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Expectativas africanas

1 de outubro de 2010

A corrida eleitoral brasileira está sendo acompanhada de formas diferentes nos países africanos de língua portuguesa. Candidatura da governista Dilma Roussef tem maior projeção por causa da imagem de Lula.

Presidente Lula em Guiné Equatorial na sua última visita à África, em julho de 2010Foto: Ricardo Stuckert

Durante os oito anos da gestão Lula, a política externa brasileira deu um novo impulso às relações diplomáticas e econômicas com o continente africano – onde a China é protagonista em investimentos e representa concorrência tanto para o Brasil quanto para países europeus e os Estados Unidos.

Em seus dois mandatos, Lula visitou a África 11 vezes – é o presidente brasileiro que mais viajou ao continente, onde o Brasil abriu ou reativou 16 embaixadas nos últimos oito anos. Por causa das afinidades históricas e linguísticas, a relação do Brasil pode ser considerada mais próxima com os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa, Palop, onde o país sul-americano passou a ter presença e imagem mais fortes durante a gestão Lula.

Esta semana, por exemplo, em entrevista à Deutsche Welle, o chanceler brasileiro Celso Amorim reiterou o apoio do Brasil, no âmbito da comunidade internacional, à estabilização da Guiné-Bissau, palco há anos de instabilidade política e considerada ponto intermediário do tráfico de drogas entre a América do Sul e a Europa.

Precisamente devido ao momento histórico e econômico que esses países enfrentam, e também por causa da figura emblemática de Luiz Inácio Lula da Silva, a atenção dos africanos se volta para o Brasil, visto como democracia consolidada.

Daí o interesse, especialmente das ex-colônias de Portugal no continente africano, pela corrida presidencial brasileira. Em Angola, Moçambique e Cabo Verde, a Deutsche Welle apurou que a candidatura da petista Dilma Rousseff tem maior projeção; e que o balanço da política africana de Lula é, em geral, positivo.

Rafael Marques: 'investidores brasileiros tem imagem de corruptos em Angola'Foto: privat

"Mais realista"

Em Angola, um dos maiores e mais tradicionais parceiros econômicos do Brasil no continente africano, pouco ou nada se sabe sobre a corrida presidencial da ex-colônia portuguesa na América do Sul. Pelo menos é assim nas áreas rurais – onde dominam os meios de comunicação estatais.

O cenário foi descrito pelo jornalista angolano e ativista de Direitos Humanos Rafael Marques."A imprensa estatal não está destacando as eleições presidenciais brasileiras. A corrida tem mais atenção nas zonas urbanas, onde se tem mais acesso às redes de televisão brasileiras. Mas ainda há pouca informação", diz Marques, conhecido crítico do governo angolano.

Entre os três principais candidatos à sucessão de Lula, a governista Dilma Rousseff é a mais conhecida, afirma Marques – por causa da popularidade do presidente brasileiro. "Pouco se sabe sobre os rivais. Mas, para os angolanos, é importante que o sucessor tenha uma atitude mais realista em relação a Angola – assim como a do próprio Lula," diz Marques.

"Ele viu a necessidade de passar pelo mercado africano para se firmar no contexto internacional. Mas acredito que essa política era muito pouco conhecida no Brasil ou pouco divulgada". Para Marques, a política africana do próximo presidente brasileiro teria de ser conhecida no país como uma estratégia econômica, e não como uma "aventura".

"Brasileiros são corruptos"

Segundo relatos da imprensa, Angola é um dos países africanos onde o Brasil mais investe e onde sua presença é mais clara.

Porém, para o jornalista Rafael Marques, a presença das empresas brasileiras num dos três maiores produtores de petróleo do continente africano se resume a alguns poucos nomes, como o da construtora Odebrecht, que de acordo com o jornal britânico Financial Times é o maior empregador privado no país africano. Ficaria atrás apenas da petrolífera estatal Sonangol.

Maputo, a capital de Moçambique: afinidade histórica aproxima o país do BrasilFoto: picture-alliance/ dpa

"Sempre se destacou muito a presença de Lula em Angola, sua intervenção no país, mas não houve diversificação das empresas brasileiras, poucas além da Odebrecht e da Camargo Corrêa vieram para cá. Não houve uma verdadeira transferência de know-how, ou obras sustentáveis de longo prazo", relata Marques. "Quem domina as relações diplomáticas entre Brasil e Angola é a Odebrecht – e é claro que é uma empresa extremamente privilegiada, tanto pelo governo brasileiro, quanto pelo angolano".

