A vida pautada em esquemas fixos estagna, estanca, absorve. Há, sim, esperança de uma relação feliz com a mudança, com ou sem estabilidade pelo caminho.
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O que você quer ser quando crescer? Essa é uma pergunta recorrente quando a gente chega naquela idade de transição, quando começamos a entender um pouquinho do que é o mundo. Geralmente quando aprendemos a ler, a escrever, aprendemos também as profissões, ou até antes, inclusive quando aprendemos outro idioma, também é um tema recorrente.
Mas afinal, o que você quer ser quando crescer? Ou melhor, o que você quis ser? Você se lembra da sua resposta? Pois bem, eu me lembro da minha: eu quero ser professora. E, lembrar disso é relembrar sonhos, repensar quem sou, fui, serei, e da minha longa jornada para ser quem eu quis ser quando menina. Talvez não tenha chegado nem perto daquela Ilana idealizada pela criança que um dia fui, mas, como toda criança nasce cientista, essa também é a minha história.
Eu sempre fui uma criança mediana, nada brilhante, mas muito criativa, comunicativa, com notas boas e com o ouvido atento e curioso. Criança na década de 90, lembro-me bem que, uma vez brincando na rua da minha cidade do interior aqui do Rio de Janeiro, Rio Bonito, perguntei às senhoras que estavam ali observando seus filhos brincarem também, porque uma delas não havia se casado. No momento minha mãe me repreendeu e não tive resposta sobre a pergunta, só caras muito constrangidas pela indagação daquela criança xereta.
Pensei, seria o casamento algo sobre o que não poderíamos falar? Eu conhecia aquelas senhoras, eram mães das minhas amigas, e sempre, mesmo que elas achassem que não, eu prestava atenção nas histórias de adulto delas.
E era uma reclamação que só sobre casamento, e no fim ninguém se separava por conta de uma tal de estabilidade, palavra muito repetida nessas conversas de gente grande. Aliás, o tema casamento foi corriqueiro na minha infância/adolescência pois me diziam que, com o "gênio" forte que tenho, dificilmente conseguiria marido. E eu acreditei.
Muitos anos se passam e chega aquele momento temido por todos, aquele onde você realmente precisa escolher qual profissão irá seguir – pois, é o momento do vestibular. E contrariando muito as expectativas da minha pequena criança, eu endureci e escolhi uma carreira clássica, fui fazer Direito.
"Suco de decepção" com a carreira jurídica
Engraçado que durante muito tempo acreditei que faria concurso e seria mais uma funcionária pública de qualquer órgão público por aí. Até que vieram os estágios em órgãos públicos, a residência jurídica em um órgão público e o puro suco de decepção. Um trabalho repetitivo, chato, que não me completava. Seria esse o casamento que não se podia falar? Aguentar firmemente em um lugar que não se está feliz apenas pela estabilidade?
Pois bem, como o concurso era temporário, um dia decidi mudar. Então, fui fazer mestrado, sem saber bem o que pesquisar e sem conhecer nada nem ninguém da universidade em questão, a UFF.
Passei, fui estudar, conheci os estudos sobre a América Latina e me apaixonei perdidamente. Era isso! Um mundo novo se abriu e uma nova vida também. Talvez eu não fosse ter, e realmente não tenho, todo o dinheiro que uma carreira do Direito me proporcionaria, mas eu me redescobri, voltei-me à minha criança interior e decidi ser professora.
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Mentes mudam mundos
E claro, muita coisa aconteceu a partir daí, não vou dizer para vocês que foi uma fluidez linda e maravilhosa, mas, eu agora tinha um objetivo, que não era apenas pautado na estabilidade. Eu estava, mesmo que utopicamente, animada com a ideia de casar com a mudança, porque ser professora é flertar todos os dias com a possibilidade de mudança de mentes, que por sua vez mudam mundos.
Essa guinada – e talvez obstinação – por mudanças me rendeu um mestrado em Direito Constitucional na UFF, sanduíche com a Universidade Simón Bolívar no Equador, onde passei quatro meses.
Ainda mudada pela mudança que procurava, fui fazer outro mestrado, agora em Ciências Políticas na Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais, a Flacso (sede Equador), onde morei durante três anos. Inclusive pensei que moraria lá para sempre, mas, acabei trabalhando em outro órgão público por conta da bendita estabilidade. E como essa tal de estabilidade é uma falácia, logo tudo se tornou instável e eu voltei para o Brasil.
Obstinada a voltar ao ponto de partida, o de ser professora, prestei concurso duas vezes para o doutorado, passando na segunda, em segundo lugar, e hoje sou quase doutora em direito pela Faculdade Nacional de Direito da UFRJ – falta pouco.
