Quando os dois partidos conservadores alemães não se entendem, logo se fala no "fantasma de Kreuth", em alusão a uma fracassada tentativa da CSU de se distanciar da CDU.
Anúncio
Na Alemanha, um fantasma ronda o conservadorismo político sempre que as coisas não andam bem na relação entre os dois partidos irmãos União Democrata Cristã (CDU) e União Social Cristã (CSU): o fantasma de Kreuth.
Kreuth é um cidade de meros 3 mil habitantes nas margens do bucólico lago de Tegernsee, na idílica região da Alta Baviera. Foi lá que, em novembro de 1976, o então presidente da CSU, Franz-Josef Strauss, anunciou o até então impensável: o fim da bancada conjunta com a CDU no Parlamento, que existia desde a constituição do Bundestag, em 1949.
A bancada conjunta é o resultado natural de um acerto entre os dois partidos conservadores: a CSU, tão bávara quanto as Lederhosen e os Biergarten, existe apenas nesse estado do sul da Alemanha e renuncia a uma presença em todos os outros 15 estados alemães. Já a CDU é o partido conservador em todos esses outros estados e renuncia a uma presença na Baviera.
Strauss, porém, estava insatisfeito com a atuação conjunta dos dois partidos e mantinha uma disputa de poder com o então presidente da CDU, o futuro chanceler federal Helmut Kohl. Poucas semanas antes, na eleição geral, a CSU havia alcançado 60% dos votos na Baviera. A CDU, "meros" 38% nos demais estados alemães. Juntos, os dois partidos chegaram a 48,6%, o que garantia o primeiro lugar, mas não levaram – o Partido Social-Democrata (SPD) manteve sua aliança com os liberais do FDP e continuou no governo, com o chanceler federal Helmut Schmidt.
Desde 1972, quando Willy Brandt garantira a reeleição para a coalizão entre SPD e FDP, que Strauss não andava satisfeito com o papel desempenhado na oposição pela união entre CDU e CSU. Ele considerava que Kohl apostava demais na relação com o FDP, na época o fiel da balança para a formação de governo, e defendia uma postura mais agressiva dos conservadores em relação ao bloco formado por social-democratas e liberais.
Em 1976, pouco depois de uma nova derrota eleitoral e pouco antes da constituição do novo Bundestag, a CSU se reuniu em Kreuth para debater os rumos do partido. Poucos dias depois foi anunciada a decisão, por 30 votos a favor, 18 contra e uma abstenção, de abandonar a bancada conjunta com a CDU.
A aventura da CSU como partido nacional, porém, foi curta. Poucos dias depois do anúncio de Kreuth, Kohl contra-atacou e disse que, se a CSU deixasse a bancada conjunta no Bundestag, então a CDU passaria a existir também na Baviera. Pressionada, a CSU recuou e, em 12 de dezembro, a decisão anunciada em Kreuth foi oficialmente abandonada. Mas não sem ganhos para CSU, pois a polêmica abriu caminho para a candidatura de Strauss à chancelaria federal em 1980, como candidato dos dois partidos conservadores.
O fantasma de Kreuth também é evocado na atual briga entre CDU e CSU por causa da política para refugiados, personificada na chanceler federal Angela Merkel, de um lado, e nos líderes da CSU Horst Seehofer e Markus Söder, do outro. Mas como lembrou o presidente do Bundestag, Wolfgang Schäuble (também ele da CDU), há uma diferença fundamental: hoje ambos os partidos estão na coalizão de governo e não na oposição. Uma separação ameaça, portanto, a continuidade do atual governo alemão e teria consequências também para a União Europeia.
Além disso, a separação entre CDU e CSU, e uma eventual presença de ambos os partidos em todo o país, acabaria sendo ruim para os dois, já que eles dividiriam entre si o eleitorado conservador do país, enfraquecendo assim a ambos.
A coluna Zeitgeist oferece informações de fundo com o objetivo de contextualizar temas da atualidade, permitindo ao leitor uma compreensão mais aprofundada das notícias que ele recebe no dia a dia.
----------------
A Deutsche Welle é a emissora internacional da Alemanha e produz jornalismo independente em 30 idiomas. Siga-nos noFacebook | Twitter | YouTube | WhatsApp | App | Instagram
A história da eleição alemã
Após Segunda Guerra, Alemanha já realizou 18 pleitos para eleger um Parlamento nacional e, subsequentemente, um ou uma chanceler federal. Veja quem ganhou.
