"Califado" do EI completa um ano
29 de junho de 2015Em 29 de junho de 2014, o "Estado Islâmico" (EI) anunciava a criação de um "califado transnacional" – proclamando ter autoridade religiosa, política e militar sobre todos os muçulmanos do mundo. Um ano depois, a organização extremista parece mais forte do que nunca.
Os atentados na última sexta-feira (26/06) na França, no Kuwait e na Tunísia, realizados num espaço de duas horas, deixam uma mensagem clara por parte do EI: “Nós estamos em toda parte e podemos atingir nossos alvos a qualquer momento.”
Quando Abu Bakr al-Baghdadi proclamou o califado há um ano, se autodenominou califa e nomeou sua organização um "Estado Islâmico", os extremistas ainda estavam concentrados no Iraque e na Síria. Controlavam uma área do norte iraquiano, e a cidade de Mossul, com 2 milhões de habitantes, era a conquista mais significativa.
Hoje, o mapa do Oriente Médio é diferente. O EI está assentado em uma área considerável entre zonas de conflito na Síria e de instabilidade no Iraque. O núcleo do "Estado" jihadista se expande cada vez mais, com grupos proclamando lealdade a ele em países como Egito´e Líbano.
“Nós subestimamos a situação totalmente”, admite o parlamentar iraquiano Mithal al-Alusi. "Ninguém esperava que tantos estrangeiros fossem se juntar ao EI para lutar. Nós nunca poderíamos imaginar as dimensões que isso tomaria."
Batalha desigual
Dezenas de países se uniram para tentar forçar o recuo dos cerca de 35 mil jihadistas do califado. Bombardeiros americanos efetuam ataques aéreos, ao custo diário de 7,5 milhões de dólares. Armas europeias e sauditas também são usadas na região.
Exército iraquiano, milícias xiitas apoiadas pelo Irã, rebeldes sírios e unidades curdas lutam no terreno contra os extremistas. Juntos puderam impor derrotas aos islamistas na cidade curda-síria de Kobane e na iraquiana Tikrit.
Mas, nas últimas semanas, o "Estado Islâmico" recuperou o poder de penetração que tinha anteriormente. Os extremistas, mesmo em número inferior, forçaram a retirada das tropas da aliança pela terceira vez na cidade iraquiana de Ramadi.
O Exército sírio foi obrigado a deixar que os jihadistas tomassem a cidade de Palmira. Nos últimos dias, violentos combates foram registrados em Kobane, e Tikrit também enfrenta os ataques do EI.
O "Estado Islâmico" é considerado difícil de ser combatido por ser um inimigo extremamente móvel, que combina táticas de guerra convencional, de guerrilha, terrorismo e propaganda. É o que diz também o general de brigada Izadin Sadus, que comanda os combatentes peshmergas.
Os combatentes peshmergas estão atualmente posicionados na colina em Bashiga, cerca de 80 quilômetros a noroeste da metrópole curdo-iriaquiana de Erbil. Desde o começo de agosto do ano passado, tudo o que está abaixo da colina é área do califado. Naquela região viviam anteriormente todos os grupos étnicos iraquianos juntos – curdos, árabes, turcomanos, yazidis, assírios e shabaks. Agora, praticamente apenas jihadistas estão lá.
Quando os milicianos do "Estado Islâmico" em Mossul avançaram para áreas curdas, retiraram os peshmergas e, com eles, os habitantes das cidades. “Nós não estávamos bem preparados e tínhamos equipamento militar insuficiente”, explica Sadus.
Agora, porém, o panorama pode mudar, afirma o general peshmerga. Segundo ele, com o armamento alemão e os instrutores militares internacionais, pode-se ficar mais bem preparado dia após dia. Mesmo assim, a relação ainda é desigual.
“Nós fizemos montes, trincheiras e, novamente, montes para consolidar as nossas posições. Mas lá eles têm minas e explosivos TNT”, explica Sadus, apontando para a fronteira com o califado, a três quilômetros, e lembrando que mais de 1,5 mil combatentes peshmergas já perderam a vida.
"Guerra por procuração"
O EI é tão forte quanto os seus adversários o permitem ser – e estaria aí a razão pela qual os combates contra o jihadistas têm se mostrado pouco frutíferos.
“Nós só vamos derrotar o terrorismo quando cortarmos suas raízes”, escreve o alemão-iraniano Navid Kermani, em seu livro Zwischen Koran und Kafka (Entre o Alcorão e Kafka, em tradução livre). Segundo ele, os seguidores do islã – em nome do qual o EI diz agir – têm responsabilidade especial em combater o terror.
Dessa responsabilidade, no entanto, se vê pouco na região. Décadas de opressão, humilhação, arbitrariedade, guerras e governantes autoritários traumatizaram e deixaram gerações crescerem violentas. Execuções públicas, decapitações, apedrejamentos, mutilações não são apenas práticas de punição no califado, mas também na Arábia Saudita, no Irã e, nos tempos de Sadam Hussein, também no Iraque.
“Desde que Saddam se foi, convivemos com o terror. Primeiro foram os americanos, que prenderam e torturaram. Depois foi a Al Qaeda. Agora é o 'Estado Islâmico'”, desabafam os jovens iraquianos Foad e Ibrahim.
Ambos não pretendem mais voltar para o Exército – não querem nunca mais lutar por um país que praticamente não existe mais. Desprezam os políticos que, afirmam, pensam apenas neles mesmos. E não querem arriscar suas vidas em uma “guerra por procuração” entre as potências regionais xiita Irã e a sunita Arábia Saudita. Foad é xiita e Ibrahim é sunita. E ambos querem migrar agora para a Europa.