E por coincidências dessas da vida, foi essa também a universidade que me fez professora, pois foi lá que fui aprovada em um concurso de professor substituto e me vi, de uma hora para outra, na sala de aula.
Obviamente, foi uma loucura, primeira vez no ensino superior e sem reconhecer quem eu era, me senti pequena naquela grandeza. Demorei para entender que eu realmente merecia estar ali, aquela síndrome de impostora que cisma de aparecer nos momentos de vitória, sabe?
Incertezas fazem parte da nossa construção
Bom, mas eu fui com medo mesmo, mas fui. As incertezas fazem parte da nossa construção. Hoje, continuo professora universitária, pesquisadora e extensionista no ensino privado, mas uma profissional bem mais madura e descontraída, e ainda perseguindo o mesmo objetivo utópico que me move: a mudança.
Com tudo isso eu aprendi que a gente precisa se ver de verdade. E me ver, me reconhecer como a mulher que sou tem sido essencial, porque muito do que a gente é, na vida, na personalidade, a gente mostra no trabalho também.
A evolução do alfabeto
Houve um tempo em que ser analfabeto não era nada de mais. Quando nossos antepassados começaram a transformar a fala em símbolos, apenas poucas pessoas podiam ler e escrever. Hoje, a Unesco luta pela educação universal.
Foto: picture-alliance/ ZB
Um amontoado de símbolos
As primeiras evidências de uma cultura escrita na China foram encontradas esculpidas em escápulas de bovinos. Criada por volta de 1.400 a.C., a escrita chinesa conta hoje com 50.000 caracteres, mas quem aprende 3.500 deles já consegue ler cerca de 98% de um texto. Para tal, são necessários alguns anos para dominar o sistema da escrita.
Foto: picture-alliance/dpa
Imagens no lugar de letras
Os primeiros achados de desenhos com conteúdos compreensíveis datam de muito antes: mais de 2 mil figuras e representações foram gravadas cerca de 20 mil anos atrás nas cavernas de Lascaux , no sul da França. Os rabiscos mostram animais e pessoas, mas nenhum símbolo gráfico. Por isso, pesquisadores falam em um precursor da escrita, que o homem da Idade da Pedra usou para representar sua vida.
Foto: picture-alliance/dpa
A escrita cuneiforme
Os primeiros caracteres surgiram aproximadamente 3.300 a.C na Mesopotâmia, o atual Iraque. Por trás da invenção estariam os sumérios, que riscavam em placas de argila com pedras pontiagudas. Inicialmente, o símbolo "pé" representava unicamente a parte do corpo, mas depois também passou a ser associado ao ato de "andar" e, por fim, ao som de "a" – uma verdadeira revolução.
Foto: picture alliance/dpa
Palavras mágicas
Os egípcios batizaram sua escrita de "Medu Netjer", ou palavras de Deus, e atribuíram a ela poderes mágicos. A atual expressão hieróglifo vem do grego e significa gravuras sagradas. Apenas de 1% a 5% dos egípcios eram alfabetizados, e a profissão era altamente respeitada. Dizia-se na época: "Vire escritor, então seus membros ficam lisos e suas mãos, macias."
Foto: picture alliance/akg
O mundo perdido dos maias
Até hoje, muitos textos antigos ainda não foram decifrados. Foi assim que a alta cultura dos maias sucumbiu aos conquistadores espanhóis. Em 1562, o bispo Diego de Landa mandou destruir em massa altares, pinturas e pergaminhos: apenas quatro manuscritos restaram. Arqueólogos conseguiram deduzir 800 símbolos, mas muitos dos enigmas continuam sem resposta.
Foto: SLUB
O latim vira moda
A escrita latina, que ganhou impulso com a expansão do Império Romano, desenvolveu-se a partir do alfabeto grego. Tais letras foram adaptadas para as necessidades dos romanos e somadas a sons como G, Y ou Z. O W apareceu só na Idade Média como a 26ª letra, completando o que viria a ser o alfabeto mais disseminado do mundo atual.
Foto: picture alliance/Prisma Archivo
Caligrafia e textos sagrados
Existem cerca de cem alfabetos pelo mundo. No árabe são usadas duas escritas: uma para o dia a dia e outra para ornamentos caligráficos. Diferentemente do alfabeto hebraico, que durante séculos ficou reservado a textos religiosos. Isso só mudou em 1948, com a fundação do Estado de Israel, quando o hebraico se tornou língua e escrita oficial do país.