Foto: picture alliance/dpa/K. Nietfeld
1949: Adenauer vence eleições pós-guerra
A primeira eleição após a Segunda Guerra Mundial foi, sem dúvida, a mais importante na história da República Federal da Alemanha e, certamente, a mais apertada. Konrad Adenauer, candidato da União Democrata Cristã (CDU), tornou-se o primeiro chanceler federal da então Alemanha Ocidental pela margem de um voto – o seu próprio. Seu governo se mostraria muito estável. E muito popular.
Foto: picture-alliance/dpa
1953: Konrad Adenauer é reeleito
Se a primeira eleição da antiga Alemanha Ocidental foi dramática, a segunda foi arrebatadora. Sob a liderança de Konrad Adenauer, a CDU levou 45,2% dos votos contra 28,8% do Partido Social-Democrata (SPD). Graças à coalizão com três outros partidos, Adenauer desfrutou uma maioria de dois terços no Parlamento.
Foto: picture-alliance/akg-images
1957: Adenauer ganha segunda reeleição
Na terceira eleição da Alemanha Ocidental pós-guerra, a CDU de Adenauer aliou-se ao partido conservador da Baviera, a União Social Cristã (CSU), para formar a CDU/CSU, aliança que muitas vezes é denominada de "União". Juntas, as duas legendas levaram mais de 50% dos votos. Adenauer tinha 81 anos quando iniciou seu terceiro mandato como chanceler federal.
Foto: AP
1961: Última vitória eleitoral de Adenauer
Aos 85 anos, Konrad Adenauer venceu sua última eleição, mas seu mandato não foi feliz. Seus críticos o acusaram de não responder adequadamente à construção do Muro de Berlim. Em 1963, ele renunciou a favor do seu vice e ministro da Economia, o político conservador Ludwig Erhard. Em 1961, o Parlamento alemão era composto somente por três bancadas: CDU/CSU, SPD e Partido Liberal Democrático (FDP).
Foto: picture alliance/Konrad Giehr
1965: Milagre econômico leva Erhard à vitória
Ludwig Erhard (dir.) conseguiu estender a série de vitórias eleitorais dos conservadores, embora isso viesse a acabar em breve. O ex-ministro da Economia ganhou pontos pela prosperidade da Alemanha Ocidental, mas não teve sucesso em política externa e renunciou no meio de seu mandato. Seu substituto, Kurt Georg Kiesinger, foi o único chanceler federal a nunca ter vencido eleição para o cargo.
Os anos 1960 foram um período em que as pessoas na Alemanha Ocidental, como em outras partes do mundo, passaram a questionar tradições e, no último ano da década, o prefeito da antiga Berlim Ocidental, Willy Brandt, se tornou o primeiro chanceler federal social-democrata. Na realidade, o SPD recebera menos votos que a União CDU/CSU, mas uma coalizão com os liberais do FDP lhe garantiu o poder.
Foto: picture-alliance/Wilhelm Bertram
1972: Brandt vence, mas não por muito tempo
As eleições alemãs seguintes foram adiantadas um ano depois que Brandt foi afastado através de uma moção de confiança. Essa medida foi negativa para os conservadores. Pela primeira vez no pós-guerra, o SPD obteve mais votos que CDU/CSU nas eleições gerais. Mas um companheiro próximo de Brandt revelou-se espião da Alemanha Oriental, e Willy Brandt renunciou a favor de Helmut Schmidt.
Foto: picture-alliance/dpa
1976: Helmut Schmidt solidifica o poder
Helmut Schmidt, sucessor de Brandt, conseguiu manter-se à frente da Chancelaria Federal em 1976, apesar de o SPD ter obtido 6 pontos percentuais a menos que a União CDU/CSU. Graças ao parceiro de coalizão, o Partido Liberal Democrático (FDP), a balança pendeu a favor do SPD. Essa foi a primeira eleição na Alemanha Ocidental em que jovens de 18 anos puderam votar. Antes, a idade mínima era 21.
Foto: picture-alliance/dpa/F. Fischer
1980: Schmidt é reeleito, mas parceiro se vai
A reeleição de Schmidt foi relativamente fácil, em parte porque, pela primeira vez, o candidato dos conservadores vinha da União Social Cristã (CSU). Schmidt, no entanto, não conseguiu apoio popular para o seu governo. Em 1982, o parceiro de coalizão FDP deixou o governo, aliando-se à União CDU/CSU para substituir Helmut Schmidt por um chanceler federal conservador.
Foto: dpa
1983: Helmut Kohl dá início a longo reinado
Para ganhar legitimidade, o chanceler federal Helmut Kohl, da CDU, adiantou as eleições gerais para 1983. A jogada valeu a pena, pois os conservadores venceram os social-democratas por 48,8% contra 38,2% dos votos. Muitos esquerdistas consideravam Kohl uma figura grosseira demais para ficar muito tempo no poder. Mas estavam errados. Nesse pleito, os verdes entraram pela primeira vez no Parlamento.
