Em entrevista, Eloísa Machado, professora da FGV, afirma que condenação do ex-presidente deve impulsionar nova decisão. "Se STF mudar posição, Lula aguardará o julgamento dos seus eventuais recursos em liberdade", diz.
Em 2016, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por seis votos a cinco, que a execução da pena poderia ser feita antes da análise de recursos em tribunais superiores.
Entretanto, a professora do Programa de Pós-Graduação em Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Eloísa Machado, que acompanha as movimentações da corte, afirma que há uma tendência de revisão desse entendimento nos próximos meses.
"O tema já está fervendo no tribunal, mas não podemos negar que a possível prisão de Lula também é um fator que pode impulsionar um deslinde mais rápido desse tema", disse em entrevista à DW Brasil. "O caso de Lula não é um fator determinante, mas colabora para que o STF dê uma resposta rápida. Eu diria que a probabilidade é alta."
DW Brasil: Existe uma movimentação dentro do STF para que a autorização à prisão após condenação por segunda instância, decidida por seis votos a cinco, seja revista?
Eloísa Machado: O STF enfrentou essa questão, permitindo a execução provisória da pena, em um primeiro momento, através de um habeas corpus com efeitos restritos às partes. Em seguida, negou as liminares em ações declaratórias de constitucionalidade (ADC 43 e 44), que pretendiam reverter essa posição, para manter esse entendimento da possibilidade de execução provisória da pena após decisão de segunda instância, assim como em repercussão geral, autorizando as demais instâncias judiciais a determinar a prisão antes de julgamento de recursos nos tribunais superiores.
Ocorre que os resultados dos julgamentos foram bastante apertados, e os ministros vencidos continuaram a aplicar seu posicionamento em decisões monocráticas, ou seja, dando liminares em habeas corpus para pessoas com ordem de prisão e recurso pendente. Isso tem sido motivo de tensão e crítica entre os ministros e provavelmente voltará à pauta, no julgamento definitivo das ADCs 43 e 44.
DW Brasil: O caso do ex-presidente Lula é um fator motivador para que esse debate reapareça? Qual é a probabilidade de a presidente do STF, Cármen Lúcia, colocar o tema em pauta nos próximos meses?
Eloísa Machado: Há um enorme poder nas mãos da presidente do STF, que decide quais processos serão julgados em plenário. Não há transparência ou publicidade dos critérios usados para liberar os processos para julgamento, e isso é um problema estrutural do tribunal. Esse caso [da prisão após segunda instância] não é diferente. Entretanto, o ministro Marco Aurélio, que é relator de ambas as ADCs, já avisou que liberou o caso para julgamento definitivo e que aguarda uma data em pauta. A relevância do caso e seu enorme impacto no sistema prisional podem servir de estímulo ao julgamento.
Discurso de Lula após decisão sobre condenação
01:20
O tema já está fervendo no tribunal, mas não podemos negar que a possível prisão de Lula também é um fator que pode impulsionar um deslinde mais rápido desse tema. O caso de Lula não é um fator determinante, mas colabora para que o STF dê uma resposta rápida. Eu diria que a probabilidade é alta.
DW Brasil: Se o tema for ao plenário, quais são as tendências de votação para uma eventual revisão da decisão tomada há um ano e meio?
Eloísa Machado: Quem deve mudar de posição é apenas o ministro Gilmar Mendes. Em pronunciamentos repercutidos pelo próprio tribunal, ele declarou que estaria propenso a adotar a tese do ministro Dias Toffoli de que a execução provisória da pena só poderia ocorrer após julgamento de recurso especial no Superior Tribunal de Justiça (STJ) – mas antes de eventual pronunciamento em recurso extraordinário. Com isso, seria formada uma nova maioria pela impossibilidade de execução provisória da pena após decisão em segunda instância.
DW Brasil: O principal argumento usado pelos ministros favoráveis à modificação do entendimento era a necessidade de dar uma resposta à cobrança da sociedade por maior agilidade nos trâmites judiciais. Não cabe ao STF, justamente, a garantia dos direitos mesmo que o clamor popular reivindique algo em sentido oposto?
Eloísa Machado: Sem dúvida, cortes constitucionais existem sobretudo para frear impulsos da maioria. O Supremo Tribunal Federal existe para preservar a Constituição. Mas o que se observa, especialmente no decorrer da Operação Lava Jato, é que o STF criou um tipo de atuação de exceção, adotando uma série de decisões fora dos parâmetros constitucionais, justificada por uma excepcionalidade do momento. Nesse movimento, percebemos decisões que geraram enorme instabilidade, como o afastamento dos presidentes do Senado, Renan Calheiros, e da Câmara de Deputados, Eduardo Cunha; a suspensão do exercício de mandato parlamentar, que afetou Cunha e Aécio Neves; a prisão em flagrante de senador, dentre outras. A mudança do entendimento sobre a execução provisória da pena se alimenta desse momento, de uma atuação extravagante do tribunal.
