de integridade, em que fiscais disfarçados poderiam tentar subornar agentes públicos para testar sua predisposição em cometer crimes.
A versão aprovada na madrugada desta quarta (30/11) pela Câmara Federal segue agora para votação no Senado.
NT/acn/abr
Entenda a Operação Lava Jato
A Polícia Federal apura, desde 2014, um esquema bilionário de lavagem e desvio de dinheiro envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras e políticos. Entenda a maior investigação sobre corrupção já conduzida no país.
Foto: AFP/Getty Images
O início
A Operação Lava Jato foi deflagrada pela Polícia Federal em 17 de março de 2014. Começou investigando um esquema de desvio de recursos públicos e lavagem de dinheiro e descobriu a existência de uma imensa rede de corrupção envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras do país e políticos. O nome vem de um posto de gasolina em Brasília, um dos alvos da PF no primeiro dia de operação.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Brandt
O esquema
Executivos da Petrobras cobravam propina de empreiteiras para, em troca, facilitar as negociações dessas empresas com a estatal. Os contratos eram superfaturados, o que permitia o desvio de verbas dos cofres públicos a lobistas e doleiros, os chamados operadores do esquema. Eles, por sua vez, eram encarregados de lavar o dinheiro e repassá-lo a uma série de políticos e funcionários públicos.
Foto: Reuters/S. Moraes
As figuras-chave
O esquema na Petrobras se concentrava em três diretorias: de abastecimento, então comandada por Paulo Roberto Costa; de serviços, sob direção de Renato Duque; e internacional, cujo diretor era Nestor Cerveró. Cada área tinha seus operadores para distribuir o dinheiro. Um deles era o doleiro Alberto Youssef (foto), que se tornou uma das figuras centrais da trama. Todos os citados foram condenados.
Foto: imago/Fotoarena
As empreiteiras
As grandes construtoras do país formaram uma espécie de cartel: decidiam entre si quem participaria de determinadas licitações da Petrobras e combinavam os preços das obras. Os executivos da estatal, por sua vez, garantiam que apenas o cartel fosse convidado para as licitações. Entre as empresas investigadas estão Odebrecht, Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa. Vários executivos foram condenados.
Foto: Reuters/P. Whitaker
Os políticos
O núcleo político era formado por parlamentares de diferentes partidos, responsáveis pela indicação dos diretores da Petrobras que sustentavam a rede de corrupção dentro da estatal. Os políticos envolvidos recebiam propina em porcentagens que variavam de 1% a 5% do valor dos contratos, segundo os investigadores. O dinheiro foi usado, por exemplo, para financiar campanhas eleitorais.
Foto: J. Sorges
De Cunha a Dirceu...
A investigação só entrou no mundo político em 2015, quando a Lava Jato foi autorizada a apurar mais de 50 nomes, entre deputados, senadores e governadores de vários partidos. Desde então, viraram alvo de investigação políticos como os ex-parlamentares Eduardo Cunha (foto) e Delcídio do Amaral, ambos cassados, os senadores Renan Calheiros, Fernando Collor e o ex-ministro José Dirceu.
Foto: Reuters/A. Machado
... e Lula
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é réu em dez processos relacionados à Lava Jato, sendo acusado pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e obstrução da Justiça. As denúncias indicam que Lula teria recebido benefícios das empreiteiras OAS e Odebrecht, envolvendo imóveis no Guarujá e São Bernardo do Campo. Em 2018, ele foi preso e teve uma nova candidatura à Presidência barrada.
Foto: picture-alliance/AP Photo/F. Dana
As prisões
A Lava Jato quebrou tabus no Brasil ao encarcerar altos executivos de empresas e importantes figuras políticas. Entre investigados e aqueles já condenados pela Justiça, estão o executivo Marcelo Odebrecht, ex-presidente da Odebrecht; Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara; Sérgio Cabral, ex-governador do Rio; os ex-ministros José Dirceu (foto) e Antonio Palocci, entre outros.
Foto: picture-alliance/dpa/EPA/H. Alves
As delações
Os acordos de delação premiada são considerados a força-motriz da operação. Depoimentos como o de Marcelo Odebrecht (foto) chegam com potencial para impactar fortemente a investigação. O acordo funciona assim: de um lado, os delatores se comprometem a fornecer provas e contar o que sabem sobre os crimes, além de devolver os bens adquiridos ilegalmente; de outro, a Justiça reduz suas penas.
Foto: Getty Images/AFP/H. Andrey
O juiz
Responsável pela Lava Jato na 1° instância, o ex-juiz federal Sergio Moro logo ganhou notoriedade. Em manifestações, foi ovacionado pelo povo e chegou a ser chamado de "herói nacional". Mas também foi acusado de agir com parcialidade política. Em 2018, deixou o cargo e aceitou ser ministro do presidente Jair Bolsonaro, cuja candidatura foi beneficiada pela prisão de Lula no ano anterior.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Expansão internacional
Se começou num posto de gasolina em Brasília, a Lava Jato ganhou proporções internacionais com o aprofundamento das investigações. Segundo dados do Ministério Público Federal levantados a pedido da DW Brasil, a investigação já conta com a cooperação de pelo menos outros 40 países (veja no gráfico acima). Além disso, 14 países, fora o Brasil, investigam práticas ilegais promovidas pela Odebrecht.
Um terremoto político
Ao longo de cinco anos, a Lava Jato influenciou o impeachment de Dilma Rousseff, enfraqueceu o governo Michel Temer e contribuiu para a derrocada de velhos caciques do PT, MDB e PSDB. Em 2018, Lula, então favorito para vencer as eleições presidenciais, foi preso e teve a candidatura barrada. As investigações também fortaleceram um discurso antissistema que beneficiou a campanha de Bolsonaro.
Foto: picture-alliance/dpa/ZUMAPRESS/C.Faga
Críticas e revelações
A Lava Jato também acumulou acusações de parcialidade e de abusos em seus métodos. Em 2019, os procuradores da força-tarefa foram duramente criticados por tentarem criar uma fundação para gerenciar uma multa bilionária da Petrobras. No mesmo ano, conversas reveladas pelo site "The Intercept" apontaram suspeita de conluio entre Moro e os procuradores na condução dos processos, o que é proibido.