Pela primeira vez, investidores e empresários exigiram que Bolsonaro tomasse medidas efetivas contra pandemia. Colunista questiona, porém, a demora em perceber como o governo destrói o futuro do país.
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A carta aberta da elite econômica do Brasil, publicada em 21 de março, provocou algum movimento. Com a conclamação "O país exige respeito; a vida necessita da ciência e do bom governo", investidores financeiros, economistas e empresários reivindicaram pela primeira vez medidas efetivas contra a pandemia de covid-19, assim como apoio social.
Parece que o apelo no Congresso provocou um despertar: pouco depois, os presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados endureceram o tom de suas críticas a Jair Bolsonaro – o qual súbito se apresenta como partidário convicto das vacinas e desde então usa máscara. Daí para cá, contudo, muito mais não aconteceu. A formulação da carta é também antes inofensiva, não contendo uma só palavra de crítica direta à pessoa de Bolsonaro.
As exigências são espantosamente óbvias: os signatários querem vacinação o mais rápido possível, incentivo público ao uso de máscaras, assim como medidas de distanciamento social. Além disso, a luta contra a pandemia deveria ser colocada sob coordenação nacional.
A rigor, se poderia dizer que se trata do padrão mínimo de combate a um vírus, nada mais. Entretanto, após um ano em que o presidente negou o novo coronavírus e impediu medidas de gestão de crise, tais reivindicações são quase revolucionárias para o Brasil.
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Da dependência à conivência
Ainda assim, cabe perguntar: por que essa carta só vem agora? Até poucas semanas ou meses atrás, os investidores empresários estavam convencidos de que o governo federal fazia um bom trabalho na pandemia? Parece que sim.
Segundo uma enquete da Datafolha, em meados de março os empresários ainda contavam entre os principais apoiadores do presidente: 55% deles consideraram bons o governo Bolsonaro e suas medidas na pandemia – de um total de 30% da população.
A até então ausência de crítica ao governo se explica, em parte, pelo fato de 40% da economia brasileira depender do Estado – um poder com que empresários e investidores preferem não se meter. Muitos deles são dependentes de financiamento, proteção de mercado e encomendas públicas. E o Brasil não é caso isolado, o mesmo se dá em outros países.
Contudo, empresários e investidores bem sucedidos são, por definição, excelentes em prever o futuro, senão não teriam tanto êxito. Entre os atuais cerca de 1.500 signatários da carta aberta encontram-se numerosos ícones do empresariado brasileiro.
Mas será que ainda há banqueiros e investidores financeiros que acham mesmo que Bolsonaro também está liderando muito bem a economia? Por que, até agora, foi tão raro representantes da elite econômica manifestarem desagrado com a radical política bolsonarista para o meio ambiente e a educação, ou com sua tática de terra queimada na ciência e pesquisa?
Pois aí o presidente está destruindo o futuro do Brasil, e de propósito. Se crianças e jovens têm uma formação ruim, se o meio ambiente é destruído em nome de lucros efêmeros, isso prejudica de forma duradoura as condições de produção no país.
O médico e autor Drauzio Varella diz achar certas e boas as exigências dos empresários, porém questiona: "Tem um problema de timing, um ano para fazer isso?"
Vírus verbal: frases de Bolsonaro sobre a pandemia
"E daí?", "gripezinha", "não sou coveiro", "país de maricas": desde que o coronavírus chegou ao Brasil, presidente tratou publicamente com desdenho a crise. Enquanto a epidemia avança, suas falas causam ultraje.
Foto: Andre Borges/dpa/picture-alliance
"Superdimensionado"
Em 9 de março, em evento durante visita aos EUA, Bolsonaro disse que o "poder destruidor" do coronavírus estava sendo "superdimensionado". Até então, a epidemia havia matado mais de 3 mil pessoas no mundo. Após o retorno ao Brasil, mais de 20 membros de sua comitiva testaram positivo para covid-19.
Foto: Reuters/T. Brenner
"Europa vai ser mais atingida que nós"
A declaração foi dada em 15 de março. Precisamente, ele afirmou: "A população da Europa é mais velha do que a nossa. Então mais gente vai ser atingida pelo vírus do que nós." Segundo a OMS, grupos de risco, como idosos, têm a mesma chance de contrair a doença que jovens. A diferença está na gravidade dos sintomas. O Brasil é hoje o segundo país mais atingido pela pandemia.