DW Brasil: Neste um ano e meio após a decisão do Supremo, quais foram os principais impactos observados sobre as decisões judiciais e o respeito ao direito de defesa?
Eloísa Machado: Não tenho dados concretos para demonstrar o impacto no sistema carcerário. Mas é possível dizer, sem sombra de dúvidas, que essa é uma decisão que acirra o problema da seletividade que temos no país. Réus com acesso fácil e rápido ao Supremo Tribunal Federal conseguem habeas corpus para fugir da regra que o próprio tribunal impôs a todos os réus e condenados do país. Isso degrada a qualidade de nosso Estado de Direito.
DW Brasil: Decretada a prisão de Lula, ele pode ser preso antes que outros recursos sejam julgados?
Eloísa Machado: Pelas regras atuais – até que o STF se posicione –, Lula pode ser preso após os recursos na segunda instância, no próprio TRF-4. A decisão da 8ª Turma vai ser publicada e, depois disso, podem ser opostos embargos de declaração, para corrigir eventuais omissões ou contradições na decisão. o TRF-4 informou que, após esse julgamento e uma nova publicação da decisão, enviará um ofício ao juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba, Sérgio Moro, responsável pela execução, informando a estabilidade da decisão do tribunal. É esse juiz que decidirá se é ou não o caso de executar provisoriamente a pena. Lula poderá, por meio de habeas corpus, impedir que isso aconteça. Porém, se o STF mudar sua posição anteriormente, Lula aguardará o julgamento dos seus eventuais recursos no STJ em liberdade.
_______________
A Deutsche Welle é a emissora internacional da Alemanha e produz jornalismo independente em 30 idiomas. Siga-nos noFacebook | Twitter | YouTube | WhatsApp | App
A trajetória política de Lula
Das greves no ABC à Presidência. Da condenação pela Lava Jato ao terceiro mandato. Os principais momentos políticos na vida de Luiz Inácio Lula da Silva.
Foto: Getty Images/AFP/C. Petroli
Lula e as greves do ABC
Em 1975, Lula foi eleito presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema e ganhou projeção nacional ao liderar uma série de greves no final da década. Em 1980, foi preso e processado com base na Lei de Segurança Nacional após comandar uma paralisação que durou 41 dias. Lula ficou 31 dias no cárcere do Dops (Departamento Estadual de Ordem Política e Social).
Foto: Instituto Lula
Fundação do PT
Em 10 de fevereiro de 1980, pouco antes de ser preso, Lula ajudou a fundar o Partido dos Trabalhadores (PT) com apoio de intelectuais e sindicalistas. Em maio do mesmo ano, ao sair do cárcere, foi eleito o primeiro presidente do partido. O pernambucano, então, ingressaria de vez na política: em 1982, concorreu ao governo de São Paulo e, em 1986, foi eleito deputado constituinte.
Foto: Getty Images/AFP/C. Petroli
A campanha de 1989
O PT lançou a candidatura de Lula nas primeiras eleições presidenciais diretas após o fim do regime militar. Com uma imagem de operário e um discurso de esquerda, Lula provocou temor em vários setores da economia, que se alinharam ao candidato Fernando Collor. O petista foi derrotado no segundo turno, depois de uma campanha que envolveu acusações de manipulação da imprensa a favor de Collor.
Foto: picture-alliance/dpa/R. Gostoli
A campanha de 1994
No embalo das primeiras denúncias de irregularidades no governo Collor, Lula lançou, em 1992, o movimento "Fora Collor" em apoio ao impeachment. Em 1994, concorreu novamente à Presidência, com Aloizio Mercadante como vice, mas foi derrotado no primeiro turno por Fernando Henrique Cardoso (PSDB), lançado como "pai do Plano Real". O PT, por outro lado, elegia seus primeiros governadores (DF e ES).
Foto: Getty Images/AFP/A. Scorza
A campanha de 1998
Em 1998, Lula sofreu uma de suas piores derrotas eleitorais. À época, o petista teve como candidato a vice o ex-governador Leonel Brizola (PDT), um dos seus rivais na eleição de 1989 e com quem disputava a hegemonia na esquerda brasileira. A fórmula não deu certo. Lula obteve só 31% dos votos, e o então presidente Fernando Henrique Cardoso foi reeleito com 53% no primeiro turno.
