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"Candidatos evangélicos de esquerda se unem em apoio a Lula"

30 de setembro de 2022

Esquerda evangélica ganhou força sob Bolsonaro, e candidatos do segmento apoiam Lula por vê-lo como o único que pode contribuir para a superação do "governo do terror" do atual presidente, diz pesquisadora.

Lula em encontro com líderes evangélicos em São Gonçalo, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, em 9 de setembro de 2022
Lula em encontro com líderes evangélicos em São Gonçalo, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, em 9 de setembro de 2022Foto: Pilar Olivares/REUTERS

Numa reação à pauta conservadora do governo do presidente Jair Bolsonaro, evangélicos de esquerda estão se mobilizando para disputar vagas no Congresso Nacional e apoiar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições deste domingo (02/10).

É o que mostra uma pesquisa inédita coordenada pela professora do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisadora do Instituto de Estudos da Religião (ISER), Christina Vital.

Em fase final de elaboração, o estudo identificou que cerca de 10% das 934 candidaturas cristãs registradas no TSE estão à esquerda no espectro político. Apesar de pouco numerosas, elas têm provocado "reações violentas de líderes conservadores" ao difundir suas propostas através de podcasts e redes sociais.

Realizada em parceria entre a fundação alemã Heinrich Böll, o ISER e o Laboratório de Estudos Sócio-Antropológicos da UFF, a pesquisa pretende fazer uma radiografia do comportamento da esquerda evangélica nestas eleições, ao mostrar como ela se articulou – tanto na disputa por votos, quanto na atuação junto às bases. Sua publicação está prevista para meados de outubro, logo após o primeiro turno.

Eleito com um apoio massivo dos evangélicos em 2018, Bolsonaro perdeu o suporte de grupos religiosos relevantes, aponta Vital. "Muitos se desiludiram com o seu governo, pois acreditam que o presidente não implementou promessas como o combate à corrupção, além da grande insatisfação com a questão econômica", diz à DW.

Segundo Vital, a esquerda evangélica ganhou força durante o governo Bolsonaro, e agora "há um sentimento de união forte em torno da candidatura de Lula, seja pela representatividade dele como líder de esquerda, pela crença de que ele vai reorganizar a vida política nacional, seja porque ele é a única candidatura com fôlego para vencer e contribuir para a superação da política do atual presidente Bolsonaro, chamada por vários desses candidatos de 'governo do terror'".

"Ainda não sabemos como isso vai se reverter em votos, mas a mensagem dos evangélicos à esquerda ecoa", afirma a pesquisadora.

DW: Que peso os evangélicos de esquerda terão nessa disputa eleitoral de 2022?

Christina Vital: Entre as 934 candidaturas com nome religioso de urna no TSE, 875 são cristãs – das quais cerca de 10% estão à esquerda no espectro político, segundo dados produzidos por Matheus Pestana, do ISER. Elas não são tão volumosas, mas vêm crescendo. E o alcance de suas narrativas tem se amplificado mediante podcasts, programas de rádio, redes sociais. Ainda não sabemos como isso vai se reverter em votos, mas a mensagem dos evangélicos à esquerda ecoa, e por isso tem gerado tantas reações violentas de líderes conservadores, inclusive com perseguição a pastores de igrejas evangélicas que apoiam essas candidaturas.

Qual o perfil desses candidatos evangélicos de esquerda em campanha hoje?   

A maioria dessas candidaturas é de pessoas negras, especialmente de mulheres negras. E há muitos jovens e pessoas de classes sociais baixas, como moradores de favelas e periferias. Eles têm em comum a participação em organizações de classe, movimentos cívico-religiosos e uma formação escolar básica completa. Vários têm, inclusive, graduação em áreas de humanas.

Muitos falam em suas lives, ou nas entrevistas diretas, sobre a importância de estarem em assembleias e câmaras legislativas para transformar o quadro social atual. Há um entendimento de que não é mais possível fazer luta política contra o racismo e o feminicídio apenas no movimento social.    

Você acredita que eles irão apoiar majoritariamente o ex-presidente Lula?

Todas as candidaturas evangélicas de esquerda que estamos acompanhando qualitativamente estão apoiando Lula em suas redes sociais, atos de campanha nas ruas, em manifestações. Há um sentimento de união forte em torno da candidatura de Lula, seja pela representatividade dele como líder de esquerda, pela crença de que ele vai reorganizar a vida política nacional, seja porque ele é a única candidatura com fôlego para vencer e contribuir para a superação da política do atual presidente Bolsonaro, chamada por vários desses candidatos de "governo do terror".   

A esquerda evangélica ganhou força após a eleição de Bolsonaro, em 2018?

Sim. Evangélicos à esquerda na política sempre existiram na vida republicana brasileira. Durante a ditadura, eles se organizaram, por exemplo, sob a orientação teológica da Missão Integral, movimento paralelo ao da Teologia da Libertação católica. Mas, a partir de 2020, houve a organização de coletivos voltados para a proposição de candidaturas de evangélicos – e também católicos –, de esquerda, como o movimento Cristãos Contra o Fascismo e a Bancada Evangélica Popular – que tentava se contrapor à frente parlamentar evangélica no Congresso Nacional, além do coletivo Um Ato de Amor, que surge em 2022. 

Nesse sentido, é um fenômeno novo. Os partidos de esquerda também têm se empenhado em dialogar de modo mais intenso com este segmento desde 2020, trazendo evangélicos para formar seus quadros. Mas, de fato, essas candidaturas vêm crescendo ano a ano.

Quais são as pautas mais relevantes para eles nestas eleições?