Foto: picture-alliance/ZUMA Wire/GDA/O Globo
"Gripezinha" e "histórico de atleta"
Ao menos duas vezes, Bolsonaro se referiu à covid-19 como "gripezinha". Na primeira, em 24 de março, em pronunciamento em rede nacional, ele afirmou, que, por ter "histórico de atleta", "nada sentiria" se contraísse o novo coronavírus ou teria no máximo uma “gripezinha ou resfriadinho”. Dias depois, disse: "Para 90% da população, é gripezinha ou nada."
Foto: Youtube/TV BrasilGov
"Todos nós vamos morrer um dia"
Após visitar o comércio em Brasília, contrariando recomendações deu seu próprio Ministério da Saúde e da OMS, Bolsonaro disse, em 29 de março, que era necessário enfrentar o vírus "como homem". "O emprego é essencial, essa é a realidade. Vamos enfrentar o vírus com a realidade. É a vida. Todos nós vamos morrer um dia."
Foto: Reuters/A. Machado
"A hidroxicloroquina tá dando certo"
Repetidamente, Bolsonaro defendeu a cloroquina para o tratamento de covid-19. Em 26 de março, quando disse que o medicamento para malária "está dando certo", já não havia qualquer embasamento científico para defender a substância. Em junho, a OMS interrompeu testes com a hidroxicloroquina, após evidências apontarem que o fármaco não reduz a mortalidade em pacientes internados com a doença.
Foto: picture-alliance/NurPhoto/F. Taxeira
"Vírus está indo embora"
Em 10 de abril, o Brasil ultrapassou a marca de mil mortos por coronavírus. No mundo, já eram 100 mil óbitos. Dois dias depois, Bolsonaro afirmou que "parece que está começando a ir embora essa questão do vírus". O Brasil se tornaria, meses depois, um epicentro global da pandemia, com dezenas de milhares de mortos.
Foto: Reuters/A. Machado
"Eu não sou coveiro"
Assim o presidente reagiu, em frente ao Planalto, quando um jornalista formulava uma pergunta sobre os números da covid-19 no Brasil, que já registrava mais de 2 mil mortes e 40 mil casos. “Ô, ô, ô, cara. Quem fala de... eu não sou coveiro, tá?”, afirmou Bolsonaro em 20 de abril.
Foto: picture-alliance/AP Images/A. Borges
"E daí?"
Foi uma das declarações do presidente que mais causaram ultraje. Com mais de 5 mil mortes, o Brasil havia acabado de passar a China em número de óbitos. Era 28 de abril, e o presidente estava sendo novamente indagado sobre os números do vírus. “E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagre...”
Foto: Getty Images/A. Anholete
"Vou fazer um churrasco"
Em 7 de maio, o Brasil já contava mais de 140 mil infectados e 9 mil mortes. Metrópoles como Rio e São Paulo estavam em quarentena. O presidente, então, anunciou que faria uma festinha. "Estou cometendo um crime. Vou fazer um churrasco no sábado aqui em casa. Vamos bater um papo, quem sabe uma peladinha...". Dias depois, voltou atrás, dizendo que a notícia era "fake".
Foto: Reuters/A. Machado
"Tem medo do quê? Enfrenta!"
Em julho, o presidente anunciou que estava com covid-19. Disse que estava "curado" 19 dias depois. Fora do isolamento, passou a viajar. Ao longo da pandemia, ele já havia visitado o comércio e participado de atos pró-governo. Em Bagé (RS), em 31 de julho, sugeriu que a disseminação do vírus é inevitável. "Infelizmente, acho que quase todos vocês vão pegar um dia. Tem medo do quê? Enfrenta!”
Foto: Reuters/A. Machado
"País de maricas"
Em 10 de novembro, ao celebrar como vitória política a suspensão dos estudos, pelo Instituto Butantan, da vacina do laboratório chinês Sinovac após a morte de um voluntário da vacina, Bolsonaro afirmou que o Brasil deveria "deixar de ser um país de maricas" por causa da pandemia. "Mais uma que Bolsonaro ganha", comentou.
Foto: Andre Borges/NurPhoto/picture alliance
"Chega de frescura, de mimimi"
Em 4 de março de 2021, após o país registrar um novo recorde na contagem diária de mortes diárias por covid-19, Bolsonaro afirmou que era preciso parar de "frescura" e "mimimi" em meio à pandemia, e perguntou até quando as pessoas "vão ficar chorando". Ele ainda chamou de "idiotas" as pessoas que vêm pedindo que o governo seja mais ágil na compra de vacinas.
Há mais de 25 anos, Alexander Busch é correspondente de América do Sul para jornais de língua alemã. Ele estudou economia e política e escreve, de Salvador, sobre o papel no Brasil na economia mundial.