Campanha de Dilma em 2014 recebeu propina, dizem delatores
Jean-Philip Struck7 de abril de 2016
Segundo jornal, acusação aparece em delação de executivos da Andrade Gutierrez, que afirmam que pelo menos 10 milhões de reais doados à campanha da petista nas últimas eleições tinham relação com participação em obras.
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Executivos da Andrade Gutierrez, a segunda maior empreiteira do Brasil, afirmaram em delação premiada que a empresa pagou milhões em propina para as campanhas eleitorais da presidente Dilma Rousseff e de seus aliados em 2010 e 2014. A informação foi publicada pelo jornal Folha de S.Paulo nesta quinta-feira (07/04).
De acordo com o jornal, os pagamentos ocorreram na forma de doações eleitorais disfarçadas, que estavam vinculadas à participação da empresa em obras públicas superfaturadas, como o Complexo Petroquímico do Rio, a usina nuclear de Angra 3 e a hidrelétrica de Belo Monte – algumas das maiores obras em andamento no país que fazem parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
Só na obra de Belo Monte as propinas alcançaram 150 milhões de reais, segundo os executivos da empresa, que afirmam ainda que o montante foi reunido entre as 11 empresas que fazem parte do consórcio responsável por construir a hidrelétrica. A Andrade Gutierrez possui 18% das cotas do consórcio.
De acordo com os depoimentos, a divisão do valor foi feita pelo PT e pelo PMDB, que ficaram com 75 milhões de reais cada. Os recursos foram pagos, segundo o documento, na forma de doações legais disfarcadas para campanhas de 2010, 2012 e 2014.
Ainda segundo o jornal, as acusações foram feitas aos investigadores da operação Lava Jato por Otávio Marques de Azevedo, ex-presidente da empresa, e pelo ex-executivo Flávio Barra. Eles também entregaram uma planilha com detalhes dos pagamentos da propina.
Essa é a primeira vez que altos executivos revelam aos investigadores detalhes sobre o funcionamento de um esquema de financiamento de campanhas com propinas originárias da participação em contratos com o governo.
Segundo a Folha, a tabela mostra que a Andrade Gutierrez doou 20 milhões de reais para o comitê da campanha de Dilma em 2014. Pelo menos metade desse valor estaria vinculada à participação da empresa em obras públicas. Azevedo chamou esses pagamentos de propina como "compromissos com o governo". O restante do montante eram doações "republicanas" –ações normais de uma grande empresa para financiar candidatos.
Impacto
As acusações envolvendo a campanha de 2014 podem complicar a situação atual de Dilma Rousseff. Anteriormente, os investigadores da Lava Jato já haviam obtido indícios ligando a campanha eleitoral de 2010 com propinas da Andrade Gutierrez. Só que tais acusações estavam relacionadas ao primeiro mandato da petista – que chegou ao fim em dezembro de 2014. Consequentemente, elas acabaram não sendo levadas em conta nos pedidos de impeachment apresentados contra a presidente.
Porém, o impacto dos novos dados pode ter mais efeito no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), onde tramitam vários pedidos de cassação da chapa de Dilma por suspeita de financiamento ilegal.
A delação divulgada pela Folha também aponta que o esquema de propinas em forma de doação eleitoral teve participação dos ex-ministros Antonio Palocci Filho e Erenice Guerra.
Por fim, o jornal aponta que a delação dos executivos também envolve acusações de pagamento de propina para o PMDB envolvendo a construção de estádios da Copa do Mundo de 2014, como o Maracanã, o Mané Garrincha e a Arena Amazonas.
Onze executivos da Andrade Gutierrez prestaram depoimentos para os investigadores da Lava Jato. A empresa está perto de concluir um acordo com a Justiça. No momento, as delações aguardam homologação do ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal (STF).
O acordo prevê que a empreiteira pague uma indenização de 1 bilhão de reais e mude suas práticas de relacionamento com o setor público. Vários executivos da empreiteira chegaram a ser presos em diferentes fases da Lava Jato, mas hoje todos estão soltos. Otávio Marques de Azevedo, por exemplo, saiu da prisão em fevereiro.
Outro lado
Flavio Caetano, coordenador jurídico da campanha de 2014, publicou nota em que nega as acusações.
"Toda a arrecadação da campanha da Presidenta de 2014 foi feita de acordo com a legislação eleitoral em vigor. Jamais a campanha impôs exigências ou fixou valores. Aliás, a empresa fez doações legais e voluntárias para a campanha de 2014 em valores inferiores à quantia doada ao candidato adversário", disse, lembrando que a campanha do tucano Aécio Neves recebeu 20,2 milhões de reais em doações da Andrade Gutierrez.
"Em nenhum momento, nos diálogos mantidos com o tesoureiro da campanha sobre doações eleitorais, o representante da Andrade Gutierrez mencionou obras ou contratos da referida empresa com o governo federal."
À Folha, o tesoureiro da campanha de Dilma em 2014, Edinho Silva (hoje ministro da Comunicação Social), também levantou a questão das doações para Aécio, que não foi citado nos depoimentos dos executivos da empresa.
"A pergunta que não cala é: por que as doações para a candidatura adversária, que foram superiores à nossa, não são questionadas e as nossas são, sendo que todas saíram do mesmo caixa, e ambas estão declaradas ao TSE?".
Entenda a Operação Lava Jato
A Polícia Federal apura, desde 2014, um esquema bilionário de lavagem e desvio de dinheiro envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras e políticos. Entenda a maior investigação sobre corrupção já conduzida no país.