O ativista pede uma revisão das relações diplomáticas entre Brasil e Angola, que transmitam "a seriedade e os avanços do Brasil". "Em Angola, a sociedade tem uma imagem muito ruim do investidor brasileiro – por causa da Odebrecht. Porque a ideia que se tem é que as empresas brasileiras são muito corruptas", afirma Marques.

"Teleguiada"

Em Moçambique, o Brasil está presente também com a Odebrecht e a mineradora Vale. Em conjunto, as duas empresas deverão desenvolver a exploração de reservas de carvão para preparar o minério para o mercado internacional. O Brasil também quer montar uma fábrica de medicamentos contra Aids em Moçambique, um dos projetos de maior destaque das relações entre os dois países.

Por causa dessa presença econômica e da relação mais próxima que existe hoje entre o Brasil e Moçambique, o jornalista Fernando Lima, do jornal Savana, também vê que as elites do país estão prestando grande atenção na corrida presidencial brasileira.

"Vejo que, no âmbito das instituições de poder, claro que estão todos torcendo para que Dilma ganhe as eleições". Segundo Lima, porém, em outros setores sociais, a corrida presidencial brasileira também não tem tido muito destaque em Moçambique.

O jornalista não acredita que a política africana do Brasil vá mudar muito no novo governo. "Uma nova presidência seria muito teleguiada por Lula – e isso acabará por condicionar alguns aspectos da própria presidência de uma candidata como Dilma. Isto significa que não haverá muitas inflexões na política africana, pelo menos num período inicial."

Cabo Verde enfrenta seca: parcerias com o Brasil não têm empresas de vultoFoto: Renate Krieger / DW

Torcida por Dilma

Geograficamente, o arquipélago de Cabo Verde – a cerca de 600 quilômetros da costa do Senegal – é o país africano de língua oficial portuguesa mais próximo do Brasil. Voos semanais para Fortaleza, a formação de profissionais cabo-verdianos nas universidades brasileiras e o intercâmbio cultural no âmbito da música – e das telenovelas brasileiras, que também gozam de grande audiência em outros países africanos lusófonos – são as marcas da relação, sobretudo sentimental, entre Cabo Verde e Brasil.

O analista político cabo-verdiano Ludgero Correia diz que, no arquipélago africano, há uma corrente "muito forte a favor de Dilma. Não é só pelo fato de ela ser a candidata de Lula, mas também por ser a candidata da continuidade – promete garantir os bons resultados da economia, a boa redistribuição da renda, e a inegável redução do fosso entre ricos e pobres. Também há o fator PSDB, com suas hesitações em relação à chapa de Serra. Isso foi seguido muito de perto em Cabo Verde", diz Correia.

Ludgero Correia é analista político em Cabo VerdeFoto: Ludgero Correia

Correia também avalia que Dilma conseguirá dissociar seu governo da imagem de Lula. "A nova Dilma, a Dilma que hoje se vê, é um produto da [jornalista] Olga Curado, que tem estado por trás das ações da campanha de Dilma. Há quem diga que Dilma governará pela mão de Lula. Mas quem se lembra da Dilma da juventude, da revolucionária, com o poder na mão, muito dificilmente ela será títere nas mãos de quem quer que seja".

O colunista político, que colabora com meios de comunicação cabo-verdianos como o jornal A Semana, afirma ainda que os principais candidatos à sucessão de Lula são bastante conhecidos no arquipélago. Correia também vem seguindo de perto as pesquisas eleitorais brasileiras. "Para mim, sempre houve o momento em que Dilma estagnaria", avalia, referindo-se ao "aparente encolhimento" da candidata governista na última semana e ao "crescimento de Marina Silva", candidata do Partido Verde.

"Haveria esse momento, e o PSDB tentaria chegar com velocidade. Acho que, menos que um encolhimento, aconteceu uma estagnação com Dilma. E, por isso, acho que ela poderá até ganhar no primeiro turno – por causa de um fator que não se tem destacado muito: o voto feminino", analisa.

Autora: Renate Krieger
Revisão: Roselaine Wandscheer

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