Foto: imago/Sven Simon
1987: Kohl se reelege em onda conservadora
Os anos 1980 foram conservadores, com Ronald Reagan nos EUA, Margaret Thatcher no Reino Unido e Kohl na Alemanha. E o político da CDU aproveitou a onda para se reeleger. Para Kohl, foi uma alegria ter aparecido junto a Reagan em seu famoso discurso "Sr. Gorbachev, derrube este muro". Mas poucos imaginavam que ele iria cair em breve e que aquelas seriam as últimas eleições da Alemanha Ocidental.
Foto: AP
1990: Kohl vence sob signo da Reunificação
Kohl (dir.) brindou a reunificação da Alemanha com o primeiro-ministro da Alemanha Oriental, Lothar de Maizière, em 3 de outubro de 1990, e dois meses depois, eleitores de todo o país foram convocados a votar em outra eleição antecipada. O clima era de euforia, e não havia quem vencesse o "chanceler da Reunificação". Kohl foi eleito para um terceiro período legislativo.
Foto: picture-alliance/dpa
1994: Triunfo final para Kohl
Em 1994, cinco anos depois da queda do Muro de Berlim, os primeiros problemas sociais causados pela Reunificação se tornaram visíveis. Mesmo assim, a reeleição de Kohl foi relativamente confortável. Isso se deveu em parte a um fraco adversário social-democrata, que ficou conhecido, entre outros, por tropeçar na diferença entre líquido e bruto na TV alemã.
Foto: imago/teutopress
1998: Schröder inicia experiência de coalizão
Em 1998, os eleitores estavam cansados de Kohl, e o social-democrata Gerhard Schröder (esq.) soube se aproveitar disso. O SPD venceu a União CDU/CSU por 40,9% contra 35,1% dos votos e formou uma coalizão com o Partido Verde, liderado por Joschka Fischer (c.). Esta foi a primeira eleição em que o PDS (hoje A Esquerda), sucessor do antigo partido socialista alemão-oriental, entrou para o Parlamento.
Foto: picture-alliance/dpa
2002: Schröder vence reeleição após 11/9
Na eleição de 2002, SPD e a União CDU/CSU tiraram a mesma porcentagem de votos: 38,5%. Schröder conseguiu se reeleger por seu parceiro de coalizão, os Verdes, ser mais forte que o FDP. Uma das tarefas mais árduas de Schröder foi lidar com George W. Bush. Depois do 11 de setembro, o chanceler federal proclamou "solidariedade ilimitada" com os EUA, mas a Alemanha não apoiou a Guerra do Iraque.
Foto: Getty Images
2005: Início da era Merkel
Em 2005, Angela Merkel tornou-se a primeira mulher a governar a Alemanha, após Schröder, que em meio a críticas por seus programas de austeridade econômica, antecipou mais uma eleição. A política da antiga Alemanha Oriental ganhou por pouco. A vantagem dos conservadores sobre o SPD foi inferior a 1% e, em seu primeiro mandato, Merkel passou a chefiar uma "grande coalizão" com o principal rival.
Foto: picture-alliance/dpa/G. Bergmann
2009: Merkel realiza "coalizão dos sonhos"
O resultado do segundo pleito parlamentar de Merkel foi muito mais claro que o primeiro. Enquanto o apoio ao SPD despencava, os liberais do FDP, liderados por Guido Westerwelle, ganhavam votos. Como resultado, os conservadores foram capazes de formar uma coalizão com seus parceiros prediletos. Para a centrista Merkel, essa coalizão parecia ter saído de um sonho.
Foto: Getty Images/A. Rentz
2013: Merkel comemora terceiro mandato
Em 2013, Merkel estava consolidada como a política mais popular da Alemanha, e os conservadores terminaram à frente do SPD nas eleições. Mas como os liberais não conseguiram alcançar o limite de 5% dos votos para entrar no Parlamento, a chanceler federal reeleita teve que formar outra grande coalizão. Isso não impediu "Angie", como é conhecida carinhosamente hoje em dia, de saborear uma cerveja.
Foto: Reuters
2017: Ascensão dos populistas de direita
CDU/CSU e SPD foram os partidos mais votados, mas tiveram seu pior resultado desde o pós-guerra. Enquanto os liberais voltaram a ser representados no Bundestag, a grande vitória foi da legenda populista Alternativa para a Alemanha (AfD) – pela primeira vez desde a 2ª Guerra, um partido nacionalista está representado no Parlamento alemão.