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Perfil

Soraia Vilela20 de outubro de 2008

Discípula de Bernd Becher, a fotógrafa Candida Höfer é hoje uma das mais conceituadas artistas alemãs contemporâneas. A distância em relação ao espaço fotografado é sua assinatura ao inventariar o espaço público.

Distância, sobriedade e apuro formal caracterizam a obra da artistaFoto: picture-alliance / dpa/dpaweb

A fotógrafa alemã Candida Höfer dedica-se basicamente em sua obra a dois temas centrais: a arquitetura e o homem. Embora o segundo elemento – o homem – possa, à primeira vista, até parecer irrelevante para quem se depara pela primeira vez com as reproduções em grande formato da artista.

Seu olhar se volta claramente para espaços públicos: museus, bibliotecas, universidades, halls, salas de espera, casas de ópera, salões de reunião e zoológicos, mas também espaços limítrofes e menos representativos como corredores.

Entre quatro paredes

'Turcos na Alemanha', exposto na mostra 'Projeto Migração', em Colônia: um dos primeiros trabalhos da artistaFoto: Candida Höfer

Nascida em 1944 em Eberswalde, no leste alemão, Candida Höfer cresceu em Colônia, no oeste do país. Depois de trabalhar num estúdio de fotografia e freqüentar oficinas práticas do ofício fotográfico, estudou na Academia de Artes de Düsseldorf entre 1976 a 1982, tendo sido aluna de Bernd Becher. Em 2003, sua obra fez parte do Pavilhão Alemão na Bienal de Veneza.

No início de sua trajetória, na década de 1980, a fotógrafa ainda se dedicava ao registro de cenas cotidianas, como na série Turcos na Alemanha. Mais tarde seu olhar se voltaria primordialmente para espaços internos, cerceados por linhas geométricas e emoldurados pela arquitetura.

Ironicamente, porém, o trabalho que tornaria a artista internacionalmente conhecida foi realizado "do lado de fora": para o Museu Rodin de Paris Candida Höfer fotografou 12 exemplares da escultura em bronze Cidadãos de Calais, de Auguste Rodin, que se encontram espalhadas pelo mundo.

Insegurança dentro da linha

O que passou em determinado momento a caracterizar a obra de Candida Höfer foram os espaços desabitados, que provocam no espectador uma espécie de mal-estar, já que estes espaços existem originariamente para serem povoados. Sem ninguém, chegam a parecer ameaçadores. Apesar da ausência, há, no entanto, rastros mínimos da presença do homem em suas bilbliotecas ou museus monumentais.

Os ambientes escolhidos por Höfer "são todos lugares onde a ordem e a organização exercem um papel importante. E a artista fotografa esses lugares de forma que essa ordem salta aos olhos: linhas horizontais e verticais dominam a imagem, caminhos são traçados, quando possível, em direção ao centro da imagem. Ou então simplificados de tal forma que se surja apenas um ou no máximo dois espaços. E as pessoas aparecem, quando aparecem, somente como acessórios", descreve o diário suíço Neue Zürcher Zeitung a obra da artista.

Sobriedade em série

Outra das peculiaridades de Candida Höfer é sua predileção pela criação de séries dos espaços que escolhe para fotografar. Séries essas que não conhecem encenações exageradas, nem intervenções digitais. Sua câmera é, via de regra, posicionada na altura dos olhos.

'Jardins Zoológicos: Hamburgo I', exposta na mostra 'Trópicos', no Martin-Gropius-Bau, em BerlimFoto: VG Bild-Kunst, Courtesy Johnen Galerie, Berlin

A artista abdica de iluminação artificial e de qualquer deviação de perspectiva. Nenhuma aproximação através de zooms, nunca um objeto demasiadamente em destaque. Apenas uma grande angular a fim de proporcionar o efeito desejado de reprodução do espaço em questão.

A obra de Candida Höfer é de uma sobriedade que desconhece artifícios, ou melhor, não precisa destes. "Um distância fria e clara domina suas imagens. Não há nada fora de foco ou furtivo nelas. As cores e as proporções são tão rígidas e estabelecidas com precisão como numa pintura antiga", relatou o jornal Frankfurter Allgemeine Zeitung (FAZ), quando a artista foi escolhida para representar a Alemanha na Bienal de Beneza, em 2003.

Bibliotecas

Guiada por um ensaio de Umberto Eco, escrito em 1981, Candida Höfer expôs em reproduções de grande formato a grandeza e o esplendor do espaço da "biblioteca". O reduto do livro, do registro em papel – tido por muitos como fadado à extinção desde o advento da era digital.

Visitante observa exposição na Espanha. Fotografia do Arquivo da Universidade de Coimbra, por Candida HöferFoto: picture-alliance /dpa

A fotógrafa registrou no decorrer de aproximadamente uma década bibliotecas na Europa, nos Estados Unidos e na América do Sul (inclusive no Brasil), cujos interiores enormes são geralmente marcados por contornos geométricos, linhas exatas, prateleiras imponentes e uma ordem maior que parece pairar sobre o saber.

Mármore, madeira de lei e lustres barrocos compõem os ambientes. Mais de 130 dessas reproduções estão reunidas no volume Candida Höfer: Bibliotecas, publicado junto a um ensaio de Umberto Eco, um defensor ávido do acesso direto do leitor aos livros das "bibliotecas do mundo".

A perpetuação da leitura e do saber, passados pelos livros de geração a geração, torna-se explìcita nas fotografias de Candida Höfer. E muito se enganam aqueles que vêem em sua obra um excesso de impessoalidade no vazio. Quem observa com cuidado, encontra em suas fotografias o rastro do "não perfeito": em meio à rigidez da forma, há sempre uma escada num canto, um livro entreaberto ou mesmo um pequeno objeto pessoal "esquecido".

Escola dos Becher

Uma das representantes da primeira geração de estudantes do fotógrafo Bernd Becher na Academia de Artes de Düsseldorf , Candida Höfer é considerada – ao lado de Andreas Gursky, Thomas Ruff, Alex Hütte e Thomas Struth – uma das representantes do que se convencionou chamar de Nova Objetividade na fotografia contemporânea alemã.

Bernd Becher: mentor de uma geração de fotógrafosFoto: picture-alliance / dpa

Uma escola que se desenvolveu sob a influência do casal Bernd e Hilla Becher e que se volta para o registro documental, resgatando o apuro formal de um László Moholy-Nagy, por exemplo. E cujo nome é uma referência direta à Neue Sachlichkeit deste e de outros artistas da Bauhaus (1919–1933).

Assim como os mestres Bernd (morto em 2007) e Hilla Becher e muitos dos "colegas de escola", a artista possui uma visão purista da fotografia, que abdica da manipulação digital da imagem e de qualquer intervenção nos espaços fotografados.

Distância necessária

Hoje, Candida Höfer é uma das artistas alemãs mais conceituadas dentro e fora do país, com exposições somente no ano de 2008 no Centro de Artes e Mídia de Karlsruhe (ZKM), no Museu de Arte Moderna de Paris e no Museu de Arte Contemporânea de Kumamoto, no Japão.

Vivendo num subúrbio tranqüilo de Colônia, a artista parece manter na vida privada a mesma postura que permeia sua obra: "Sua casa é, acima de tudo, um espaço da distância, uma casa sem uma foto da própria: vazia, grande, clara. Nenhum ambiente entulhado, muita luz, bastante distância dos vizinhos", descreveu o jornal FAZ há alguns anos. Possivelmente condições imprenscindíveis para manter um olhar tão sóbrio e atento em relação ao mundo do lado de fora.

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