Educação dos filhos na Alemanha pode causar espanto, mas aparente frieza dos pais tem objetivo claro: estimular independência e autoconfiança das crianças. O tratamento é de igual para igual, e as regras são claras.
Anúncio
Meu ímpeto foi correr para levantar a criança em prantos do chão. Mas contive meu espírito maternal. A mãe esperava o menino de dois anos de idade estirado no chão se levantar. Ela assistia parada ao desespero do filho, que tinha acabado de cair da bicicletinha.
O pai se comportou da mesma forma. "Não foi nada, levante-se. Vamos!", disse. Mas o menino continuava de barriga para baixo aguardando amparo. Depois de minutos em vão, a criança se levantou, sacudiu a poeira do corpo e continuou o passeio em família. Só então os pais levantaram a bicicleta e deram atenção para a criança.
A cena no parque municipal de Weimar, no leste da Alemanha, me deixou em choque. Essa e outras experiências na Alemanha, no entanto, me fizeram entender que a ideia de "cair para levantar" faz parte do processo de educar os filhos por aqui. Desde muito cedo, as crianças aprendem a não derramar um rio de lágrimas por qualquer motivo. Até mesmo por um tombo de bicicleta sem gravidade.
Fazer manha não sensibiliza os pais. A resposta é dura e direta. Meu namorado, alemão, nunca levou uma palmada, mas a mãe sempre ameaçou quando ele chorava à toa: "Você vai parar agora ou quer que eu te dê um motivo real para chorar?" Ele nunca arriscou saber o que aconteceria. Crianças choronas demais não têm vez na Alemanha.
Não ligar para os tombos pode parecer cruel, mas a aparente frieza dos pais tem metas claras: estimular a independência e a autoconfiança das crianças. E também, é claro, evitar shows de birra, principalmente em espaços públicos.
As crianças alemãs assumem responsabilidades desde pequenas. Dependendo da idade, os pais não ajudam os filhos a tirar o casaco ou a colocar os sapatos, mesmo que leve o dobro do tempo. O objetivo é que a criança aprenda sozinha e o mais cedo possível. Crianças em idade escolar vão sozinhas, sem a companhia dos pais, para todo lado, de bicicleta ou com o transporte público.
O tratamento também é de igual para igual. Geralmente, os pais se agacham para falar com os filhos na mesma altura, e não de cima para baixo. Não é não, e as regras são claras.
Com essas premissas em prática, o relacionamento entre pais e filhos amadurece. Faça chuva ou faça sol, passeios ao ar livre estão garantidos. E, se cair durante a brincadeira, basta se levantar.
Na coluna Alemanices, publicada às sextas-feiras, Karina Gomes escreve crônicas sobre os hábitos alemães, com os quais ainda tenta se acostumar. A repórter da DW Brasil e DW África tem prêmios jornalísticos na área de sustentabilidade e é mestre em Direitos Humanos.
Dar aos bebês nomes tradicionais ou incomuns, amamentar em público, usar fraldas descartáveis ou de pano, e até mesmo vacinar ou não: conheça os temas que mais preocupam pais e mães na Alemanha.
Foto: Imago
Que nome dar?
O que é mais importante: que o filho se destaque ou seja mais um entre muitos outros de sua geração? Escolher um nome para o bebê é uma expressão da identidade dos pais, mas também pode ser um peso para a criança durante a vida inteira. Marie e Elias foram os nomes mais frequentes dados a bebês na Alemanha em 2016.
Foto: picture-alliance/dpa/J. Stratenschulte
Amamentar em público
Mesmo que não funcione para todas as mães por uma série de razões, a amamentação é uma prática generalizada na Alemanha. Os alemães não têm problemas com nudez, de forma que a amamentação em público não chega a ser problema. No entanto, o país não tem uma lei que protege mães que amamentam. Donos de estabelecimentos comerciais podem proibir as mulheres de amamentarem em público em suas lojas.
Foto: picture alliance/empics/N. Ansell
Por quanto tempo amamentar?
