Juiz declara ex-governador do Rio culpado por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Ele liderava esquema de propina em contratos do governo estadual, diz sentença. Esposa também é condenada.
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O juiz Marcelo Bretas condenou nesta quarta-feira (20/09) o ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral (PMDB) a 45 anos e dois meses de prisão pelos crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e participação de organização criminosa.
A sentença está ligada a crimes investigados pela Operação Calicute, os mesmos que levaram à prisão de Cabral em novembro de 2016, quando foi deflagrada a ação derivada da Lava Jato.
Segundo a denúncia, o ex-governador comandava um esquema que desviou verbas de contratos do governo do Rio de Janeiro com empreiteiras. A lavagem do dinheiro resultante das propinas era feita por meio de aquisição de joias e do escritório de advocacia da ex-primeira-dama Adriana Ancelmo.
A esposa de Cabral também foi condenada, a 18 anos e três meses de prisão. Trata-se da primeira condenação de Ancelmo, que cumpre prisão domiciliar em seu apartamento na zona sul do Rio. O juiz determinou que ambos cumpram pena em regime fechado.
Bretas condenou ainda outras dez pessoas, incluindo os ex-secretários Wilson Carlos e Hudson Braga, além de ex-assessores e empresários. O bombeiro Pedro Ramos Miranda, ex-assessor de Cabral, foi absolvido.
Na sentença, o ex-governador é descrito como "idealizador do gigante esquema criminoso institucionalizado no âmbito do governo do estado do Rio de Janeiro".
"Era o chefe da organização, cabendo-lhe essencialmente solicitar propina às empreiteiras que desejavam contratar com o estado do Rio, em especial a Andrade Gutierrez, e dirigir os demais membros da organização no sentido de promover a lavagem do dinheiro ilícito", diz o texto.
O juiz ainda justificou a gravidade da pena afirmando que Cabral "protagonizou um gravíssimo episódio de traição eleitoral".
"Vendeu a empresários a confiança que lhe foi depositada pelos cidadãos do estado do Rio de Janeiro, razão pela qual a sua culpabilidade, maior do que a de um corrupto qualquer, é extrema", afirmou Bretas. "Não há nada mais repugnante do que a ambição desmedida de um agente público que (...) opta por exigir vantagens ilícitas a empresas."
Em vídeo, o advogado de Cabral, Rodrigo Roca, classificou a sentença como uma violência ao estado democrático de direito. "Só reforça a arguição de suspeição que nós fizemos contra o juiz que a prolatou. A condenação do governador pelo juiz Marcelo Bretas era um fato, era esperada e todo mundo sabia disso", disse ele, antecipando que vai apelar à instância superior.
Esta foi a segunda condenação de Cabral no âmbito da Lava Jato. Em junho deste ano, ele foi condenado pelo juiz federal Sérgio Moro a 14 anos e dois meses de prisão, além do pagamento de multa de 528 mil reais, pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
O político foi acusado de ter recebido 2,7 milhões de reais em propina pelo contrato de terraplanagem do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), firmado entre a Petrobras e a Andrade Gutierrez. Ancelmo foi absolvida nesse mesmo processo.
EK/abr/ots/lusa/dw
Entenda a Operação Lava Jato
A Polícia Federal apura, desde 2014, um esquema bilionário de lavagem e desvio de dinheiro envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras e políticos. Entenda a maior investigação sobre corrupção já conduzida no país.
Foto: AFP/Getty Images
O início
A Operação Lava Jato foi deflagrada pela Polícia Federal em 17 de março de 2014. Começou investigando um esquema de desvio de recursos públicos e lavagem de dinheiro e descobriu a existência de uma imensa rede de corrupção envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras do país e políticos. O nome vem de um posto de gasolina em Brasília, um dos alvos da PF no primeiro dia de operação.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Brandt
O esquema
Executivos da Petrobras cobravam propina de empreiteiras para, em troca, facilitar as negociações dessas empresas com a estatal. Os contratos eram superfaturados, o que permitia o desvio de verbas dos cofres públicos a lobistas e doleiros, os chamados operadores do esquema. Eles, por sua vez, eram encarregados de lavar o dinheiro e repassá-lo a uma série de políticos e funcionários públicos.
