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Caos informático e herança cultural

Oliver Samson / tj22 de agosto de 2002

O patrimônio cultural da humanidade toma cada vez mais a forma digital. Talvez já tarde demais, começamos a nos perguntar como preservar esse legado.

O auto-retrato de Van Gogh sobreviverá os séculos numa folha de papel. Em CD, sua vida está limitada a poucas décadasFoto: Van Gogh Museum, Amsterdam

No clássico A máquina do tempo, do romancista inglês H. G. Wells (1866 – 1946), o protagonista se depara, num futuro longínquo, com uma biblioteca. O conhecimento de toda a humanidade contido naqueles livros, entretanto, pulveriza-se entre seus dedos. O ser humano do futuro desaprendeu a leitura: agora, os livros são inúteis.

Especialistas em computação advertem que, nos próximos 10, 20 ou 200 anos, o mesmo pode acontecer com os artefatos digitais. Futuras gerações correm o risco de se deparar com uma confusa e indecifrável salada de códigos binários, caso não se estabeleçam padrões de arquivamento para o patrimônio digital da humanidade.

Perda da herança

Os veteranos da informática se lembram ainda de processadores de texto como o WordStar ou o VisiCalc – aplicativos praticamente obsoletos hoje em dia. Simplesmente faltam o hard e o software indispensáveis para decodificar os dados, transformando-os em informações utilizáveis. Esses dinossauros da era digital estão possivelmente extintos para sempre.

A informação digital é intrinsecamente efêmera, e freqüentemente a velocidade do desenvolvimento tecnológico a descarta antes que se reconheça a necessidade de preservá-la. Entre as instituições que já se ocupam do problema, estão a Universidade de Berkeley, o Museu Guggenheim e três outras organizações, que criaram o projeto "Arquivando a Vanguarda: Documentando e Preservando a Arte de Mídia Variável".

O primeiro passo para salvar esse legado é desenvolver um catálogo com regras e medidas para a compilação e documentação. Contudo, o tempo urge: não dispomos de décadas para encontrar um padrão de arquivamento, mas sim de no máximo cinco anos, afirmam os especialistas em informática. "Precisou-se de séculos para descobrir um sistema de notação para a música", afirma Richard Rinehart, coordenador do Departamento de Mídia Digital do Museu de Arte de Berkeley. "Também agora precisamos de um padrão desse tipo. Urgentemente."

Resgatando idéias

Nasce um campo de atuação totalmente novo para arquivistas e curadores. Não se trata somente de preservar os registros da humanidade contra poeira e umidade, os problemas já começam com os meios de armazenamento de dados em si: enquanto papel de alta qualidade retém informações durante 500 anos, os meios eletrônicos se limitam a cerca de dez. Até agora, os dados digitais têm que ser periodicamente regravados, com grande investimento de tempo e dinheiro. Assim, volta à tona a clássica pergunta dos arquivistas, só que numa dimensão totalmente inédita: o que vale realmente a pena guardar?

No momento, existem milhões de páginas em formato HTML na internet livre. Conforme estudos da iniciativa dos museus norte-americanos, diariamente mais um milhão chega à rede, enquanto alguns milhões desaparecem no mesmo espaço de tempo. A meta aqui é resgatar a arte digital da deterioração. "Temos que salvar as idéias e intenções dos artistas", afirma Jon Ippolito, encarregado do Museu Guggenheim. Entretanto, ainda se está longe de alcançar resultados concretos.

Aparelhos médicos sustentam foguetes espaciais

O problema da efemeridade digital não atinge somente o mundo abstrato do patrimônio artístico. A dificuldade de trabalhar com sistemas eletrônicos ultrapassados já atinge até a Nasa. A autoridade máxima da exploração espacial teve que procurar desesperadamente por peças da era pré-histórica digital: chips 086 da Intel, produzidos na década de 80, ainda são peças centrais do sistema de diagnóstico dos propulsores gêmeos do Space Shuttle – embora já não sejam mais produzidos há anos.

Em sua frenética busca, o centro espacial norte-americano vasculhou toda a internet, inclusive o site de vendas e trocas e-bay, e acabou comprando aparelhos médicos que ainda empregam os obsoletos mas preciosos microchips.

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