Foto: picture alliance/Tone Koene
Uma invenção revolucionária
Este museu em Mainz abriga o livro mais antigo do mundo: a Bíblia. Em 1452, Johannes Gutenberg criou a prensa móvel e se aventurou na impressão das escrituras sagradas. Foram necessários dois anos para imprimir os primeiros 200 exemplares. Mas, sem essa invenção, hoje não haveria livros escolares. Curiosidade: no Havaí, as crianças precisam aprender apenas 12 letras e um símbolo.
Foto: picture-alliance
Do manuscrito à máquina de escrever
Durante séculos, as pessoas escreveram à mão, mas a revolução industrial trouxe facilidades consigo. A pena de ganso foi substituída pela caneta tinteiro e, depois, pela caneta esferográfica – e, por fim, pela máquina de escrever. E isso sempre atendendo às necessidades de cada idioma, seja com um ß para alemães ou com um ã para línguas latinas. Cartas ilegíveis viraram coisa do passado.
Foto: cc-by-sa/Deutsche Fotothek
Bem-vindos ao século 21
Apesar disso, as pessoas continuaram a escrever no papel e a imprimir seus livros como um dia fez Gutenberg – até o lançamento do computador. Antes uma peça gigante usada em pesquisas, hoje o PC é onipresente. Seus códigos binários deram início a uma nova era da escrita. Mas apenas programadores precisam conhecer a sequência de zeros e uns – o que aparece na tela é o alfabeto que nós conhecemos.
Foto: Fotolia/arahan
Alfabetização? Não para todos
Apesar dos avanços tecnológicos, a educação ainda não pode ser considerada um direito adquirido. Milhões de pessoas pelo mundo não sabem ler ou escrever, sobretudo na Índia e na África. Mais afetadas são as meninas e mulheres. Desde 1966, sempre no dia 8 de setembro, a Unesco lembra o quão importante é educação para todos, no Dia Mundial da Alfabetização.
Foto: picture-alliance/ ZB
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Aprendi a me ver com os olhos da minha pesquisa, porque eu sou o que eu faço, e o estudo do nosso passado através da teoria decolonial me fez perceber que eu tinha uma colonialidade na minha própria cabeça, literalmente. Eu, uma mulher preta de pele clara alisava meus cabelos desde muito nova, e foi nesse processo de me tornar professora, de conviver com o diferente, que me deparei com a minha ancestralidade, que, misturada a outras raízes que conformam o meu DNA, contribuiu para o meu processo de reconhecimento. Hoje, passada a transição capilar, me deparo com a mulher que transicionei, e gosto dela.
E durante todo esse percurso, de estudar América Latina, morar em outro país, conhecer mais diversidade, cultura, outras religiões e trabalhar teoria decolonial, me fez perceber muita coisa, muitos mundos, muita pluralidade.
Mas, acima de tudo me fez entender que não existe uma só verdade sobre absolutamente nada. Não existe uma só verdade sobre carreira, concurso público, cabelos, docência, mudanças e nem sobre casamento.
Existe, na verdade, a vivência de cada um em descobrir suas próprias verdades sem se ancorar em certezas absolutas, ou conceitos fechados do que determinada coisa deveria ser. Aliás, duvidar das minhas certezas desde sempre me fez ver o quanto eu posso aprender do outro e de mim mesma.
A vida pautada em esquemas fixos, estagna, estanca, absorve. Desconstruir, construir, reconstruir são etapas cíclicas de quem se abre. Aprender a aprender, ensinar e aprender, aprender que se aprende em qualquer lugar, aprender que todo mundo tem um saber independente de título é a chave.
Eu sou quem eu fui e quem eu quero ser numa composição não linear de mim mesma, e isso me faz ter esperança de um casamento feliz com a mudança, podendo ou não encontrar a estabilidade pelo caminho.
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Vozes da Educação é uma coluna quinzenal escrita por jovens do Salvaguarda, programa social de voluntários que auxiliam alunos da rede pública do Brasil a entrar na universidade. Revezam-se na autoria dos textos o fundador do programa, Vinícius De Andrade, e alunos auxiliados pelo Salvaguarda em todos os estados da federação. Siga o perfil do Salvaguarda no Instagram em @salvaguarda1
Dez mulheres que fizeram história
Ao longo da história, houve várias pioneiras, seja na ciência ou na luta pelo voto feminino e o direito à educação. Conheça algumas mulheres que se destacaram no seu tempo.
Foto: Hilary Jane Morgan/Design Pics/picture alliance
Primeira rainha-faraó
Após a morte de seu marido, o faraó Tutmés 2º, Hatschepsut assumiu o trono em 1479 a.C., como rainha-faraó tanto do Alto quanto do Baixo Egito. As duas décadas em que esteve no poder foram de paz e de prosperidade econômica. Seu sucessor, Tutmés 3º, no entanto, tentou apagar todos os vestígios da primeira rainha-faraó da história.