A questão da segurança pública é um ponto importante, já que muitas candidaturas são de residentes em favelas e periferias. Eles defendem uma política de segurança contra o "primeiro atira, depois pergunta", máxima que para muitos moradores dessas áreas resume a lógica da ação policial. A defesa do Estado laico é outro ponto importante, pois na visão deles isso garante a sobrevivência de todas as religiões – inclusive a cristã, e serve ainda para que eles se diferenciem do mainstream evangélico, de direita e conservador, acusado de violar essa laicidade. O combate às armas, que deixam as mulheres e as famílias nas periferias mais vulneráveis, também está em pauta, assim como a própria questão racial.

A mais recente pesquisa do Datafolha (29/09) mostra que o apoio dos evangélicos a Lula está em 30% contra 50% para Bolsonaro. De que forma a campanha de Lula tem tentado conquistar esse segmento do eleitorado?

A campanha de Lula tem feito eventos públicos nos quais reúne evangélicos das mais variadas denominações em torno do compromisso de retomar a prosperidade nacional e de valorizar a família ao lado dos evangélicos. Eles contam com o apoio de nomes como Benedita da Silva e Ariovaldo Ramos, além do próprio antigo coordenador do Movimento Evangélico Progressista, Geter Borges, hoje um dos grandes articuladores do Núcleo de Evangélicos do PT.  A campanha também tem adotado a estratégia de relembrar o tempo de prosperidade vivido pelas camadas mais baixas nos governos Lula, abordando, por exemplo, temas como as políticas públicas para mulheres, programas de renda e outros benefícios.   

Você diria que uma parte do eleitorado evangélico que votou em Bolsonaro em 2018 se decepcionou com o desempenho do governo?

Certamente. Bolsonaro foi eleito em 2018 com uma ajuda muito expressiva dos evangélicos. Mas vários grupos de sustentação da campanha saíram de sua base de apoio logo no primeiro ano. Outros foram pulando fora do barco ao longo da gestão, como o Escola sem Partido e a Associação Nacional de Juristas Evangélicos. Os dados mostram que Bolsonaro teve um decréscimo do apoio nesse segmento religioso e conservador.

Muitos grupos evangélicos se desiludiram com o seu governo, pois acreditam que Bolsonaro não implementou promessas como o combate à corrupção e a implementação do programa Escola Sem Partido. Além da grande insatisfação com a questão econômica, que afeta diretamente a base social, logo, várias famílias evangélicas na sociedade brasileira.

Vale lembrar que os evangélicos se concentram principalmente nas cidades, em bairros periféricos e em favelas. Hoje, existe uma divisão e uma tensão interna nesse universo religioso, que representa entre 29% e 31% dos brasileiros.  

Além de tentar se aproximar dos evangélicos, Bolsonaro também tem feito muitos acenos aos católicos...  

Bolsonaro tem feito um esforço muito grande na direção de trazer os católicos, que estão, em sua maioria, apoiando Lula. Ele tem falado que é católico em campanhas na rua, em eventos de Estado e em lives, justamente para atrair esse segmento – que vota majoritariamente em Lula. No 7 de Setembro no Rio de Janeiro, por exemplo, havia várias imagens de Nossa Senhora, e um carro de som alugado pelo Centro Dom Bosco, um grupo católico bem conservador.

Em 2018, Bolsonaro atuou através de uma estratégica que chamei de ADE – Aliados dos Evangélicos. Ele se apresentava como católico, mas explorava essa vinculação com o universo evangélico. Ele continua com essa tática, mas reforça mais sua identidade católica. É como se, ao lado da mulher, que é evangélica, ele tentasse fortalecer uma identidade cristã como sua marca.  

Bolsonaro se apresenta como católico, mas explora vinculação com universo evangélico, diz pesquisadora Foto: Isac Nóbrega/PR

Não há uma contradição entre as pautas progressistas dos partidos de esquerda e as posturas mais conservadoras comuns aos evangélicos no Brasil?

Do ponto de vista dos evangélicos progressistas, não há contradição em defender a independência da mulher, lutar contra a homofobia, propondo o acolhimento LGBT, ou ainda combater o racismo, por exemplo. Todas essas questões são defendidas à luz da teologia, através de passagens do Novo Testamento e, portanto, da vida do próprio Cristo − que optou pelos pobres, que traz ao protagonismo personagens femininas.

Isso é importante porque os conservadores evangélicos e católicos acusam seus pares progressistas de não serem verdadeiramente cristãos. Mas os progressistas cristãos afirmam a força de sua fé e de seus posicionamentos políticos justamente ancorados no texto bíblico. Mas outras temáticas, como a questão das drogas e do aborto, são mais controversas até no universo progressista. Não há um alinhamento.

O que a motivou a estudar o comportamento da esquerda evangélica?  

Depois da eleição de Bolsonaro, começamos a lançar um olhar sobre os movimentos de resistência às ações ultraconservadoras, às narrativas de ódio, às políticas de desvalorização da diversidade que estavam se organizando na sociedade. Nas eleições municipais de 2020, numa parceria entre a Fundação Heinrich Böll, o Instituto de Estudos da Religião e a Universidade Federal Fluminense, investigamos os movimentos evangélicos à esquerda em sua luta por espaço na vida político partidária.

Agora, vamos analisar esse comportamento nas eleições gerais. Nosso objetivo é identificar as candidaturas religiosas – evangélicas, católicas e às ligadas ao universo afro-religioso –, para compreender a presença pública da religião na sociedade, e suas interfaces com a democracia ou com forças antagônicas a ela.

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