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As figuras-chave
O esquema na Petrobras se concentrava em três diretorias: de abastecimento, então comandada por Paulo Roberto Costa; de serviços, sob direção de Renato Duque; e internacional, cujo diretor era Nestor Cerveró. Cada área tinha seus operadores para distribuir o dinheiro. Um deles era o doleiro Alberto Youssef (foto), que se tornou uma das figuras centrais da trama. Todos os citados foram condenados.
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As empreiteiras
As grandes construtoras do país formaram uma espécie de cartel: decidiam entre si quem participaria de determinadas licitações da Petrobras e combinavam os preços das obras. Os executivos da estatal, por sua vez, garantiam que apenas o cartel fosse convidado para as licitações. Entre as empresas investigadas estão Odebrecht, Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa. Vários executivos foram condenados.
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Os políticos
O núcleo político era formado por parlamentares de diferentes partidos, responsáveis pela indicação dos diretores da Petrobras que sustentavam a rede de corrupção dentro da estatal. Os políticos envolvidos recebiam propina em porcentagens que variavam de 1% a 5% do valor dos contratos, segundo os investigadores. O dinheiro foi usado, por exemplo, para financiar campanhas eleitorais.
Foto: J. Sorges
De Cunha a Dirceu...
A investigação só entrou no mundo político em 2015, quando a Lava Jato foi autorizada a apurar mais de 50 nomes, entre deputados, senadores e governadores de vários partidos. Desde então, viraram alvo de investigação políticos como os ex-parlamentares Eduardo Cunha (foto) e Delcídio do Amaral, ambos cassados, os senadores Renan Calheiros, Fernando Collor e o ex-ministro José Dirceu.
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... e Lula
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é réu em dez processos relacionados à Lava Jato, sendo acusado pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e obstrução da Justiça. As denúncias indicam que Lula teria recebido benefícios das empreiteiras OAS e Odebrecht, envolvendo imóveis no Guarujá e São Bernardo do Campo. Em 2018, ele foi preso e teve uma nova candidatura à Presidência barrada.
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As prisões
A Lava Jato quebrou tabus no Brasil ao encarcerar altos executivos de empresas e importantes figuras políticas. Entre investigados e aqueles já condenados pela Justiça, estão o executivo Marcelo Odebrecht, ex-presidente da Odebrecht; Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara; Sérgio Cabral, ex-governador do Rio; os ex-ministros José Dirceu (foto) e Antonio Palocci, entre outros.
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As delações
Os acordos de delação premiada são considerados a força-motriz da operação. Depoimentos como o de Marcelo Odebrecht (foto) chegam com potencial para impactar fortemente a investigação. O acordo funciona assim: de um lado, os delatores se comprometem a fornecer provas e contar o que sabem sobre os crimes, além de devolver os bens adquiridos ilegalmente; de outro, a Justiça reduz suas penas.
Foto: Getty Images/AFP/H. Andrey
O juiz
Responsável pela Lava Jato na 1° instância, o ex-juiz federal Sergio Moro logo ganhou notoriedade. Em manifestações, foi ovacionado pelo povo e chegou a ser chamado de "herói nacional". Mas também foi acusado de agir com parcialidade política. Em 2018, deixou o cargo e aceitou ser ministro do presidente Jair Bolsonaro, cuja candidatura foi beneficiada pela prisão de Lula no ano anterior.
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Expansão internacional
Se começou num posto de gasolina em Brasília, a Lava Jato ganhou proporções internacionais com o aprofundamento das investigações. Segundo dados do Ministério Público Federal levantados a pedido da DW Brasil, a investigação já conta com a cooperação de pelo menos outros 40 países (veja no gráfico acima). Além disso, 14 países, fora o Brasil, investigam práticas ilegais promovidas pela Odebrecht.
Um terremoto político
Ao longo de cinco anos, a Lava Jato influenciou o impeachment de Dilma Rousseff, enfraqueceu o governo Michel Temer e contribuiu para a derrocada de velhos caciques do PT, MDB e PSDB. Em 2018, Lula, então favorito para vencer as eleições presidenciais, foi preso e teve a candidatura barrada. As investigações também fortaleceram um discurso antissistema que beneficiou a campanha de Bolsonaro.
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Críticas e revelações
A Lava Jato também acumulou acusações de parcialidade e de abusos em seus métodos. Em 2019, os procuradores da força-tarefa foram duramente criticados por tentarem criar uma fundação para gerenciar uma multa bilionária da Petrobras. No mesmo ano, conversas reveladas pelo site "The Intercept" apontaram suspeita de conluio entre Moro e os procuradores na condução dos processos, o que é proibido.