Este é outro tema controverso. Pode-se ver até mães amamentando um filho de três anos, mas isso é exceção. Na Alemanha os casais recebem ajuda financeira se deixam de trabalhar nos primeiros 12 meses do bebê (ou até 14 meses se a licença for compartilhada entre pai e mãe), e muitas mães tentam parar de amamentar antes de voltar ao trabalho.
Foto: Colourbox/yarruta
Jardim de infânca
Antes de voltar a trabalhar, a busca por vagas em creches ou jardins de infância é outro tema estressante para os jovens pais. Enquanto muitos se preocupam em achar estabelecimentos perto de suas casas, outros dão mais atenção à linha pedagógica, por exemplo, e lutam por uma vaga nos jardins de infância Waldorf.
Foto: picture-alliance/ZB/P. Pleul
Vacinação
A vacina não é obrigatória na Alemanha, e, por isso, há pais que não imunizam os filhos. Segundo a OCDE, o índice de vacinação infantil no país é de 96%, mas outros estudos apontam uma taxa menor. Não vacinar só funciona enquanto um número suficiente de pessoas garantir a imunização da sociedade. Berlim, por exemplo, enfrentou uma epidemia de sarampo no inverno de 2014 para 2015, com 1.392 casos.
Foto: Sean Gallup/Getty Images
Deixar chorar
É um fenômeno universal: os bebês acordam várias vezes por noite, deixando os pais exaustos. Seguindo o que se conhece como método Ferber, muitos alemães deixam os bebês chorarem sozinhos na cama até dormirem. Pode ser a salvação para alguns, mas outros consideram isso tortura.
Foto: CC/Roxeteer
Teoria do apego
Quem é contra esse treinamento para o bebê dormir provavelmente defende a "attachment parenting", teoria do apego, uma filosofia criada pelo pediatra americano William Sears. Ela recomenda, por exemplo, dar segurança ao carregar o bebê e dormir com ele, aliás outro ponto controverso. Em 2014, o Ministério alemão da Família até promoveu um congresso no país sobre a teoria do apego.
Foto: imago/imagebroker
Fraldas descartáveis, de pano ou nenhuma?
As fraldas são outro tema universal. Com tantas opções descartáveis no mercado, ainda há os que preferem fraldas de pano. Isso representa mais trabalho, mas contribui para a sustentabilidade. Praticantes do método "Windelfrei" (sem fraldas) ainda são raros, mas eles automaticamente ganham o concurso de "pais mais dedicados".
Foto: picture alliance/dpa Themendienst
Cozinhar ou comprar pronto
Você identifica pais que querem dar dedicação especial ao filho pela forma como preparam a papinha do bebê. Muitos utilizam apenas ingredientes orgânicos e pratos e talheres provenientes de comércio justo. Provavelmente eles criticam os que compram papinha pronta no supermercado, mas admitem que ela é útil quando viajam.
Foto: Fotolia/victoria p
Conceitos alternativos de educação
Nos anos 1960 e 1970, os alemães refletiram muito sobre educação e criaram conceitos como educação antiautoritária, para promover a liberdade de pensamento de uma criança. A influência dessa abordagem é sentida na Alemanha até hoje. Além das várias teorias populares atuais, cada pai desenvolve um estilo próprio – e ninguém gosta de ouvir que está errado.
Foto: colourbox/S. Darsa
Televisão e eletrônicos
Existem aplicativos incríveis e programas de TV voltados para os pequenos. Muitas crianças de um ano sabem mexer melhor em smartphones do que os avós. Embora não haja consenso entre os pais alemães sobre o uso de mídia digital por crianças pequenas, a maioria prefere restringir o contato dos filhos com esses aparelhos.
Foto: picture-alliance/dpa
Consumo de açúcar
Outra maneira alemã de avaliar um "bom pai ou mãe" é o número de anos em que o filho não foi colocado em contato com doces – e isso num país onde o sorvete é um ritual quase diário para crianças mais velhas no verão. Aliás, o segundo filho geralmente é privilegiado, podendo experimentar uma série de coisas mais cedo, pois após algum tempo os pais deixam de seguir alguns de seus rígidos princípios.