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Caso Milton Ribeiro é expressão genuína do bolsonarismo

Philipp Lichterbeck
Philipp Lichterbeck
23 de junho de 2022

Corrupção e nepotismo estão presentes em todas as esferas do bolsonarismo, inclusive no círculo íntimo do presidente. Prisão do ex-ministro só surpreende por ser a primeira. Bolsonaro e aliados pensam estar acima da lei.

Investigado por suspeita de corrupção passiva e tráfico de influência, Ribeiro foi preso pela PFFoto: Isac Nobrega/Planalto Presidencia/dpa/picture alliance

O bolsonarismo baseia sua legitimidade em narrativas que nada têm a ver com a realidade.

Há a alegação de que o bolsonarismo combate o comunismo. Qualquer pessoa com sentido político se questiona: que comunismo? Não há nenhum forte movimento comunista ou socialista no Brasil. O PT é um partido social-democrata, que não quer eliminar o capitalismo, mas restringir seus excessos negativos.

A segunda narrativa afirma que o bolsonarismo defende os valores cristãos. Aqui resta apenas a pergunta: a quais valores pregados por Cristo eles se referem? O direito ao porte de armas? O direito à tortura? O direito de ofender e ameaçar quem tem uma opinião diferente? Ou o direito de destruir o meio ambiente, ou seja, a criação de Deus?

O terceiro pilar do movimento foi, desde o início, a história de que eles estavam combatendo a corrupção. Bolsonaro e seus apologistas alegavam que não havia corrupção no seu governo. Essa era talvez a alegação mais atrevida, porque ela contradizia tão evidentemente a realidade. Já era possível se dar conta disso muito antes da prisão do ex-ministro da Educação Milton Ribeiro, que é investigado por suspeita de corrupção passiva, prevaricação, advocacia administrativa e tráfico de influência.

Também não foi nenhuma surpresa Ribeiro ser um pastor evangélico e estar envolvido em negócios ilícitos do Ministério da Educação com outros pastores evangélicos. As grandes igrejas evangélicas – todas apoiadoras de Bolsonaro – são um refúgio de falsidade e manipulação. Elas apoiam Bolsonaro porque ele lhes garante privilégios como isenção de impostos, por exemplo. Não surpreende o fato de terem sido registradas dezenas de visitas dos pastores que foram presos agora ao Palácio do Planalto.

Primeira prisão tardia

A prisão de Ribeiro é surpreendente apenas devido ao fato de a Polícia Federal (PF) não ter batido à porta de um ministro de Bolsonaro muito antes – do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, por exemplo. O general foi responsável pelo caos na crise da covid-19 e pelos escândalos de corrupção na compra de vacinas contra o coronavírus. Com Pazuello, a promessa de uma atuação técnica dos militares no governo foi de vitrine à vidraça. Ao menos sete militares que estavam no comando de cargos-chave da Saúde foram citados na CPI da Pandemia por suposto envolvimento em irregularidades.

Quando Bolsonaro fala de seu governo "livre de corrupção", ele parece sempre se esquecer de seus filhos, que cumprem tarefas dentro do governo. Os três mais velhos estavam e estão na mira do Ministério Público, e agora o mais novo também é investigado. Embora Bolsonaro enfatize que seus filhos devem responder por seus próprios erros, ele mandou trocar a Superintendência da PF no Rio de Janeiro devido às investigações contra eles.

Em agosto de 2021, o governo até decretou sigilo centenário de informações sobre o presidente e seus filhos após pedidos feitos pela imprensa. Essa medida se somava a outras ações adotadas por Bolsonaro para reduzir a transparência pública. Só faz isso um governo que tem algo a esconder, e não um que combate a corrupção.

A interferência de Bolsonaro na PF levou à renúncia do ex-ministro da Justiça Sergio Moro. Até sua renúncia, os bolsonaristas consideravam Moro um herói na luta contra a corrupção. Desde então, ele passou a ser um "traidor". O bolsonarismo nunca foi sobre a luta contra a corrupção, mas um projeto nepotista de poder e de destruição do Estado. Uma pediatra bolsonarista me disse há pouco tempo que Moro tinha simplesmente muita ambição.

Com a mesma facilidade, bolsonaristas defendem o casamento com o Centrão – a personificação de corrupção, desvio de recursos públicos e, principalmente, estagnação política. Fica claro que o bolsonarismo é um movimento sem princípios. Quem proclama mudar o sistema político corrupto do Brasil, mas em seguida abraça Fernando Collor e deixa passar um monte de emendas secretas para garantir a reeleição de deputados do Centrão, trai os próprios eleitores.

Irregularidades por todos os lados

Casos de nepotismo e irregularidades pautam este governo. Um outro exemplo? O caso Queiroguinha. O filho do atual ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, atuou em processos destinados à liberação de recursos públicos do Ministério da Saúde. Queiroga agora pode ser investigado por suspeita de improbidade administrativa e infração à legislação eleitoral.

Há, além de tudo isso, o aumento dos gastos com o cartão corporativo do presidente às vésperas da eleição, que atingiram o valor de R$ 1,2 milhão por mês. Desde 2019, ano do início do governo Bolsonaro, as faturas mensais têm ficado cada vez mais altas. Isso parece um uso responsável do dinheiro dos contribuintes, ou já é peculato?

O bolsonarismo, cujo lema é lei e ordem, é um movimento que acredita estar acima da lei. Isso começa pelos garimpeiros e madeireiros ilegais na Amazônia, que justificam suas atividades literalmente afirmando que o presidente permitiu e, até mesmo, exigiu. (Bolsonaro mostrou a eles como se faz, quando em 2010 foi pego pescando em uma área de proteção e recebeu do Ibama uma multa de mais de R$ 10 mil. A reação do presidente foi exonerar o servidor que lhe tinha multado e nunca pagou a multa.)

A coisa toda continua com tipos como Daniel Silveira, que simplesmente ignora o STF e desrespeita a lei sem precisar realmente prestar contas por isso. E termina no gabinete e no clã Bolsonaro, que parece achar ser imune à Justiça por o presidente ter colocado em posições decisivas do aparelho de segurança pessoas de sua confiança.

Espera-se que o caso Milton Ribeiro mude essa postura. Senão há de fato que se temer que Bolsonaro e seu movimento não reconheçam sua derrota nas eleições em outubro. Eles simplesmente não se sentem sujeitos às regras.

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Philipp Lichterbeck queria abrir um novo capítulo em sua vida quando se mudou de Berlim para o Rio, em 2012. Desde então, colabora com reportagens sobre o Brasil e demais países da América Latina para jornais da Alemanha,Suíça e Áustria. Ele viaja frequentemente entre Alemanha, Brasil e outros países do continente americano. Siga-o no Twitter em @Lichterbeck_Rio.

O texto reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.

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Cartas do Rio

Philipp Lichterbeck queria abrir um novo capítulo em sua vida quando se mudou de Berlim para o Rio de Janeiro, em 2012. Na coluna Cartas do Rio, ele faz reflexões sobre os rumos da sociedade brasileira.