Foto: AFP/Getty Images
O início
A Operação Lava Jato foi deflagrada pela Polícia Federal em 17 de março de 2014. Começou investigando um esquema de desvio de recursos públicos e lavagem de dinheiro e descobriu a existência de uma imensa rede de corrupção envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras do país e políticos. O nome vem de um posto de gasolina em Brasília, um dos alvos da PF no primeiro dia de operação.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Brandt
O esquema
Executivos da Petrobras cobravam propina de empreiteiras para, em troca, facilitar as negociações dessas empresas com a estatal. Os contratos eram superfaturados, o que permitia o desvio de verbas dos cofres públicos a lobistas e doleiros, os chamados operadores do esquema. Eles, por sua vez, eram encarregados de lavar o dinheiro e repassá-lo a uma série de políticos e funcionários públicos.
Foto: Reuters/S. Moraes
As figuras-chave
O esquema na Petrobras se concentrava em três diretorias: de abastecimento, então comandada por Paulo Roberto Costa; de serviços, sob direção de Renato Duque; e internacional, cujo diretor era Nestor Cerveró. Cada área tinha seus operadores para distribuir o dinheiro. Um deles era o doleiro Alberto Youssef (foto), que se tornou uma das figuras centrais da trama. Todos os citados foram condenados.
Foto: imago/Fotoarena
As empreiteiras
As grandes construtoras do país formaram uma espécie de cartel: decidiam entre si quem participaria de determinadas licitações da Petrobras e combinavam os preços das obras. Os executivos da estatal, por sua vez, garantiam que apenas o cartel fosse convidado para as licitações. Entre as empresas investigadas estão Odebrecht, Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa. Vários executivos foram condenados.
Foto: Reuters/P. Whitaker
Os políticos
O núcleo político era formado por parlamentares de diferentes partidos, responsáveis pela indicação dos diretores da Petrobras que sustentavam a rede de corrupção dentro da estatal. Os políticos envolvidos recebiam propina em porcentagens que variavam de 1% a 5% do valor dos contratos, segundo os investigadores. O dinheiro foi usado, por exemplo, para financiar campanhas eleitorais.
Foto: J. Sorges
De Cunha a Dirceu...
A investigação só entrou no mundo político em 2015, quando a Lava Jato foi autorizada a apurar mais de 50 nomes, entre deputados, senadores e governadores de vários partidos. Desde então, viraram alvo de investigação políticos como os ex-parlamentares Eduardo Cunha (foto) e Delcídio do Amaral, ambos cassados, os senadores Renan Calheiros, Fernando Collor e o ex-ministro José Dirceu.
Foto: Reuters/A. Machado
... e Lula
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é réu em dez processos relacionados à Lava Jato, sendo acusado pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e obstrução da Justiça. As denúncias indicam que Lula teria recebido benefícios das empreiteiras OAS e Odebrecht, envolvendo imóveis no Guarujá e São Bernardo do Campo. Em 2018, ele foi preso e teve uma nova candidatura à Presidência barrada.
Foto: picture-alliance/AP Photo/F. Dana
As prisões
A Lava Jato quebrou tabus no Brasil ao encarcerar altos executivos de empresas e importantes figuras políticas. Entre investigados e aqueles já condenados pela Justiça, estão o executivo Marcelo Odebrecht, ex-presidente da Odebrecht; Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara; Sérgio Cabral, ex-governador do Rio; os ex-ministros José Dirceu (foto) e Antonio Palocci, entre outros.
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As delações
Os acordos de delação premiada são considerados a força-motriz da operação. Depoimentos como o de Marcelo Odebrecht (foto) chegam com potencial para impactar fortemente a investigação. O acordo funciona assim: de um lado, os delatores se comprometem a fornecer provas e contar o que sabem sobre os crimes, além de devolver os bens adquiridos ilegalmente; de outro, a Justiça reduz suas penas.
Foto: Getty Images/AFP/H. Andrey
O juiz
Responsável pela Lava Jato na 1° instância, o ex-juiz federal Sergio Moro logo ganhou notoriedade. Em manifestações, foi ovacionado pelo povo e chegou a ser chamado de "herói nacional". Mas também foi acusado de agir com parcialidade política. Em 2018, deixou o cargo e aceitou ser ministro do presidente Jair Bolsonaro, cuja candidatura foi beneficiada pela prisão de Lula no ano anterior.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Expansão internacional
Se começou num posto de gasolina em Brasília, a Lava Jato ganhou proporções internacionais com o aprofundamento das investigações. Segundo dados do Ministério Público Federal levantados a pedido da DW Brasil, a investigação já conta com a cooperação de pelo menos outros 40 países (veja no gráfico acima). Além disso, 14 países, fora o Brasil, investigam práticas ilegais promovidas pela Odebrecht.
Um terremoto político
Ao longo de cinco anos, a Lava Jato influenciou o impeachment de Dilma Rousseff, enfraqueceu o governo Michel Temer e contribuiu para a derrocada de velhos caciques do PT, MDB e PSDB. Em 2018, Lula, então favorito para vencer as eleições presidenciais, foi preso e teve a candidatura barrada. As investigações também fortaleceram um discurso antissistema que beneficiou a campanha de Bolsonaro.
Foto: picture-alliance/dpa/ZUMAPRESS/C.Faga
Críticas e revelações
A Lava Jato também acumulou acusações de parcialidade e de abusos em seus métodos. Em 2019, os procuradores da força-tarefa foram duramente criticados por tentarem criar uma fundação para gerenciar uma multa bilionária da Petrobras. No mesmo ano, conversas reveladas pelo site "The Intercept" apontaram suspeita de conluio entre Moro e os procuradores na condução dos processos, o que é proibido.