Código Florestal ainda busca "raio-X" ambiental
27 de maio de 2016Quatro anos depois de uma votação polêmica marcada por protestos e tensão, o Código Florestal ainda tenta montar o mapa da vegetação nativa que restou nas propriedades privadas do país. Sancionada em 25 de maio de 2012, a lei que reformulou as regras de proteção das florestas em áreas particulares criou uma base de dados ambiental sem precedentes, com informações declaradas por de cerca de 4 milhões de proprietários rurais.
O registro eletrônico, chamado de Cadastro Ambiental Rural (CAR), é obrigatório e ponto de partida para que o Código seja aplicado. Cerca de 82% da área nacional prevista foram declarados dentro do prazo estipulado pela lei, que venceu no último dia 5.
Os que ficaram de fora, segundo o Ministério do Meio Ambiente, seriam produtores familiares que não receberam apoio do estado para fazer o cadastro, a maior parte do semiárido nordestino. Para esse grupo, o governo decidiu estender o prazo até maio de 2017 sem que eles sofram restrições de crédito agrícola.
Criticado à época por retrocessos, como o possível aumento do desmatamento, o código sancionado então por Dilma Rousseff foi visto com ceticismo por muitas organizações. "Tínhamos uma incerteza muito grande se isso iria dar certo, mas o cadastro se tornou uma realidade e está consolidado como política pública", avalia Cristiano Vilardo, da Conservação Internacional e integrante do Observatório do Código Florestal.
Com a inscrição no CAR, o proprietário identifica o imóvel com uma planta e coordenadas geográficas, e informa a localização de áreas protegidas. A partir desse banco de dados, o governo fiscaliza quem está de acordo com a lei. Nos estados da Amazônia Legal, por exemplo, as propriedades são obrigadas a manter 80% da vegetação nativa.
"O desempenho técnico do Ministério do Meio Ambiente para capturar e gerir essas informações e o potencial de uso do cadastro serão reconhecidos internacionalmente e são impressionantes", avalia Anselm Duchrow, diretor de Proteção e Gestão Sustentável das Florestas Tropicais da Agência Alemã de Cooperação Internacional (GIZ, na sigla em alemão).
Por outro lado, a qualidade desses dados ainda é questionável. "A verificação e correção dos dados [informados pelos proprietários] pode levar anos", aponta Duchrow.
Malha fina
Raimundo Deusdará, diretor do Serviço Florestal Brasileiro, afirma que o serviço de verificação já começou: "De fato, é um trabalho complexo", reconhece. "Mas temos um sistema robusto, montados pela nossa equipe, que vai verificar os cadastros, um a um."
Automaticamente, no momento do registro, o sistema aponta se há sobreposição de propriedades, ou se ela está dentro de terra indígena, por exemplo. O proprietário é informado na hora quando há conflito de informações. "O próximo passo será o de verificar se a propriedade cumpriu suas obrigações, como manda a lei", explica Deusdará.
Analistas do Serviço Florestal e dos estados vão comparar os dados declarados a imagens de satélites das propriedades adquiridas pelo governo a partir de 2008. Esse é um ano crucial: segundo o Código, quem desmatou além do permitido antes dessa data está perdoado e não será obrigado a repor a vegetação.
"Você tinha um código anterior que não era monitorado, não era visto ou cobrado. Hoje toda a propriedade poderá ser monitorada", rebate Deusdará. Segundo o Serviço Florestal, mais de 1 milhão de nascentes foram declaradas por proprietários no CAR. "Quem é que tinha essa informação antes?", comemora.
Ainda segundo Deusdará, o Serviço Florestal não sabe prever quanto tempo o trabalho de verificação do cadastro levará. "O nosso limite é de pessoal e financeiro. A tecnologia nós já temos."
Fronteira agrícola e proteção climática
Para Juliano Assunção, do Climate Policy Initiative, com sede em São Francisco, o respaldo do setor produtivo veio com os anos. "O que mais nos surpreendeu foi o aumento da percepção por parte dos produtores agrícolas do potencial do código para o desenvolvimento do país", comenta Assunção, que é professor da PUC do Rio de Janeiro.
Até então, a lei era vista como barreira para expansão do agronegócio, responsável por 23% do Produto Interno Bruto em 2015. Há menos de um mês, o Ministério da Agricultura está sob o comando de Blairo Maggi, que ganhou fama internacional como "rei da soja", contemplado em 2005 com o prêmio "Motosserra de Ouro", dado pelo Greepeace.
"Houve uma modernização no setor, que tem uma visão de longo prazo. Grupos mais profissionais têm uma conexão maior com mercados internacionais", analisa Assunção. "O Código pode ser um certificado de que a produção está em conformidade com a proteção ambiental, pode acessar novos mercados e aumentar a competitividade. O setor produtivo percebe isso."
Cristiano Vilardo, da Conservação Internacional, concorda: "Apesar de existirem setores que fazem resistência, muitos produtores de soja abraçaram a lei. Querem que a adequação deles seja reconhecida como um diferencial da produção".
O diretor do Serviço Florestal afirma que a comunidade cientifica internacional e entidades financeiras já veem o CAR como uma ferramenta de monitoramento ambiental e agrícola inédita no mundo. "Estamos recebendo apoio com doações", diz. O KfW, banco alemão de desenvolvimento, destinou 113 milhões de reais para ações relacionadas à implementação do código.
Os incentivos financeiros são fundamentais para que a lei seja cumprida por completo, opina Vilardo. Uma das partes mais desafiadoras será o reflorestamento das áreas desmatadas nas propriedades privadas além do permitido pelo Código.
Na Conferência do Clima de Paris, o Brasil se comprometeu, entre outras metas, a acabar com o desmatamento ilegal, restaurar e reflorestar 12 milhões de hectares de florestas até 2030. "As metas que o Brasil prometeu em Paris dependem de o país conseguir fazer uma restauração florestal nunca antes feita. É bastante desafiador", pontua.