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Editora

Simone de Mello7 de dezembro de 2006

Crise interna da editora Suhrkamp traz à tona a fragilidade das instituições de produção cultural diante da voracidade dos investidores. O que será do símbolo da efervescência intelectual da Alemanha do pós-guerra?

Futuro da Suhrkamp é debatido desde a morte do editor Siegfried UnseldFoto: AP

Um país tão descentralizado e plural como a Alemanha tem poucos emblemas culturais exclusivos. Entre as raras exceções, pode-se citar a editora Suhrkamp, um símbolo da sobrevivência cultural e artística da Alemanha do pós-guerra.

Não é à toa que todas as crises pelas quais a editora passou desde a morte de Siegfried Unseld, editor que sucedeu o fundador Peter Suhrkamp, falecido em 1959, foram acompanhadas com grande atenção pela opinião pública. Em 2002, a chefia da Suhrkamp foi assumida pela escritora Ulla Unseld-Berkéwicz, viúva do editor que transformou o incipiente programa de Peter Suhrkamp na mais renomada editora de língua alemã.

Essa sucessão desagradou não apenas Joachim Unseld, filho de Siegfried, praticamente deserdado pelo pai, mas também uma série de intelectuais e escritores que temiam uma ameaça à chamada "cultura Suhrkamp".

Esta saga familiar traz agora uma nova peripécia. Dois investidores, o banqueiro Claus Grossner e o empresário Hans-Georg Barlach, ambos de Hamburgo, compraram a participação de 29% do suíço Andreas Reinhart no grupo editorial Suhrkamp/Insel e passam a assumir 45% do holding da editora em 2007. Se os investidores se juntarem a Joachim Unseld, a história da editora poderia iniciar um novo capítulo.

Mais que uma saga familiar

Após os dois investidores terem comprado a participação do co-acionista suíço, sem ter avisado previamente a editora, a Fundação Familiar Siegfried e Ulla Unseld pretende impedir em juízo a consumação do negócio.

Ulla Unseld-Berkéwicz, acusada por muitos de ter conferido um toque esotérico ao programa da editora e ter descaracterizado assim a "cultura Suhrkamp", conquistou – em seus quatro anos na direção – a confiança e o respeito de boa parte dos autores.

As transações dos investidores, feitas por trás da direção da editora, foram veementemente condenadas por autores renomados como Peter Handke, Peter Sloterdijk, Hans-Ulrich Gumbrecht, Durs Grünbein, entre outros.

Por trás de todas essas intrigas, a crise interna da Suhrkamp revela de forma nítida a infiltração do capital nos canais de produção da "alta cultura". Não que esta seja a primeira editora alemã descoberta pelos investidores, isso não. É que a importância cultural da Suhrkamp confere contornos mais sombrios a este tipo de intervencionismo, num país em que até patrocínio privado à cultura ainda é visto como tabu.

Fim da "cultura Suhrkamp"?

Entre os nomes do programa editorial da Suhrkamp estão os escritores Thomas Bernhard, Bertolt Brecht, Paul Celan, Hans Magnus Enzensberger, Max Frisch, Peter Handke, Herman Hesse, Arno Schmidt e Peter Weiss, além dos pensadores Theodor W. Adorno, Walter Benjamin, Ernst Bloch, Jürgen Habermas, Niklas Luhmann, entre muitos outros. Uma parte significativa dos escritores de destaque de língua alemã foi descoberta por esta editora.

Escritor Heinrich Böll, filósofo Theodor Adorno e editor Siegfried Unseld num evento contra a lei de emergência, em 1968Foto: dpa

Na visão de muitos, a "cultura Suhrkamp" – representada por autores que renovaram esteticamente a literatura alemã do pós-guerra e de pensadores que restabeleceram a reflexão filosófica e sociológica alemã após uma ruptura histórica sem precedentes – está ameaçada de extinção mesmo sem a interferência dos investidores com faro.

Afinal, conforme aponta o filósofo Peter Sloterdijk, este tipo de hegemonia simbólica da Alemanha artística e intelectual dos anos 60 e 70 se dissolveu junto com o monopólio de opinião liberal de esquerda. Ou seja, o meio intelectual se pluralizou e, como ele, os canais formadores de opinião, o que só pode ser bem vindo, na opinião do filósofo.

O que é unânime nas críticas à atual crise interna da Suhrkamp é a indiferença com que o capital tende a nivelar todo tipo de produção que absorve, sejam artefatos humanos ou mercadorias de linha de produção. E o mais tardar agora, percebe-se que os vendilhões estão invadindo o templo.

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