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Candidatos ignoram ética e deixam eleitor sem debates construtivos

Karina Gomes17 de outubro de 2014

Disseminação de ofensas e factoides ofusca discussão sobre planos de governo, numa "guerrilha digital" que contamina partidários. Com liminar dada nesta semana, TSE abre brecha para que campanhas sejam mais propositivas.

Foto: NELSON ALMEIDA/AFP/Getty Images

Os comentários de partidários de PT e PSDB nas redes sociais têm sido marcados por ofensas e troca de acusações, num reflexo, segundo especialistas, da postura que os próprios candidatos vêm demonstrando nos debates e da tendência de esvaziamento da discussão dos projetos de governo.

Diante de cerca de 40 milhões de eleitores com idade entre 16 e 28 anos, que se informam majoritariamente pelo meio digital, segundo apontam pesquisas de agências especializadas, as campanhas têm reforçado pela internet a propaganda dos meios tradicionais do rádio e da televisão e os argumentos apresentados pelos presidenciáveis nos debates.

Minutos depois de Dilma Rousseff fazer uma pergunta sobre a Lei Seca a Aécio Neves no debate de quinta-feira (17/10), a página do PT no Facebook compartilhou uma reportagem que relata que o tucano foi parado por uma blitz e teve a carteira de habilitação apreendida. O post traz a hashtag #RespondeAécio.

Já a página do candidato do PSDB se concentrou em reproduzir perguntas feitas por ele à petista, como as denúncias sobre corrupção na Petrobras e a nomeação de Igor Rousseff, irmão da presidente, ao gabinete do ex-prefeito e agora governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel, em 2003.

"Essa violência que não é estranha à sociedade brasileira, mas está no seu cerne e faz parte da vida cotidiana, se transfere para as redes sociais", diz Roberto Romano, professor de Ética da Unicamp. "O mais lamentável nessa campanha é que ela veio acentuar essa violência desregrada, sem nenhuma perspectiva programática. Entre os candidatos, não vemos a apresentação dos programas de governo. Há apenas slogans repetidos, palavrórios e xingamentos."

Para a advogada Patricia Peck Pinheiro, especialista em Direito Digital, o maior prejudicado em meio às acusações entre os candidatos à Presidência nas redes sociais é o eleitor.

"Infelizmente, no Brasil, ainda prevalece a guerrilha digital. A liberdade de expressão se confunde com direito de ofender. Isso é negativo para a democracia, pois confunde o eleitor e não agrega conhecimentos relevantes sobre projetos e propostas de governo", avalia.

Precedente

Horas antes do debate de quinta-feira, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) concedeu uma liminar ao tucano Aécio Neves para que trechos de uma propaganda eleitoral do PT veiculada em rádio sejam suspensos. Na peça, o ex-governador de Minas Gerais é associado à ditadura.

Os ministros do TSE entenderam que a decisão abre um precedente para que as propagandas eleitorais sejam mais "programáticas" e "propositivas". "A Justiça Eleitoral tem que adotar uma postura de como vai admitir que esse jogo seja jogado", declarou o ministro Luiz Fux.

O especialista em Direito Eleitoral e Constitucional Erick Wilson Pereira, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), assinala que na campanha do segundo turno se trabalha a desconstrução da imagem do adversário, ao contrário do primeiro turno, em que o tom é mais propositivo.

Aécio vem concentrando seus ataques no escândalo da Petrobras e em um suposto caso de nepotismoFoto: Reuters/P. Whitaker

"Nesse sentido, se busca mostrar o aspectos negativos do oponente e, às vezes, isso transborda o raio da legalidade e da razoabilidade", afirma.

Para ele, essas eleições presidenciais têm sido marcadas pela criação de factóides e notícias inverídicas.

"O eleitor precisa de informação, isso é um direito constitucional. Por isso, a Justiça Eleitoral não pode permitir que as campanhas modifiquem os fatos", argumenta. "Além disso, a propaganda não é gratuita. Ela é paga pelo contribuinte com os benefícios e compensações fiscais que as emissoras têm."

O advogado considera que, nestas eleições, a Justiça Eleitoral se posiciona de uma forma mais contundente. Em pleitos anteriores, processos que se referiam a mandatos de governador, senador e presidente da República geravam uma timidez devido ao peso dos cargos.

"Hoje, a Justiça Eleitoral tem cassado mandatos e aplicado multas para gerar um efeito educativo nos cidadãos e nos políticos", avalia.

Já Romano é cético quanto ao novo posicionamento do TSE. "Existe uma pressão insuportável dos poderes sobre o Judiciário, que não desgosta de privilégios. É muito difícil conseguir que a corte aja de uma maneira imparcial, objetiva e prudente", diz o professor da Unicamp.

Minirreforma

Neste ano, a presidente Dilma Rousseff sancionou a lei da minirreforma eleitoral. O texto prevê alterações de prazos e estabelece maiores restrições para evitar a propaganda eleitoral irregular.

No âmbito das redes sociais, é permitido a candidatos e filiados partidários se manifestarem em grupos de discussão na internet, sem que isso seja considerado propaganda eleitoral antecipada. A nova legislação, no entanto, só vale para as eleições municipais, em 2016.

Dilma usou caso da Operação Lei Seca envolvendo Aécio para tentar desconstruir adversárioFoto: Reuters/P. Whitaker

Para a advogada Patrícia Peck Pinheiro, a minirreforma eleitoral não será suficiente para promover o controle sobre manifestações políticas na internet. A especialista defende que o TSE se empenhe na educação da cidadania digital e na regulamentação dos limites do que pode ou não ser feito nas mídias sociais.

"Uma cartilha de ética e cidadania digital já ajudaria muito, mas também é necessário falar sobre consequências a quem não cumpre as regras eleitorais. No Brasil, prevalece a crença da impunidade", diz.

Romano avalia que a nova lei se apresenta como um paliativo, não uma solução: "A Justiça Eleitoral ainda tem muito o que caminhar para assegurar eleições republicanas no Brasil, a começar por uma grande reforma na estrutura dos partidos, que são dominados por oligarquias."

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