Foto: picture alliance/dpa/C.Hoffmann
Mártir francesa
Na Guerra dos Cem Anos entre Inglaterra e França, Joana d'Arc, uma filha de camponeses de 13 anos, teve uma visão. Santos pediram a ela que salvasse a França e trouxesse Carlos 7º ao trono. Em 1430, ela foi presa durante uma missão militar. No julgamento, em que virou heroína da França, foi condenada a morrer na fogueira. Mais tarde, seria reabilitada e, em 1920, canonizada por Bento 15.
Foto: Fotolia/Xavier29
Catarina, a Grande
Com um golpe audacioso, Catarina 2ª derrubou o odiado marido do trono e se proclamou imperatriz da Rússia. Ela provou sua capacidade de governar ao dominar todo o território russo e liderar campanhas militares até a Polônia e a Crimeia. Graças a isso, Catarina é a única governante do mundo com o epíteto "a Grande".
Foto: picture alliance/akg-images/Nemeth
Monarca perspicaz
Quando Elisabeth 1ª ascendeu ao trono britânico, ela assumiua supremacia sobre um país em revolta. Ela acabou conseguindo apaziguar a guerra religiosa entre católicos e protestantes, e trouxe uma era de prosperidade ao império britânico. A cultura viveu seu auge com Shakespeare e os navios britânicos derrotaram a armada espanhola.
Foto: public domain
Feminista radical
Em 1903, Emmeline Pankhurst (1858-1928) fundou o movimento feminista no Reino Unido. Na luta para que as mulheres pudessem votar, fez greve de fome, incendiou casas e foi condenada. Em 1918, conseguiu que mulheres a partir dos 30 anos pudessem votar. Morreu em 1928, ano em que começou a vigorar na Inglaterra o sufrágio universal para as mulheres.
Foto: picture alliance/akg-images
Revolucionária alemã
Num tempo em que as mulheres ainda não podiam votar, Rosa Luxemburg estava à frente do revolucionário movimento social-democrático alemão. Cofundadora do movimento de esquerda Liga Espartaquista e do Partido Comunista da Alemanha, tentou acelerar o fim da Primeira Guerra Mundial com greves em massa. Após a repressão da revolta espartaquista, em 1919, ela foi assassinada por militares alemães.
Foto: picture-alliance/akg-images
Grande pesquisadora
Marie Curie (1867-1934) foi uma das pioneiras na pesquisa da radioatividade, o que inclusive lhe rendeu um Nobel de Física, em 1903, mas também os sintomas da então ainda desconhecida doença provocada pela radiação. A descoberta dos elementos Rádio e Polônio lhe valeu o Nobel de Química em 1911. Após a morte do marido, Pierre, ela assumiu sua cátedra, tornando-se a primeira professora na Sorbonne.
Foto: picture alliance/Everett Collection
Diário revelador
"Sua Anne". Assim Anne Frank termina o diário que escreveu entre 1942 e 1944. Na última foto, a garota de 13 anos ainda sorri despreocupada. Dois meses mais tarde, em julho de 1942, ela se mudaria para o esconderijo em Amsterdã. Ali ela viveu na clandestinidade até ser deportada para Auschwitz, onde morreu em março de 1945. Seu diário é um dos mais importantes testemunhos do Holocausto.
Foto: Internationales Auschwitz Komitee
Primeira Nobel africana
"A primeira verde da África" escreveu um jornal alemão referindo-se a Wangari Maathai. Desde os anos 1970, ela se engajava tanto pelos direitos humanos quanto pela preservação do meio ambiente. Com a ONG Movimento Cinturão Verde ela plantou árvores para frear a desertificação. Em casa, no Quênia, ela muitas vezes foi ridicularizada. Mas, em 2004, seu trabalho foi coroado com o Prêmio Nobel da Paz.
Foto: picture-alliance/dpa
Símbolo do direito à educação
Ela tinha 11 anos em 2009 quando falou à imprensa sobre os horrores do Talibã no Paquistão. Quando sua escola para meninas foi fechada, ela lutou pelo direito à educação. Em 2012, sobreviveu a um atentado à bala. Já recuperada, escreveu a autobiografia "Eu sou Malala". Em 2014, com 17 anos, ganhou o Nobel da Paz por defender os direitos de meninas e mulheres.
A coluna quinzenal é escrita por jovens do Salvaguarda, programa social de voluntários que auxiliam alunos da rede pública do Brasil a entrar na universidade.