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Cairo entre a indignação da Irmandade Muçulmana e a indiferença

Matthias Sailer (MD)16 de agosto de 2013

Enquanto islamistas vão às ruas em revolta, muitos na capital egípcia, sobretudo os laicos, ignoram o massacre do Exército contra os opositores. Imprensa estatal, ao mesmo tempo, tenta desacreditar manifestantes.

Foto: Reuters

Após o massacre de quarta-feira (14/08), são poucos os que estão nas ruas do Cairo sem ser para protestar. E muitos desses raros transeuntes – a maioria, naturalmente, não islamista – não parecem chocados ou revoltados com as mais de 600 mortes ocorridas durante o despejo, pelas forças militares, de acampamentos de manifestantes no centro da capital.

Na maioria das vezes, eles só reclamam dos problemas do toque de recolher, que os proíbe de sair de casa após as 19h. "Na minha opinião, essa foi a única maneira de acabar com os acampamentos de protesto. O motivo é que os partidários da Irmandade Muçulmana não são pessoas abertas e receptivas", diz Khalid, um vendedor de 25 anos.

Khalid repete o discurso que quase todos os jornais e programas de TV estatais e privados vêm transmitido nas últimas semanas: a ideia de que a Irmandade Muçulmana é, na verdade, um mal para o país e que é necessário medidas duras contra ela. E a demonização dos islamistas, sacados do poder por um golpe no mês passado, continua.

Jornalistas cerceados

Vista de um dos acampamentos no dia seguinte ao ataque das forças de segurançaFoto: Mahmoud Khaled/AFP/Getty Images

Um exemplo é a edição do jornal estatal al-Akhbar após o banho de sangue de quarta-feira. Em toda a edição, de 23 páginas, não é possível encontrar nada além de argumentos a favor das ações do Exército e acusações contra a Irmandade Muçulmana. No alto da primeira página, a manchete, em letras vermelhas, diz: "O pesadelo da Irmandade Muçulmana acabou". Da mesma forma, a primeira página ainda sugere, de forma absurda, que os ativistas da Irmandade Muçulmana teriam, eles mesmos, se matado.

Mahmoud, de 24 anos, parece ser um dos poucos que estão contra o massacre. Ele apenas balança a cabeça. "Não sei o que os meios de comunicação fazem com as pessoas. É como um feitiço. As pessoas acreditam, não importa o quanto eles mentem", diz. Ele olha o jornal com um sorriso resignado. Não é citado um número de vítimas entre os manifestantes, só são mencionados os supostos 43 policiais mortos.

Todos os artigos do jornal só servem para apresentar as forças de segurança como heroicos patriotas e os adeptos da Irmandade Muçulmana como terroristas perigosos. Há também muitas mentiras na publicação. O jornal afirma que jornalistas puderam se mover livremente e observar os despejos.

Na verdade, entretanto, os militares fizeram o possível para impedir o acesso dos jornalistas aos acampamentos. Também é publicada uma foto de adolescentes carregando caixas de dinheiro de um carro blindado. Na legenda, é sugerido que a Irmandade Muçulmana roubou objetos de valor das caixas. Na verdade, porém, as caixas de dinheiro estavam vazias, como a reportagem da DW pôde comprovar no local.

Apoio à repressão

Pouco chocados estão também muitos egípcios em relação à renúncia de Mohamed ElBaradei como vice-presidente. Forte opositor do despejo violento do acampamento de protesto, ele foi vítima de uma campanha da mídia nas últimas semanas, que o acusou, entre outras coisas, de ser comandado pelos Estados Unidos.

Catador de lixo anda entre os destroços do acampamento desativadoFoto: Khaled Desouki/AFP/Getty Images

"Como todos sabemos, ElBaradei está próximo dos EUA no que se refere a suas posições. Acho que ele não conseguiu fazer o que os EUA queriam dele e, então, ele pediu demissão", diz o sexagenário Ahmed Ibrahim.

O estado de espírito de muitos egípcios também se reflete no nível político. Grupos importantes criticam ElBaradei por causa de sua renúncia e pela sua posição contra a repressão aos protestos. A liderança do movimento Tamarod, que convocou as manifestações de 30 de junho, o acusa de, por exemplo, fugir da responsabilidade e não procurar explicar ao mundo "que o Egito está lidando com um movimento terrorista".

Críticas vêm também da Frente de Salvação Nacional, que reúne partidos não islamistas. A entidade saudou explicitamente a repressão aos protestos. Apenas os grupos verdadeiramente liberais, como o Movimento 6 de abril, apoiam a posição de ElBaradei.

O ódio, incitado pela imprensa, de muitos egípcios em relação à Irmandade Muçulmana não mudou, mesmo com as centenas de mortos. Questionado sobre os muitos mortos, Amir, de cerca de 40 anos, faz uma careta e desconversa. "Mais de 43 policiais morreram. Não queremos saber dos ativistas islamistas. Queremos só que eles paguem pelos policiais mortos!"

Interior incendiado da mesquita Rabaa al-Adawiya, localizada perto de um dos acampamentosFoto: Reuters

Como é possível um retorno da tranquilidade ao Egito após esta desumanização alimentada pelo Estado permanece um mistério. Os atos cruéis de violência contra os acampamentos de protesto só aumentaram ainda mais a ira dos islamistas. Um porta-voz da Irmandade Muçulmana disse à agência de notícias Reuters que a ira dos membros da entidade após o massacre está "fora de controle".

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