Foto: picture alliance/AP Photo/R. Gostoli
A posse de Lula
O eterno candidato do PT finalmente assumiu a Presidência em janeiro de 2003, após oito anos de governo do PSDB. Lula foi eleito com 61% dos votos válidos no segundo turno. A vitória foi alcançada após uma campanha que vendeu uma imagem mais moderada do petista – simbolizada no slogan "Lulinha paz e amor" – com o objetivo de acalmar os mercados e ampliar o eleitorado do partido.
Foto: O. Kissner/AFP/Getty Images
Economia em alta
Após as turbulências no final do governo Fernando Henrique Cardoso, a economia brasileira voltou a crescer com Lula, embalada sobretudo pelo boom das commodities. Foi o período da descoberta do pré-sal e investimentos em grandes obras de infraestrutura. O crescimento médio do PIB no segundo mandato chegou a 4,6%. O bom momento catapultou a popularidade de Lula, que chegou a 87% no final de 2010.
Foto: AP
Queda na desigualdade
Os programas sociais lançados por Lula, como Minha Casa, Minha Vida e ProUni, também contribuíram para a popularidade do presidente. O Bolsa Família, criado em 2004 a partir da unificação de outros programas de transferência de renda, se tornaria o carro-chefe. Quase 28 milhões de brasileiros saíram da zona de pobreza nos oito anos do governo Lula, afirmou um balanço em 2010.
Foto: Vanderlei Almeida/AFP/Getty Images
O escândalo do mensalão
Em 2005, o governo Lula foi atingido em cheio pelo escândalo de compra de votos de deputados, o mensalão. Apesar do desgaste, Lula sobreviveu à crise. Outros, como o ministro José Dirceu, uma das figuras fortes do governo, caíram em desgraça. No início, Lula afirmou que assessores o haviam "apunhalado", mas depois mudou o discurso e disse que o caso era uma invenção da oposição e da imprensa.
Foto: picture alliance / dpa / picture-alliance
A eleição de Dilma
Em 2007, logo após ser reeleito com mais de 60% dos votos, Lula começou a preparar o terreno para a sua sucessão. Como sucessora, ele escolheu a sua então ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, uma tecnocrata sem experiência nas urnas. Nos três anos seguintes, Lula promoveu a imagem de Dilma junto aos brasileiros. A estratégia funcionou, e ela foi eleita em 2010.
Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/EBC
Prestígio mundial
Durante a Presidência, Lula gozou de prestígio mundial e se reuniu com os mais importantes chefes de Estado do planeta. Em abril de 2009, em um encontro do G20, o presidente dos EUA na época, Barack Obama, cumprimentou o colega e disse: "Adoro esse cara! O político mais popular da Terra". No mesmo ano, Lula apareceu em 33º lugar na lista das pessoas mais poderosas do mundo da revista Forbes.
Foto: AP
Luta contra o câncer
Em outubro de 2011, Lula foi diagnosticado com câncer na laringe, sendo submetido a um agressivo tratamento – pela primeira vez desde 1979, ele aparecia sem a barba. Exames apontaram a remissão completa do tumor cerca de cinco meses depois, e Lula voltou a se engajar nas campanhas do PT. Uma das grandes vitórias eleitorais de 2012 foi a de Fernando Haddad na Prefeitura de São Paulo.
Foto: AFP/Getty Images
Lula e a Lava Jato
Em março de 2016, Lula foi alvo de um mandado de condução coercitiva na Operação Lava Jato, que investigou escândalos de corrupção na Petrobras. O ex-presidente foi levado para depor sobre um sítio em Atibaia, um triplex no Guarujá e sua relação com empreiteiras investigadas na Lava Jato. No mesmo dia, a PF cumpriu mandados em residências do petista e de sua família, além do Instituto Lula.
Foto: Reuters/P. Whitaker
Réu em diferentes processos
Nos meses seguintes, Lula foi denunciado por uma série de crimes, como corrupção passiva, lavagem de dinheiro, obstrução da Justiça e tráfico de influência, tornando-se réu em cinco processos diferentes. O petista sempre desmentiu as acusações, negou a prática de crimes e disse ser vítima de perseguição política. Ele também negou ser proprietário dos imóveis investigados.
Foto: picture-alliance/abaca
Morre Marisa Letícia
Em fevereiro de 2017, morreu a ex-primeira-dama Marisa Letícia. Lula e Marisa se conheceram em 1973, no Sindicato dos Metalúrgicos, em São Bernardo. Ela esteve ao lado do marido durante a sua ascensão política, desde os tempos do sindicato, quando liderou passeata em apoio a sindicalistas presos, passando pela fundação do PT, costurando a primeira bandeira do partido, até a Presidência.
