Canadenses suspeitam de ligação entre Irã e Al Qaeda
26 de abril de 2013No caso descrito pelas autoridades do Canadá como o "primeiro complô conhecido" da Al Qaeda em solo canadense, os suspeitos Raed Jaser e Chiheb Esseghaier negaram as acusações de que teriam tentado descarrilar um trem de passageiros em Toronto.
"As conclusões foram tomadas baseadas em fatos e palavras que são apenas aparências", disse Esseghaier, de 30 anos, a um tribunal de Montreal na última terça-feira (23/04). E, em Toronto, o advogado John Norris disse que Jaser, de 35 anos, rejeitava as alegações e que iria se defender vigorosamente contra elas.
As autoridades canadenses alegaram que os dois homens teriam recebido apoio de uma célula da Al Qaeda no Irã. Apesar de Ottawa ter esclarecido que não haveria nenhuma evidência de que a trama fracassada tivesse patrocínio estatal, Teerã logo negou qualquer conexão com o caso.
"A posição do Irã contra este grupo [Al Qaeda] é muito clara e bem conhecida", afirmou Alireza Miryousefi, porta-voz da delegação iraniana na ONU. A Al Qaeda "não tem nenhuma possibilidade de realizar qualquer atividade dentro do Irã, ou de conduzir qualquer operação no exterior a partir do território iraniano." O porta-voz arrematou: "Nós rejeitamos categoricamente qualquer conexão com o caso".
Embora o Irã xiita e a Al Qaeda sunita tenham um histórico de interação, a relação entre os dois nunca foi uma aliança, mas sempre marcada por diferenças sectárias e ideológicas.
"Objetivamente falando, os dois se desprezam", disse à Deutsche Welle Barbara Slavin, autora do livro Bitter friends, bosom enemies (Amigos ferrenhos, inimigos do peito) e membro sênior do Conselho do Atlântico. "A Al Qaeda não chega nem a considerar o Irã como um país muçulmano, em certos aspectos. Eles rejeitam o xiismo como não sendo parte do Islã. Certamente os membros mais zelosos da Al Qaeda e grupos do mesmo tipo rejeitam os xiitas dessa forma."
EUA alegam vínculos financeiros
Mas o alegado plano de atentado no Canadá não é o primeiro em que surgem alegações de que membros da Al Qaeda estariam operando a partir do Irã.
Em julho de 2011, o Departamento de Tesouro dos EUA acusou o Irã de cooperar com a Al Qaeda, ao permitir que o grupo sunita terrorista canalizasse dinheiro do Golfo Pérsico para operações no Afeganistão e Paquistão através de território iraniano. O Tesouro dos EUA levantou sanções contra seis pessoas que supostamente fariam parte da rede financeira ilícita, informou o jornal New York Times.
"Essa rede serve como o principal duto através do qual a Al Qaeda movimenta dinheiro, facilitadores e pessoal operacional a partir do Oriente Médio até o sul da Ásia, inclusive para Atiyah Abd al-Rahman, um importante líder da Al Qaeda com base no Paquistão", disse o Departamento do Tesouro em comunicado de imprensa na ocasião.
Relação antagônica
Mas depois de analisar documentos apreendidos no complexo de Osama bin Laden em Abbottabad, no Paquistão, o Centro de Combate ao Terrorismo (CTC, na sigla em inglês) da Academia Militar de West Point chegou a uma conclusão bastante diferente sobre os laços da Al Qaeda com o Irã.
Num relatório de maio de 2012, o CTC afirma que "a relação não é de aliança, mas de negociações indiretas e desconfortáveis sobre a libertação de jihadistas e familiares, incluindo membros da família de Bin Laden".
De acordo com Slavin, muitos desses jihadistas e familiares de Bin Laden estavam detidos em Teerã, após fugir da invasão encabeçada pelos EUA no Afeganistão em 2001. E após a invasão do Iraque, em 2003, a República Islâmica chegou a propor a troca de membros presos da Al Qaeda por líderes do Mujahedin do Povo (MEK), grupo oposicionista iraniano baseado no Iraque.
"Os EUA consideraram a proposta, mas a administração Bush – em sua infinita estupidez – optou por não levar o caso à frente, porque funcionários do governo resolveram que queriam usar membros do MEK contra o Irã em algum momento", disse Slavin. "Dessa forma, os dois podem jogar esse jogo de cultivar laços terroristas e tentar usá-los para seus fins."
Interesses conflitantes
Os interesses dos xiitas do Irã e dos sunitas da Al Qaeda são altamente divergentes. Enquanto o maior aliado do Irã no Oriente Médio é o combativo ditador sírio Bashar al-Assad, a Frente Al-Nusra, ligada à Al Qaeda, luta pelo afastamento do ditador. E Teerã apoia o governo xiita do primeiro-ministro Nouri al-Maliki no Iraque, que a Al Qaeda procura desestabilizar.
De acordo com Bernd Kaussler, especialista em Irã da Universidade James Madison, em Virgínia, EUA, a cooperação entre o Irã e a Al Qaeda ou o apoio a planos de atentado como o atual no Canadá estariam "fora de sintonia com o que o Irã tem feito recentemente".
Os militantes pelos direitos da desprivilegiada população sunita do Irã na província de Sistan-Baluquistão realizam regularmente ataques contra a República Islâmica. E, historicamente, o Irã é arqui-inimigo dos talibãs no vizinho Afeganistão.
"O Irã quase declarou guerra aos talibãs, que têm sido aliados da Al Qaeda, antes da invasão do Afeganistão pela Otan em 2001", disse Kaussler. "Deste modo, a relação entre o Irã e a Al Qaeda está longe de ser amistosa."