Foto: Reuters/N. Doce
Caravana pelo país
Visando uma nova candidatura à Presidência no ano seguinte, Lula começou em 2017 uma caravana pelo Brasil que reuniu milhares de pessoas. Em junho de 2018, o PT confirmou sua pré-candidatura, mesmo com ele já preso. Em agosto, o Tribunal Superior Eleitoral impediu que ele concorresse. Como sucessor, Lula escolheu Fernando Haddad, que chegou ao segundo turno, mas foi derrotado por Jair Bolsonaro.
Foto: Ricardo Stukert /Instituto Lula
Lula é condenado
Lula foi condenado pela primeira vez em 12 de julho de 2017. A sentença do juiz Sergio Moro determinou 9 anos e 6 meses de prisão pelos crimes de lavagem de dinheiro e corrupção passiva, ligados ao triplex no Guarujá. O TRF-4 confirmou a condenação em segunda instância, além de aumentar a pena para 12 anos e um mês de prisão. Foi a primeira condenação de um ex-presidente por corrupção no Brasil.
Foto: Abr
Derrota no STF
Por 6 votos a 5, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) negaram, em 4 de abril de 2018, um pedido de habeas corpus preventivo apresentado pela defesa de Lula para evitar uma eventual prisão após o fim dos recursos na segunda instância da Justiça Federal. Manifestantes contrários e a favor de Lula foram às ruas por ocasião do julgamento.
Foto: picture alliance/AP Photo/S. Izquierdo
Lula se entrega à PF
Em 7 de abril de 2018, Lula se entregou à Polícia Federal, na sede do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema, após ordem de prisão expedida por Sergio Moro. Antes de se entregar, Lula fez um discurso acalorado aos apoiadores. De Congonhas, Lula partiu de avião para Curitiba, onde começou a cumprir sua pena.
Foto: Paulo Pinto/Instituto Lula
Vigília em frente à PF em Curitiba
Depois da prisão de Lula, apoiadores do ex-presidente revezaram-se em um acampamento em frente à Polícia Federal de Curitiba, onde ele permaneceu preso. O local recebeu constantes visitas de políticos e de artistas, do Brasil e do exterior. Apoiadores também realizaram caravanas pelo país, com o slogan "Lula Livre". Em fevereiro de 2019, Lula também foi condenado no caso do sítio em Atibaia.
Foto: Ricardo Stuckert
Solto após 19 meses na prisão
Lula deixou a prisão em 8 de novembro de 2019, depois de passar um ano e sete meses na sede da Polícia Federal em Curitiba. A soltura ocorreu após o STF derrubar uma decisão que autorizava a prisão em segunda instância, beneficiando diretamente o petista, que passou a recorrer em liberdade. Após deixar a prisão, Lula fez um discurso para apoiadores repleto de críticas à Lava Jato.
Foto: picture-alliance/AP Photo/L. Correa
Supremo anula condenações
Após o fim da prisão, a campanha "Lula Livre" focou na anulação de suas condenações. Os advogados do petista recorreram até o Supremo, alegando que ele era vítima de perseguição judicial. Em abril de 2021, o plenário do Supremo concluiu que Moro não era o juiz competente para atuar nos processos do petista, e dois meses depois decidiu que Moro era parcial. As condenações de Lula foram anuladas.
Foto: Alexandre Schneider/Getty Images
Uma aliança inesperada
A preparação da sexta campanha presidencial de Lula envolveu uma costura política inusitada. O petista e aliados articularam para ter como vice o ex-governador paulista Geraldo Alckmin, que foi filiado ao PSDB por 33 anos e era seu antigo adversário. A aproximação teve o objetivo de atrair o voto conservador e vingou: em abril de 2022, o PSB, novo partido de Alckmin, confirmou sua indicação.
Foto: Ricardo Stuckert/AFP
Em busca do voto anti-Bolsonaro
Lula lançou sua pré-candidatura em maio de 2022, defendendo a união de pessoas de orientações políticas variadas contra a reeleição do presidente Jair Bolsonaro. No evento, Alckmin prometeu lealdade, disse que o futuro do Brasil "está em jogo" e foi aplaudido pelos petistas.
Foto: NELSON ALMEIDA/AFP
Triunfo na busca por terceiro mandato
Após uma das campanhas mais tensas da história brasileira, Lula conquistou novamente a Presidência. Com apoio de uma frente ampla que reuniu forças de centro e antigos adversários, o petista impôs uma derrota inconteste sobre o extremista de direita Jair Bolsonaro. Aos 77 anos, Lula se tornou o político mais velho a conquistar o Planalto.